É doutor em Letras, professor e escritor. Seus textos tratam de literatura, grandes nomes do Espírito Santo e atualidades. Escreve quinzenalmente às segundas

O futuro incerto da Argentina

O centro de Buenos Aires, antes cheio de bons restaurantes, cafés e livrarias, virou uma terra de ninguém

Publicado em 28/08/2023 às 00h10
Buenos Aires, capital da Argentina
Buenos Aires, capital da Argentina. Crédito: divulgação

Visito a Argentina desde 1990, quando lá estivemos pela primeira vez, eu, a esposa e os filhos, para uma viagem inesquecível a Buenos Aires e a Bariloche. Foi no período do Collor, quando as economias ficaram presas na poupança pela ministra Zélia, de triste memória, mas como já tinha comprado a viagem e pagado, fomos.

Passamos o maior perrengue, economizando os tostões, dividindo um choripán, o pão com linguiça deles. Naquela época, a economia da Argentina era mais estável que a nossa, o país era dolarizado, o peso argentino valia mais que o nosso cruzado, cruzeiro ou cruz credo, nem lembro qual era a moeda, tantas foram as mudanças.

O pior foi ter de aguentar, emudecidos, a comemoração da derrota da seleção brasileira na Copa de Mundo de Futebol da Itália, os argentinos tocando tambores e cantando “Olê, olê, olê, Brasil se fue”, na Praça do Obelisco. Toda a rivalidade entre brasileiros e argentinos existente desde o período colonial, por causa da disputa de territórios entre Portugal e Espanha, se concentrava nas disputas futebolísticas, o que ainda ocorre, embora, talvez, menos intensa que no passado.

Nessas três décadas passadas, por várias vezes, estivemos na Argentina. Visitamos Mendoza, a capital nacional das vinícolas, a província de Missiones, marcada pelas missões jesuíticas e as guerras entre os povos originários e os colonizadores, Córdoba e, algumas vezes, fomos a Buenos Aires, a partir do fortalecimento do real e da desvalorização do peso. A última foi em janeiro último, quando lá estivemos, numa parada de cruzeiro, e constatamos, estarrecidos, a pobreza do país, o desemprego, a inflação galopante, mendigos na rua e muita violência.

Num mero descuido, tive o cordão arrancado, em frente à catedral, fato que nunca me ocorreu aqui. O centro de Buenos Aires, antes cheio de bons restaurantes, cafés e livrarias, virou uma terra de ninguém. Andar despreocupado, admirando as belas avenidas, parques e monumentos arquitetônicos do tempo em que o país era rico e a cidade uma das mais belas do mundo, tornou-se muito perigoso.

Os analistas culpam os erros do peronismo, a política que se instalou no país há uns setenta anos, pela deterioração econômica e social do país, mas não se deve esquecer de que a terrível ditadura militar implantada, nos anos 70, além de ter perseguido ferozmente seus opositores, destruiu a economia argentina, quando a conduziu a uma malfadada guerra contra a Inglaterra pela reconquista das Malvinas.

Mesmo distante, o Reino Unido veio e venceu, assegurando seu poder sobre as Falklands. Estive em Stanley, a gélida capital das ilhas, e lá visitamos o cemitério, onde centenas de jovens argentinos pagaram com a vida o preço da inconsequência dos generais no poder, e o museu, onde se pode relembrar os tristes episódios dessa última guerra ocorrida no nosso continente.

Agora, a Argentina se encontra em mais uma encruzilhada para definir o destino do país. Cinco candidatos disputam a Presidência, dentre os quais os três mais votados nas primárias, representantes das principais forças políticas. Em primeiro lugar nas prévias eleitorais, saiu Javier Milei, economista de 52 anos, da extrema-direita, admirador de Trump e Bolsonaro. Promete dolarizar a economia, fechar o Banco Central e a maioria dos ministérios, incluindo o da educação, e acabar com o ensino e a assistência social gratuitos. Já vimos esse modelo por aqui e deu ruim. Tomara a maioria dos argentinos não opte por esse caminho, que pode provocar uma guerra civil.

A segunda mais votada é Patrícia Bullrich, de tradicional família de empresários, atual ministra da Segurança. Promete remover os controles de capital, cortar gastos e reduzir impostos sobre exportações agrícolas, a base da economia argentina. Representante do centro-direitismo, parece ser mais confiável do que Milei, mas muitos argentinos têm receio de mulheres no poder, após as experiências mal-sucedidas de Cristina Kirchner.

O terceiro mais votado é Sérgio Massa, 51 anos, atual ministro da Economia, representante do peronismo no poder, desgastado com o insucesso político-econômico-social. Torçamos pelo melhor para a Argentina, país hermano e hermoso, terra do Messi e do papa Francisco.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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