Doutor em Doenças Infecciosas pela Ufes e professor da Emescam. Neste espaço, faz reflexões sobre saúde e qualidade de vida

Antibióticos: entenda por que o uso do medicamento deve ser moderado

Um importante estudo publicado no The Lancet no ano passado mostrou que a resistência bacteriana mata mais pessoas por ano que qualquer outra doença infecciosa isolada, inclusive HIV, tuberculose ou malária

Publicado em 17/08/2023 às 00h20

O primeiro antibiótico para uso humano, a penicilina, foi descoberto de forma acidental pelo médico escocês Alexander Fleming em 1928. Ele ganhou o Nobel da Medicina em 1945, no pós-guerra, quando ficou claro o potencial dessa droga de salvar vidas de tantos soldados feridos.

Apenas uma década depois, já em meados dos anos 50, a resistência à penicilina já era um grave problema. Na década de 30, as sulfas foram descobertas e assim, sucessivamente, novas classes de antibióticos. Num jogo de gato e rato, à medida que novos antibióticos são largamente usados, a resistência bacteriana logo aparece.

Um importante estudo publicado no The Lancet no ano passado mostrou que a resistência bacteriana mata mais pessoas por ano que qualquer outra doença infecciosa isolada, inclusive HIV, tuberculose ou malária. Uma em cada 8 mortes no mundo hoje está ligada às infeções bacterianas, na prática a segunda causa de morte após doença cardíaca.

Estudos do Banco Mundial analisam impactos econômicos da resistência bacteriana, projetando um gasto adicional em saúde de cerca de 1 trilhão de dólares em 2050. Como o acesso a tanto dinheiro é desigual, as mortes por bactérias multirresistentes são mais comuns em países de baixa renda, sendo hoje a África subsaariana o local de maior impacto. Apenas seis bactérias são responsáveis por cerca de 80% dos casos, com destaque para Escherichia coli e Staphyloccocus aureus. O leitor talvez conheça casos de infeção urinária e mesmo infecções banais resistentes a vários antibióticos.

Como a ciência pode enfrentar isso? Primeiro, combatendo o uso indiscriminado de antibióticos. A revista da Sociedade Americana de Infectologia (CID) publicou neste ano um trabalho relatando o aumento de uso de azitromicina em 360% no Brasil durante a pandemia de Covid-19.

O abuso de drogas sem efeito cobra seu preço. Mas o essencial é a pesquisa de novas drogas. E aí temos um enorme problema. Mais de 82% das pesquisas de novas drogas ocorreu até os anos 2000. Nas duas últimas décadas a indústria tem feito “recauchutagem” de antigas drogas. As grandes farmacêuticas definem o investimento em novos antibióticos como de risco e sem retorno. Afinal, antibióticos são usados por curtos períodos, e existe um consenso entre os especialistas para desencorajar seu uso extensivo com o objetivo de prevenir resistência.

Anvisa aprova novas regras para rótulos de medicamentos
Antibióticos devem ter uso restrito. Crédito: Freepik

Alguns estudiosos da área farmacêutica definem a pesquisa de novos antibióticos como uma “falha de mercado”. As vendas nem de longe compensam o extraordinário investimento necessário à pesquisa de uma nova droga, na faixa de bilhão de dólares. O Reino Unido e EUA estão estudando formas inovadoras de estímulo à pesquisa de novos antibióticos além da simples remuneração pela venda.

Estudos inovadores com bioinformática e uso de inteligência artificial para desenho de novas drogas são caminhos que vêm sendo tentados. Um grupo de pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology, usando IA, fez o screening de 110 milhões de moléculas em três dias, descobrindo uma substância com propriedades antimicrobianas. Enquanto vivermos esse deserto de novas drogas, bom usar os antibióticos disponíveis com moderação.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Saúde OMS Saúde Pública bacteria Medicamento

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.