Publicado em 23 de maio de 2022 às 09:20
Depois de oito meses, o Senado se prepara para votar o projeto do novo Código Eleitoral que, entre outros pontos, censura pesquisas eleitorais, fragiliza normas de transparência e fiscalização de políticos e partidos e dá ao Congresso poder de cassar resoluções do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).>
O novo relator da proposta no Senado, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), já sinalizou à presidência da Casa que o texto está praticamente pronto e em condições de ser analisado. Há apenas uma negociação entre o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para decidir se a proposta tramita na comissão ou se vai direto para votação no plenário.>
A expectativa é que o texto seja votado no plenário até o fim de junho. Procurado por meio de sua assessoria, o presidente do Senado não quis se manifestar. O projeto foi aprovado pelos deputados em setembro do ano passado, em uma tramitação acelerada, criticada por não seguir o rito de apreciação de um código.>
Eleito em fevereiro do ano passado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de trabalho para consolidar toda legislação eleitoral e estabelecer o código unificado, sob relatoria da aliada Margarete Coelho (PP-PI). Com a votação a toque de caixa, a intenção inicial dos deputados era que o código já estivesse em vigor para as eleições deste ano. No entanto, os senadores se recusaram a analisar de forma apressada o texto, que tem 898 artigos. Silveira não quis se pronunciar sobre o relatório que irá apresentar.>
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Por causa da demora na apreciação no Senado, dispositivos que tratam de campanha eleitoral não teriam validade imediata, devido à regra da anualidade - para valer, alterações nas regras precisam ser sancionados um ano antes do pleito.>
Uma pessoa próxima a Silveira afirma que o senador mineiro pode deixar explícito no texto a entrada em vigor do projeto de lei, para que fique clara a questão da anualidade. Uma das dúvidas diz respeito às pesquisas eleitorais. De acordo com o projeto, os institutos deverão informar um percentual de acertos das pesquisas realizadas pela entidade ou empresa nas últimas cinco eleições. A divulgação dos resultados só poderá ocorrer até a antevéspera da disputa (sexta-feira).>
Segundo parlamentares, esses pontos não se enquadrariam no princípio da anualidade, por não ser regra eleitoral, e poderiam valer após a sanção do texto.>
A advogada Natália Lima e Souza, que representa a Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), afirma que os pontos referentes às pesquisas eleitorais sempre foram vistos como alterações que devem respeitar o princípio da anualidade. No entanto, a representante da associação manifesta preocupação com a possível votação no Senado neste ano, rompendo com essa lógica.>
"Evidente que, se isso passar no Senado, não haverá chances de derrubar em prazo tão curto. Por isso há uma preocupação. Mesmo que a gente decida judicializar, uma ação discutindo a constitucionalidade não vai tramitar com a rapidez necessária para que haja decisão antes das eleições", afirma.>
Diretores de institutos de pesquisa criticam as mudanças propostas. "A questão da proibição da divulgação da pesquisa na véspera afeta o eleitor, que é quem vai ficar sem acesso à informação. Os partidos e os políticos podem estar fazendo as suas pesquisas, terão um cenário. Os eleitores, não. É uma questão de acesso à informação, um dos pilares da democracia", diz a diretora-executiva do Ipec, Márcia Cavallari.>
"As pesquisas refletem o momento, não são realizadas para acertar o resultado final das eleições. Elas fazem um acompanhamento de todo o período eleitoral e vão mostrando o que vai acontecendo em cada momento", afirma a diretora-geral do Datafolha, Luciana Chong, sobre a exigência de uma "taxa de acerto".>
A diretora do Datafolha pondera ainda sobre a incompatibilidade das duas possíveis novas regras, a exigência do "acerto" de uma pesquisa que estará proibida de captar a movimentação final dos eleitores.>
A relatora do projeto na Câmara defendeu em artigo publicado na Folha de S.Paulo as alterações propostas nas pesquisas. "A véspera da eleição é o momento decisivo para eleitores indecisos, que muitas vezes recorrem a pesquisas eleitorais para analisar tendências e considerar eventual voto útil. Mas, se pesquisas podem ser determinantes para a escolha do eleitor, seus erros podem comprometer o processo eleitoral", escreveu Margarete Coelho.>
O Congresso já tentou por várias vezes limitar a publicação de pesquisas eleitorais. Em 2006 o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional projeto aprovado que proibia a divulgação dos levantamentos nos 15 dias que antecedessem o pleito. Antiga reclamação de parlamentares, as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral também são afetadas pelo projeto.>
Os deputados aprovaram texto segundo o qual, para valer nas eleições, essas resoluções terão que ser emitidas com antecedência mínima de um ano. O Congresso passa também a ter o poder de cassar resoluções do TSE. Os deputados também aprovaram regras mais frouxas de fiscalização, transparência e punição de partidos e candidatos que façam maus uso das verbas públicas. Entre outros vários pontos, o projeto estabelece que a análise da prestação das contas partidárias deverá se restringir ao cumprimento de regras burocráticas, sendo que a devolução de verbas só ocorrerá em caso de gravidade.>
Outro trecho do Código Eleitoral limita a R$ 30 mil as multas a partidos por gastos irregulares. A regra atual diz que, se o partido tem algum gasto apontado como irregular, ele tem de devolver e ser multado em até 20% do valor. Se a unidade técnica da Justiça Eleitoral não apontar erros em 180 dias após o protocolo, as contas serão consideradas aprovadas.>
"Da forma como foi aprovado pela Câmara, o projeto acaba com a transparência das prestações de contas e permite que dinheiro público seja usado pelos partidos para qualquer tipo de despesa, como confraternizações e eventos sociais", diz Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária.>
Além disso, afirma, o texto aprovado pela Câmara representaria um golpe na integridade dos partidos e na consolidação da democracia. "O projeto combinará aumento exorbitante dos recursos públicos destinados ao sistema partidário com um grande enfraquecimento da transparência e da fiscalização sobre o uso desse dinheiro".>
Pesquisas eleitorais>
Como é hoje: Podem ser divulgadas inclusive no dia da eleição.>
Como ficaria: Só podem ser divulgadas até a antevéspera da eleição. Além disso, é preciso publicar um percentual de acertos das pesquisas feitas nas últimas cinco eleições.>
Fundo Partidário>
Como é hoje: Lei estabelece restrição ao uso do cerca de R$ 1 bilhão distribuído anualmente às siglas.>
Como ficaria: Partidos têm ampla autonomia para usar a verba de acordo com suas conveniências, inclusive para pagar multas eleitorais.>
Prestação de contas>
Como é hoje: Justiça analisa a prestação de contas de partidos e candidatos, aplicando punições e determinando devolução de recursos em casos de irregularidades. Prazo para análise das contas partidárias é de até 5 anos.>
Como ficaria: A análise deverá se restringir ao cumprimento de regras burocráticas. Sistema de prestação de contas é desmantelado. O prazo para análise cai de cinco para dois anos, o que eleva a chance de prescrição.>
Resoluções do TSE>
Como é hoje: Tribunal pode editar resoluções sobre as eleições e responder a consultas dos partidos a qualquer tempo.>
Como ficaria: Para valer nas eleições, essas resoluções terão que ser emitidas com antecedência mínima de 1 ano. O Congresso passa também a ter o poder de cassar resoluções do TSE.>
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