Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Echoes": suspense da Netflix subestima inteligência do público

"Echoes" conta a história de duas irmãs gêmeas que secretamente dividem tudo: casas, maridos e até a criação da filha de uma delas

Vitória
Publicado em 19/08/2022 às 08h21
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Série "Echoes", da Netflix. Crédito: JACKSON LEE DAVIS/NETFLIX

O apelo da história de “Echoes” é imediato; gêmeas idênticas, Leni e Gina (Michelle Monaghan) desde pequenas trocam de identidade nas mais diversas situações. Adultas, Gina se tornou uma escritora de sucesso e mora em uma mansão em Los Angeles enquanto Leni vive em uma fazenda de cavalos no interior. As duas são respectivamente casadas com os bonitões Jack (Matt Boomer), com quem Leni tem uma filha, e Charlie (Daniel Sunjata).

Mesmo com vidas supostamente separadas, elas dividem tudo às escondidas, maridos, casas, dinheiro e até a criação da filha de Leni - uma vez por ano, na data de aniversário, elas trocam de lugar. Para se manterem sempre atualizadas, compartilham um diário virtual em que registram todos os acontecimentos. Um dia, porém, Leni desaparece misteriosamente às vésperas da "troca", deixando Gina desesperada em busca de respostas.

“Echoes” se constrói como um suspense de Gillian Flynn (“Garota Exemplar”), mas não se desenvolve como as adaptações da autora para as telas. A série criada pela australiana Vanessa Gazy (da péssima “Bem-vindos ao Éden”) e conduzida por Quentin Peebles e Brian Yorkey (“13 Reasons Why”) opta por um caminho mais melodramático que a aproxima das adaptações de Harlan Coben (“Não Fale com Estranhos”) ou da medonha "Por Trás de Seus Olhos".

Mesmo com uma atuação intensa de Michelle Monaghan, “Echoes” parece o tempo todo estar se esforçando demais. Todo o processo da “troca” de identidade é constrangedor, conferindo à narrativa um ar ritualístico como se fosse uma seita sexual sobrenatural. Nessa busca por algo que marque o espectador, a série nunca se aprofunda em nenhum arco ou desperta uma identificação com o público, que observa tudo com toques de voyeurismo e uma estranheza que perde força quando percebemos o quanto ela é exagerada.

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Michelle Monaghan na série "Echoes", da Netflix. Crédito: JACKSON LEE DAVIS/NETFLIX

A série funciona melhor quando se dedica à dualidade de Leni e Gina, tentando levar o espectador a entender suas protagonistas. Nos primeiro quatro episódios acompanhamos Leni tentando entender a bagunça deixada por Gina em sua vida - ao voltar da “troca”, Leni se viu com problemas no casamento, com a melhor amiga e até envolvida com a venda ilegal de substâncias controladas. Mais adiante, conhecemos também a história pela perspectiva da irmã, o que faz com que enxerguemos a mesma realidade por outro olhar, dando um pouco de contexto para a conexão entre elas.

Michelle Monaghan visivelmente se esforça mais com Gina, dando à personagem mais complexidade do que à irmã. Leni é mais unidimensional e menos dissimulada, comprometendo um pouco a premissa de “Echoes”. Para que a ideia da série funcione, os coadjuvantes são obrigados a aceitar comportamentos estranhos das protagonistas como algo normal.

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Michelle Monaghan e Matt Boomer na série "Echoes", da Netflix. Crédito: JACKSON LEE DAVIS/NETFLIX

Em meio a vários excessos e a uma construção de suspense que não funciona, “Echoes” ensaia ser um texto sobre identidade. A série busca confundir o espectador, tornando praticamente impossível descobrir qual é a irmã em cena e criando no espectador a sensação de que talvez elas também já não tenham essa certeza após anos vivendo duas vidas.

Como suspense, porém, “Echoes” é quase risível. A virada ao fim do primeiro episódio, tratada com a seriedade de um grande plot-twist, já mostra que não se deve esperar muito da série. Quando tenta ser um thriller policial, a série esbarra em coadjuvantes muito mal desenvolvidos, como a policial Louise (Karen Robinson), responsável pela busca da irmã desaparecida. A partir de certo ponto, a série se transforma em um festival de interrogatórios em que personagens revelam todas as suas motivações com enorme didatismo.

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Série "Echoes", da Netflix. Crédito: JACKSON LEE DAVIS/NETFLIX

A série também traz arcos de thriller psicológico, com memórias fragmentadas e um quebra-cabeça montado aos poucos (lembrando “Superfície”, da AppleTV+), doses de terror no já citado ritual, e até de romance, mostrando as irmãs na juventude e introduzindo um novo personagem. Os arcos se conectam, mesmo que de forma superficial, mas passam a sensação  de terem sido pensados separadamente.

Apesar de tentar muito, nenhum dos arcos prende o espectador - fosse uma série de episódios semanais, não criaria no público a expectativa para o episódio seguinte; como maratona, no entanto, a esperança de “vai melhorar no próximo” segura até o final do sétimo episódio, quando a série finalmente entrega sua virada. Seguindo a fórmula de Harlan Coben, “Echoes” tenta se garantir na sensação de surpresa no final, mas o clímax se dá no episódio em torno de Gina, mesmo que a revelação não faça muito sentido com tudo o que foi visto anteriormente.

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Michelle Monaghan na série "Echoes", da Netflix. Crédito: JACKSON LEE DAVIS/NETFLIX

“Echoes” nunca engrena e tampouco entrega tudo o que é prometido na premissa. A série é melhor consumida como um melodrama policial novelesco meio trash. Ao final, a sensação pode não ser de tempo desperdiçado, mas a minissérie tampouco recompensa o espectador pela dedicação e pelo esforço de chegar até o fim mesmo tendo sua inteligência subestimada episódio atrás de episódio.

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