Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Minari": um dos melhores filmes de 2021 chega ao Amazon Prime

Vencedor de um Oscar, "Minari" foi lançado pelos cinemas brasileiros no auge da pandemia, mas agora chega ao streaming do Amazon Prime Video

Vitória
Publicado em 01/10/2021 às 13h46
Filme
Filme "Minari", indicado ao Oscar 2021. Crédito: Diamond Films/Divulgação

É irônico, para não dizer meio ridículo, que a Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood (HFPA), grupo de 87 jornalistas votantes no Globo de Ouro, tenha impedido “Minari” de concorrer na categoria principal, ou seja, como Melhor Filme Drama. A argumentação foi somente de que a maior parte dos diálogos é em coreano. Produzido com dinheiro americano, filmado nos EUA, dirigido e escrito pelo americano Lee Isaac Chung e protagonizado por um ator nascido na Coreia, mas criado em Detroit, Steven Yeun, “Minari” talvez seja a grande história do "sonho americano" produzida pelo cinema nos últimos anos. Ao contrário do Globo de Ouro, o Oscar credenciou "Minari" a concorrer em todas as categorias. Vencedor do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante com Youn Yuh-Jung, o filme teve outras cinco indicações: Melhor Filme,  Ator, Direção, Roteiro Original e Trilha Sonora Original

Com roteiro semi-autobiográfico de Lee Isac Chung, o filme que chega nesta sexta (1º) ao Amazon Prime Video conta a história de uma família de imigrantes coreanos lutando para sobreviver no Arkansas dos anos 1980. Na verdade, o verbo mais correto não seja “sobreviver”, pois o que Jacob (Steven Yeun) quer é prosperar, quer ser visto como um sucesso por seus filhos. Após anos na Califórnia trabalhando em um emprego degradante, conseguiu juntar um dinheiro e tentar iniciar um negócio próprio em outra cidade.

O sonho de Jacob é visto com desconfiança pela esposa, (Yeri Han), que teme o fracasso e estranha a nova casa, um grande trailer em meio ao que Jacob pretende transformar em uma fazenda de vegetais coreanos - uma oportunidade de mercado, visto que mais de 80 mil coreanos migravam para os EUA por ano na década de 1980.

“Minari” é um filme sobre afetos. Mesmo não sendo a principal narrativa do filme, a relação entre o pequeno David e a avó, Soonja (Yuh-jung Youn), é o que mostra dá o ritmo da narrativa. Nascido nos EUA, David não conhecia a avó e eles não se dão bem a princípio - ela é coreana demais, pouco parecida com as avós que David vê na televisão. É fácil ver o filme dessa forma, ainda, por ele se basear nas lembranças familiares do diretor. Apesar de não ser vendido como uma obra “baseada em fatos”, “Minari” é construído sobre as memórias afetivas de Lee Isaac Chung.

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Filme "Minari", indicado ao Oscar 2021. Crédito: Diamond Films/Divulgação

Sem oferecer grandes conflitos fora do núcleo familiar, “Minari” se sustenta nas performances, e elas são incríveis. A já citada Yuh-jung Youn, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, é uma lenda do cinema sul-coreano. Sua atuação como a mãe de Monica é impecável e garante, ao mesmo tempo, afeto e humor ao filme.

Já Steven Yeun é um rosto conhecido da indústria americana desde sua participação como o Glen, de “The Walking Dead”. Seu Jacob é obstinado, mas carrega nas costas o fardo de ter a obrigação de ser bem-sucedido após ter deixado a Coreia em busca de uma vida melhor para sua família. Sua jornada é o clássico sonho americano, a construção de algo a partir do esforço próprio, sem depender de ninguém, em um lugar que, em teoria, estaria de braços abertos a gente de todos os cantos, mas os EUA, obviamente, não são assim.

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Filme "Minari", indicado ao Oscar 2021. Crédito: Diamond Films/Divulgação

Presos no "meio do nada", Jacob e sua família buscam uma igreja para ao menos se sentirem parte de algo. Numa congregação evangélica branca e rural, os coreanos não são rejeitados, mas são tratados como seres exóticos. É interessante nessa sequência como os adultos ainda fingem, mas todo o preconceito vem escancarado nas crianças com quem David (Alan S. Kim) e Anne (Noel Cho), a filha adolescente, se relacionam - elas não são racistas ou xenófobas, mas reproduzem os comportamentos de seus pais.

É um exercício válido relacionar a diferença comportamental de Jacob e Monica nos EUA com a vida de seus intérpretes. Yeun vive no país desde os cinco anos, estudou lá, fez universidade e se consolidou como ator enquanto Yeri Han nunca havia filmado fora da Coreia do Sul. Assim, a sensação de não-pertencimento de Monica naquela sociedade, naquela cultura, uma das forças motrizes do filme, é natural - a personagem, tal qual a atriz, não se reconhece no que enxerga ao seu redor, o que fica claro quando sua mãe chega da Coreia com produtos e temperos coreanos e ela vai às lágrimas. Mais uma vez, é o afeto, a lembrança de casa, que move “Minari”.

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Filme "Minari", indicado ao Oscar 2021. Crédito: Diamond Films/Divulgação

Como observação, há nas legendas do filme lançado no Brasil algumas questões: quando conversam entre si, Jacob e Monica se chamam pelos nome coreanos, mas as legendas mantêm os nomes que os personagens assumiram nos EUA - é irônico um filme que trata da perda de identidade apagar deles o próprio nome.

“Minari” é poético ao inserir elementos ficcionais na memória afetiva de seu diretor. O filme é um conto sobre o tal sonho americano, mas também sobre a construção de identidade de imigrantes. Criado por família coreana em solo americano, Lee Isaac Chung transfere para o pequeno David suas memórias e os conflitos identitários pelos quais passou para reconhecer a jornada e os sacrifícios de seus pais imigrantes nos EUA.

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