É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Da presença dela

Felicidade... Ela, que dá e passa. Estala. E zomba daquele que aspira à sua permanência conceitual, institucional, metafísica

Publicado em 19/09/2021 às 02h00
Felicidade, mulher, silhueta
Felicidade, mulher, silhueta. Crédito: Jill Wellington/Pixabay

Quando o tempo para, a gente não se compara. Quando o tempo para, os desejos ficam suspensos, as ansiedades se calam, o medo cessa, a pressa acaba e a vontade passa.

Quando o tempo para, a gente fica sem saber de nada – não podemos sequer medir os segundos, desconhecendo solenemente se foram poucos ou muitos... Porque quando o tempo para, a única coisa que sabemos é experimento.

Quando o tempo para, gozo, orgasmo, nirvana, impacto. Paz, carruagem dourada, sinos, luzes, brilho, estalo.

Quando o tempo para, não é preciso dizer nada, a gente se reconcilia – com o mundo, consigo, com a vida.

Quando o tempo parou na areia da praia, naquele beijo, naquele dia? Lembra? Algo de brilhante pairou. De repente, não havia mais fome, nem dor, nem preconceito, nem guerras, nem injustiça, nem notícias políticas.

No tempo suspenso ficamos momentaneamente infinitos. De modo que este "não tempo" é raro e mágico, como um portal sublime que encerra o plano concreto e estreia, fugazmente, o mistério.

O tempo parou quando pisei em Fernando de Noronha; quando entrei na Catedral vestida de noiva; quando cantei com uma banda; quando soube que minha comadre estava grávida; quando aconteceu nosso reencontro. O tempo para todas as vezes que sou amada e também quando amo; o tempo para quando medito; quando sonho; quando a festa embala.

O tempo para quando estou dançando – e patinando. O tempo para quando estou escrevendo, quando estou criando, quando estou desenhando, quando estou me pintando. O tempo para quando como caranguejo com minhas amigas, quando tomo vinho com meu pai, e quando brinco com meus filhos. O tempo para quando fazemos pazes, amores, lembranças, amigos, quando fazemos sentido.

Vivemos a vida em busca desses momentos sem tempo. Instantes mágicos, milésimos de segundos, horas inteiras ou só alguns minutos... Quando tempo vira pó de plenitude – ou, na verdade, a única razão de ser daquela palavra: "felicidade".

Felicidade... Ela, que dá e passa. Estala. E zomba daquele que aspira à sua permanência conceitual, institucional, metafísica... Ela! Coisa rara, coisa fina, que além de encerrar a contagem do tempo, faísca! Mas rejeita categoricamente esse anseio estúpido-moderno, vendido como possível: viver em estado tântrico, fora do real, sem desejar, sem temer, sem sofrer, sem se dar, sem doer.

Ora, amar a vida ou "ser feliz", como queira, é, em última instância, servir. Porque "quem ama, naturalmente, serve; e quem serve, naturalmente, ama". Servir através da sua profissão, da sua arte ou de seus mais íntimos projetos de vida.

E por mais essa premissa tenha um sotaque romântico, na verdade, é seríssimo: não viemos ao mundo a passeio. Viemos servir a um propósito maior – e quanto antes pudermos compreender isso, melhor.

Finalmente, a suspensão do tempo de que tanto falei no início, nada tem a ver com a satisfação do ego ou da mente – que raciocina e tenta entender, mas não consegue dar conta do que está além dela. Também não tem a ver apenas com a satisfação do corpo físico – para fazer o tempo parar "na marra", o homem sintetizou as drogas (que ou matam, ou aprisionam no vício).

Quando o tempo para daquela forma mágica, experimentamos a presença da recompensa, aquela que comprova, que valida, que carimba: "é, todo o resto vale a pena".

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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