Fernanda Young não cedia facilmente aos horrores que enfrentava

Num de seus textos, ela elege "sigamos" como o verbo imperativo pra dar seguimento aos dias cortados à faca. Fernanda foi só amor e com ele cultivava a rosa doida das palavras

Publicado em 29/08/2019 às 16h21

Crônica Fernanda Young

Fernanda Young foi reescrever o roteiro das páginas entre céu e inferno. Foram quarenta e nove vidas com a intensidade dosada pra cada um dos seus anos se defendendo dos “escrotos”, como ela nominava os que a atacavam. Esses que todos conhecemos nas redes sociais escondidos atrás da tela com rugidos de leão e, ao vivo e cara a cara, ocultam envergonhados as unhas das patas no sabugo. São gatinhas manhosas.

O artigo de Young sobre a cafonice no país viralizou nas redes. A atriz, apresentadora e escritora andava farta do espetáculo de ignorância servido a plateias ávidas por assistirem ao circo em chamas. Sua morte lembra a tese do assassinato cultural de Glauber Rocha, cineasta luminar do Cinema Novo, daquele que não se encaixa no quadrado das desumanidades, na roda de mediocridade girando no entorno dos dias e joga a toalha. Ela também não suportou o grito esganiçado dos cafonas arrebentando seus tímpanos.

Há momentos assim. Vontade de jogar ao vento as sapatilhas, ficar nu com a nossa música e partir. O desejo de vida não me permite a saída de emergência, rolar pelas escadas como quem perde o prumo e o pulso. Prefiro o enfrentamento diante da vastidão da mediocridade, perante o despudor dos arrogantes. Fernanda era dessas, resistente, não cedia facilmente aos horrores que enfrentava. Suas lanças alcançaram muitos moinhos do inimigo. Ganhou mais batalhas que perdeu.

Parada respiratória foi a causa mortis. Perdeu o fôlego contra os cafonas e um tipo de gente com atitudes bregas, nefastas. Não bastava presenciar a miséria das bocas famintas pelas ruas, dor sem fim, ainda tinha de conviver com os espíritos miseráveis, com a estupidez ditando normas. Seu senso de justiça vivia aceso, mas como manter a chama quando a injustiça se sobrepõe e os boçais da cafonice aplaudem com dentes arreganhados a dor alheia?

Num de seus textos, ela elege “sigamos” como o verbo imperativo pra dar seguimento aos dias cortados à faca. Fernanda foi só amor e com ele cultivava a rosa doida das palavras. E contra tanto amor, restará, um dia, ao ódio e à cafonice o sepultamento na vala comum.

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