Publicado em 2 de fevereiro de 2021 às 11:59
- Atualizado Data inválida
O sepultador James Gomes da Silva, 35, perdeu colegas de trabalho e amigos nos últimos meses por causa da pandemia do novo coronavírus. Na família, o irmão foi contaminado. Seu temor é que outros familiares também sejam infectados, principalmente os mais velhos e aqueles com comorbidades. >
Morador de Cidade Tiradentes, zona leste da capital, ele atua no cemitério Vila Formosa, o maior da América Latina. Antes de março do ano passado, fazia, em média, 35 enterros diários, mas com a pandemia, são ao menos de 60. É um sepultamento a cada 24 minutos.>
Para ele, a vacina é uma esperança. Apesar disso, o profissional lamenta a ausência da categoria entre os grupos prioritários na fila da vacina.>
"Como os profissionais de saúde, estamos na linha de frente e temos os riscos", diz. "Fechamos o ciclo da vida e acabamos esquecidos. Espero que olhem para a gente e para a importância do trabalho que a gente faz.">
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Carlos é nome fictício de um sepultador no cemitério São Luís, na zona sul, que não quis se identificar. Ele afirma que o preconceito das pessoas sempre foi percebido, mas aumentou na pandemia. "As pessoas nos tratam mal faz tempo, mas com esse vírus deu uma aumentada porque as pessoas achavam que a gente ia infectar [os demais].">
James Gomes da Silva
SepultadorPara o servidor, estar entre as prioridades na vacinação seria um reconhecimento do trabalho executado por eles desde o início da pandemia. "A gente lida com corpos que até os familiares temem, pois ainda podem transmitir a Covid-19, né?">
Atualmente, a cidade de São Paulo tem cerca de 400 sepultadores, entre funcionários públicos e terceirizados. Nas periferias, onde a Covid-19 foi mais letal, o pedido para entrar no plano de vacinação oficial do Ministério da Saúde é ainda mais premente.>
O Serviço Funerário do Município de São Paulo é responsável pela gestão e administração de 22 cemitérios municipais, um crematório, 12 agências de contratação de serviços funerários e 114 salas de velórios, distribuídos em todas as regiões da capital. Fiscaliza, ainda, 20 cemitérios particulares.>
Há 10 anos, Cláudio de Oliveira dos Santos, 46, atua como motorista no Serviço Funerário do Município de São Paulo. Morador do Jaçanã, zona norte da capital, sua função é transportar pessoas mortas em hospitais, IMLs, casas de repouso ou casas. "Dos 22 cemitérios [municipais], mais o crematório quem transporta o corpo somos nós, do serviço funerário".>
Para manejar os corpos é preciso usar Equipamento de Proteção Individual (EPI) como máscara e luvas. "Sempre tem um kit que o agente já sai com ele para realizar o translado". Nos casos de Covid-19, em que o corpo é entregue ao serviço funerário envolto em um saco preto impermeável, o servidor ainda recebe um manto branco para envolver o cadáver. Não há velório.>
"Temos família. A gente entra em hospital, manuseia o corpo, é uma classe que carece sim de ser vista pelas autoridades públicas como uma classe de fato essencial", diz Cláudio, ao defender a priorização dos colegas de profissão.>
"Embora no papel seja considerada como serviço essencial, as autoridades não enxergam desta forma.">
Ao longo da pandemia, Cláudio perdeu colegas e viu outros se afastarem. Sua esposa também foi contaminada pelo vírus, mas teve um grau leve da doença e logo se recuperou. "Ela ficou um pouco sem paladar. De uma hora pra outra parou de sentir gosto das coisas. Fez o teste e deu positivo", conta.>
Faz coro o secretário de comunicação do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) João Batista Gomes, 55.>
"O efetivo do serviço funerário está sucateado, houve afastamentos do pessoal com mais de 60 anos e comorbidades -o que obrigou inclusive o serviço funerário a contratar trabalhadores terceirizados para dar conta do serviço", diz ele.>
Cláudio de Oliveira dos Santos
Motorista no Serviço FunerárioSegundo Gomes, houve pedido aos responsáveis pela saúde no estado e no município para exigir a imunização para quem trabalha nos cemitérios. Ele critica o que chama de falta de transparência da Prefeitura de São Paulo em relação aos dados da pandemia entre a categoria.>
"Infelizmente, esses dados não são públicos. Sabemos que houve quatro mortes de trabalhadores por Covid, mas é difícil vincular com o trabalho. Isso sem contar os terceirizados, que hoje são a maioria", afirma.>
Questionada, a Prefeitura de São Paulo não respondeu às perguntas da reportagem até sua publicação.>
O enfermeiro infectologista Milton Monteiro Jr. afirma que o plano de vacinação do Ministério da Saúde, ao mencionar exposição constante ao vírus, preveria os sepultadores entre os públicos prioritários na vacinação.>
Mas o infectologista Renato Grinbaum sublinha que a transmissão do vírus é principalmente respiratória, e as normas do Ministério da Saúde exigem o fechamento dos caixões durante o sepultamento ou a cremação. >
"Isso diminui consideravelmente o risco para estes trabalhadores, como se observou na prática", avalia.>
Para Grinbaum, é grande a importância dos funcionários do serviço funerário; há, porém, maior risco para quem atua nos hospitais com pacientes com Covid-19: "Eles [sepultadores] merecem atenção especial, mas os profissionais de saúde são aqueles que devem ser mais protegidos no primeiro momento".>
Valdes Roberto Bollela, professor associado da Divisão de Moléstias Infecciosas e Tropicais da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), considera adequadas as prioridades iniciais dos planos de vacinação, que preconizam profissionais da saúde e pessoas idosas institucionalizadas.>
"Entendo os profissionais dos serviços funerários, e que cemitérios têm exposição menor que a dos profissionais de saúde, mas maior que a da população em geral. Poderiam ser priorizados nas próximas fases da vacinação.">
Para o professor, mais importante agora é garantir a disponibilidade de doses da vacina para toda a população brasileira.>
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