Publicado em 14 de junho de 2024 às 07:14
Uma mulher que carregar uma gestação resultante de estupro e realizar o aborto após a 22ª semana é possível que tenha uma pena maior que a de seu estuprador. É o que ocorrerá caso o PL 1904, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, seja aprovado.>
O projeto quer colocar um teto de 22 semanas na interrupção de gestações em que houver viabilidade fetal, abrindo margem para incluir casos em que o aborto é autorizado, como de estupro, risco à vida da mãe e anencefalia fetal, aumentando a pena para quem realizar o procedimento após o período. O objetivo da proposição é equiparar a punição para o aborto à reclusão prevista em caso de homicídio simples.>
Com isso, a mulher que fizer o procedimento, se condenada, cumprirá pena de 6 a 20 anos de prisão. Já a pena prevista para estupro no Brasil é de 6 a 10 anos. Quando há lesão corporal, de 8 a 12 anos.>
Somente em caso de morte da vítima a pena pode ser maior. O Código Penal prevê reclusão de 12 a 30 anos.>
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O mérito do PL segue para votação na Câmara e ainda precisa ser aprovado no Senado, além de ser sancionado pelo presidente Lula (PT).>
A proposição irá alterar os artigos 124, 125 e 126 do Código Penal e limitar o excludente de punibilidade para médicos que realizam o procedimento previsto no artigo 128. A mudança de pena só valeria para atos praticados a partir da aprovação, sem efeito retroativo. Especialistas em direito criminal ouvidos pela Folha afirmam que o projeto prevê mudanças inconstitucionais.>
Para a advogada criminalista Roselle Soglio, professora de direito e processo penal, a proposição traz um claro conflito com os artigos 1º e 5º da Constituição Federal. O primeiro trata da dignidade da pessoa humana, e o segundo dos direitos e garantias individuais ambos violados em diversos incisos, afirma.>
"Os princípios de direitos humanos estão sendo todos quebrados e haverá, primeiro, grandes consequências no Brasil, porque, obviamente, se crescerá mais uma vez aquilo que se tenta evitar, que são clínicas clandestinas para fazer o aborto, e, em outra circunstância, um maior número de mortes, porque várias mulheres tentam o próprio aborto", diz ela.>
Soglio declara ainda que o estuprador seria beneficiado caso o projeto seja aprovado.>
"Seria um estatuto do estuprador, que obriga uma mulher a gestar uma criança no seu ventre fruto desse estupro. Um verdadeiro absurdo, um verdadeiro horror. A mulher não é obrigada a gestar. A nossa legislação já é bastante rígida em relação a como e em que circunstâncias isso acontece", afirma.>
Heidi Florêncio Neves, doutora em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo), afirma que as vítimas em caso de estupro são, em sua maioria, menores de idade.>
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que 61,4% das vítimas do crime no país têm de 0 a 13 anos. Entre seus agressores, 86,1% são conhecidos e 64,4%, familiares.>
Por isso, segundo a especialista, o projeto de lei, se aprovado, estaria obrigando crianças e adolescentes a prosseguirem com uma gestação resultante de estupro.>
"Muitas delas acabam sabendo que estão grávidas quando já estão praticamente muito próximas do parto", diz. "Isso, na minha opinião, é muito grave, é ruim. Na minha opinião, sim, é inconstitucional, porque afronta o princípio da dignidade humana.">
A criminalista Maíra Salomi afirma a punição para as meninas que têm entre 12 e 18 anos incompletos seria diferente da prevista para maiores de idade.>
"Elas estão sujeitas ao Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê rito próprio para apuração e punição dos chamados atos infracionais", diz.>
"As adolescentes responderiam a um processo pelas mesmas infrações previstas no Código Penal e poderiam ser condenadas às medidas previstas no Estatuto, quais sejam, advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços, regime de semiliberdade, liberdade assistida ou até mesmo a internação em estabelecimento educacional.">
Em caso de internação, o limite máximo de cumprimento é de 3 anos, com liberação compulsória aos 21 anos de idade.>
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