É psicóloga, psicanalista, entusiasta da maternidade, paternidade e mestre em Saúde Coletiva. Escreve sobre os bebês, as emoções, os comportamentos, os conflitos e dilemas contemporâneos do tornar-se família

O retorno ao simples é o que pode nos manter vivos nos amanhãs

Não precisamos construir novos sonhos, novos desejos. Que tal resgatar os antigo ou os não concretizados?  Há tantas pequenas conquistas no cotidiano, escondida dentro de sua casa

Publicado em 04/01/2021 às 05h00
Bolo de fubá com calda de goiabada da chef do Café Terra Nova, Sabrina Kucht
Bianca Martins diz que não conhece nada mais satisfatório do que o cheiro de um bolo quentinho recém-saído do forno, feito por você mesma. "Parece simples e piegas, mas o retorno ao simples é o que pode nos manter vivos emocionalmente". Crédito: Café Terra Nova/Instagram

Esperança pergunta: O ano passado foi extremamente difícil para mim em muitos aspectos. Eu não consigo fazer planos para esse ano. Me sinto deprimida e paralisada. O que será do meu amanhã?

Acabamos de atravessar o portal “imaginário” que nos trouxe da dimensão do ano de 2020 para 2021. A gente se apega a isso, não é? Acredita que de um dia para o outro, puft! Sairemos de uma condição e entraremos em outra, assim, num passe de mágica. Muitas pessoas nessa época do ano fazem planos, expressam seus desejos, viajam ou se reúnem com os amigos, mesmo na pandemia, que está muito longe de acabar.

Mas você, Esperança, não está sozinha. E para mim, embora muitos digam o contrário, não vejo problema em seu estado. O ano de 2020 não foi nada fácil, para ninguém. A grande maioria das pessoas está deprimida, o que não quer dizer que estejam em depressão. Estar deprimido é esse estado mais recolhido, mais apático, onde nada nos interessa muito. Nos sentimos desamparados, sem energia e impotentes. Essas emoções são mais que esperadas para quem está vivendo em uma situação de pandemia.

Precisamos tomar cuidado para não ir diagnosticando e medicando todas as emoções humanas. Na atualidade eu tenho mais medo dos negacionistas – esses sim, realmente perigosos, que dos deprimidos. É importante estarmos um tantinho deprimidos nesse momento, mas só um pouco.

Bianca Martins

Psicanalista

"Na atualidade eu tenho mais medo dos negacionistas – esses sim, realmente perigosos, que dos deprimidos. É importante estarmos um tantinho deprimidos nesse momento, mas só um pouco"

A pergunta que não cala é: por que ficamos deprimidos nesses momentos? No ano passado ficamos mais deprimidos pois havíamos perdido a capacidade de estarmos as sós. Perdemos habilidades importantes de introspecção. Como eu invejei quem sabia bordar, cozinhar, pintar ou até mesmo tocar um instrumento musical. Essas pessoas estavam menos solitárias, mais preenchidas. Eu confesso que a escrita me sustentou muitas vezes. Essa habilidade de colocar nas palavras, nas frases, que cultivo desde a infância foi fundamental nos meus processos mais íntimos e solitários. E olha que não sou nem um pouco solitária. Tenho uma casa barulhenta e agitada, mas no fundo, estamos todos as sós com nossa existência.

MARCAS

No ano passado nos remodelamos dia a dia, nos fechamos, nos abrimos lentamente, nos reorganizamos física e emocionalmente. Para algumas pessoas tarefa fácil, para outras impossível. Esforços nunca demandados das últimas gerações que experienciam um tempo sem guerra, sem privações. Mas esse vírus trouxe consigo tantos mortos, tantos sobreviventes, tantas marcas.

O que te digo é que não precisamos construir novos sonhos, novos desejos. Que tal resgatar os antigos, os não concretizados, ainda?! Não fez no anos anteriores, pelos mais variados motivos, se for possível, realize. Há tantas pequenas conquistas no cotidiano, escondida dentro de sua casa. Mas se não for suficiente, é importante ter um interlocutor atento que possa escutar onde está emperrando sua capacidade de realização.

Infelizmente nos é ensinado pela cultura que só os grandes feitos podem nos completar ou nos trazer a felicidade, mas não conheço nada mais satisfatório do que o cheiro de um bolo quentinho recém-saído do forno, feito por você mesma. Parece simples e piegas, mas o retorno ao simples é o que pode nos manter vivos emocionalmente nos próximos amanhãs que estão por vir. Desejo que seu ano seja repleto de pequenas e persistentes satisfações.

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