A crise de saúde pública eclodida pela Covid-19 abre possibilidades para uma melhor aproximação de onde se encontra o mundo enquanto processo civilizatório. Em primeiro lugar, porque a velocidade e a intensidade como a pandemia se alastrou por todos os lugares indicam que ninguém está a salvo dela.
Em segundo lugar, porque torna-se cada vez mais vulnerável a maioria da população mundial que há muito tem acesso precário à alimentação saudável, a serviços de saúde, habitação, saneamento, entre outros. Em um mundo em que são poucos os incluídos econômica, social e politicamente, os efeitos da pandemia se distribuem de forma desfavorável para com os mais pobres.
Em terceiro lugar, porque sobre essa maioria de excluídos é também maior a incidência de outras doenças - entre as quais, diabetes, obesidade, tuberculose - que potencializam a exposição ao vírus e as possibilidades de morte para quem contrai a Covid-19.
Em quarto lugar, porque na falta de políticas públicas voltadas para a equidade social e econômica, a maioria da população do mundo acumula riscos históricos de desproteção relativa à crise climática, cujos efeitos se tornam maiores a cada dia.
Mais grave, a solução mesmo que de apenas uma dessas dimensões da crise está longe de uma possibilidade de encaminhamento.
A busca de concentrar esforços na recuperação da economia e deixar para uma possível vacina o controle da pandemia é equívoco que precisa ser denunciado e combatido. Por um lado, porque o foco da recuperação continua sendo a garantia de ganhos continuados e crescentes para o capital improdutivo cada vez mais distante da economia real de emprego, renda e progresso.
Por outro lado, porque o horizonte de uma vacina efetiva para proteger a população da Covid-19 está bem mais distante do que apregoam discursos terraplanistas sem qualquer compromisso com a vida humana.
Entender, portanto, a crise atual como sindêmica - ou seja, a combinação de sinergia e pandemia - é fundamental. Cunhado pelo antropólogo médico Merrill Singer na década de 1990, o neologismo busca explicitar uma situação em que a combinação de duas ou mais doenças causa danos maiores do que a mera soma delas. Mais grave, como explicita o estudioso, o impacto negativo dessa interação é potencializado por condições sociais e ambientais que ao facilitarem a exposição a essas doenças tornam a população mais vulnerável aos seus impactos.
Esse alerta para o caráter cumulativo entre doenças e para as relações que existem entre elas e os ambientes naturais, sociais e econômicos explicita a complexidade do momento em que vive o mundo. Complexidade que afasta a possibilidade de encaminhamentos fáceis como os que buscam separar a saúde da economia e os que tentam criar a ilusão de que a pandemia da Covid-19 estará resolvida tão logo se tenha a vacina.
Mais do que criar falsas dicotomias e ilusões, os encaminhamentos dados por governantes e pelos que exercem forte influência no que é divulgado pelos meios de comunicação de massa e pelas redes sociais - os grandes conglomerados que compõem o capital improdutivo que marca a economia de forma crescente neste século XXI - retiram da população a possibilidade de discutir a transição planetária e o seu significado para a sobrevivência de humanos como os conhecemos. Nesse sentido, a pequenez do que se veicula e apresenta para a maioria da população empobrece o debate e restringe as possibilidades de na crise encontrarmos novos caminhos.
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