Publicado em 23 de agosto de 2021 às 14:29
O TCU (Tribunal de Contas da União) investiga se há irregularidades na contratação feita pelo Ministério da Saúde, sem licitação, de seguro de R$ 24 milhões para cobrir responsabilidades por eventos adversos das vacinas da Janssen e da Pfizer. >
As tratativas do governo foram lideradas pela advogada Danielle Cavalcanti Sayao, que não tem cargo público e fez uma "doação de serviços" sem remuneração ao ministério, e por seu marido, Alvaro Cavalcanti Sayao, também funcionário do setor privado. >
Danielle foi indicada para a função na Saúde por Zoser Hardman de Araújo, assessor especial à época das negociações do então ministro da pasta, general Eduardo Pazuello. O casal é sócio da DMGA Consulting, empresa com sede no Rio de Janeiro. >
Hardman era o principal consultor para assuntos jurídicos do general na Saúde, inclusive nas bilionárias negociações de vacinas. >
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Advogado criminalista, o ex-assessor de Pazuello e seu sócio representaram Danielle em uma ação na Justiça relacionada a plano de saúde. Hardman também atuou na defesa de chefes da milícia em ações judiciais. >
Nas negociações pelo seguro, Danielle e Alvaro usaram o email funcional da própria empresa para representar o governo nas tratativas. >
No site da DMGA, constava até sexta (20) o contato de um "Zoser" para quem quisesse obter mais informações sobre o serviço da empresa. Este email, porém, foi excluído da página após questionamentos da reportagem. >
A CPI da Covid tentou quebrar os sigilos de comunicações e bancários de Hardman, o que foi barrado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), depois de o advogado alegar que não era investigado pela comissão e que não havia fundamentos para decretar a medida. >
Procurados pela reportagem, Danielle e Alvaro não explicaram se o contato indicado no site era do ex-assessor de Pazuello. O próprio Hardman também não explicou se o endereço de email era seu. Os três não disseram se compartilham algum negócio. >
Em 15 de julho, o TCU cobrou justificativas do Ministério da Saúde sobre a seleção dos advogados de fora do governo, apontou inconsistências na busca por propostas, além da falta de argumentos sólidos para estimar os valores mencionados na apólice. >
Documentos obtidos pelo jornal Folha de S.Paulo mostram que a pasta calculou de forma genérica o valor da cobertura a partir de "condenações do Judiciário brasileiro para casos análogos", do "desconhecimento dos resultados" sobre uso destas vacinas e da possibilidade de litígio nos Estados Unidos. >
A proposta ainda foi aceita sem tradução para o português, o que também virou alvo de questionamentos do TCU e de pareceres internos da Saúde. Apenas em agosto, após provocação do tribunal de contas, a gestão de Queiroga pediu a tradução dos papéis e abriu nova pesquisa de preços de seguros. >
O governo anunciou em 26 de março a contratação de seguro privado da empresa Newline Underwriting Management Limited, por meio do Lloyds Broker the Underwriting Exchange Limited, para garantir a aplicação das doses da Pfizer e da Janssen. >
Nessa data, os contratos custavam cerca de R$ 10 milhões, valor do prêmio que foi desembolsado dias mais tarde pelo governo. A seleção da empresa foi feita por Danielle e Alvaro. >
O valor coberto pela apólice, além do pagamento do governo à empresa, aumentou nos meses seguintes, quando mais doses da Pfizer foram contratadas. >
A negociação iniciou na gestão Pazuello, mas foi fechada quando Marcelo Queiroga já era ministro.>
O negócio é assinado pelo ex-diretor Roberto Ferreira Dias, exonerado em 30 de junho, horas após o policial militar Luiz Dominghetti afirmar à Folha de S.Paulo que recebeu dele uma cobrança de propina. >
Sobre a entrada formal de Danielle na negociação, ela ocorreu em 5 de março, segundo mostra documento assinado pelo então secretário-executivo da Saúde, Elcio Franco. >
A advogada preencheu um termo de doação de serviço, afirmando que abriria mão de qualquer remuneração. >
Os documentos obtidos pela reportagem não mostram autorização do governo para Alvaro participar do negócio. Ainda assim, ele envia emails em 15 de março a empresas nacionais em busca de propostas. >
Nas mensagens, o advogado não cita o ministério nem que as vacinas que seriam aplicadas eram da Pfizer e da Janssen. Ele também errou o número de pessoas que o governo esperava imunizar com esses produtos. >
Na véspera do anúncio do contrato, a Dinteg (Diretoria de Integridade) da Saúde avaliou que o documento que baliza a compra já indicava a empresa escolhida, sem que constasse no processo "documentos que demonstrem o procedimento de seleção". >
A Dinteg ainda disse que "devem ser reavaliados" os valores dos prêmios. Técnicos da Saúde chegaram a cobrar de Danielle as correções em pareceres internos. >
Danielle disse que diversas seguradoras haviam sido procuradas, mas somente uma aceitou o pedido, o que justificaria mencionar a empresa no termo de referência. >
O governo decidiu comprar o seguro por causa da exigência da Pfizer e da Janssen de só vender vacinas se a União assumisse os riscos e custos de eventuais efeitos adversos. >
A cobrança das farmacêuticas foi apontada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como razão para rejeitar ofertas dos imunizantes. >
Os documentos obtidos pela Folha de S.Paulo mostram que dias antes de fechar o contrato, a Pfizer ainda cobrava da Saúde informações sobre o seguro. >
Hardman respondeu ao laboratório que uma consultora atuava pelo governo e a compra do seguro avançava, referindo-se a Danielle. >
Procurado, o ex-assessor de Pazuello disse que os questionamentos deveriam ser enviados ao ministério. Ele não respondeu se trabalha para a consultoria que tem Danielle e Alvaro como sócios e o porquê de ambos terem participado do contrato. >
Danielle disse que foi nomeada consultora do ministério "em virtude de possuir 26 anos de experiência no mercado". >
Ela disse que toda a contratação foi decidida pelos gestores do ministério. "Coube a mim fazer a revisão técnica, sugerir mercados e fazer as adequações solicitadas." >
A advogada também não respondeu quem a indicou para o processo e se mantém negócios com Zoser Hardman. Procurados, Alvaro, Pazuello, Elcio Franco e o Ministério da Saúde não se manifestaram. >
A Pfizer disse que não atuou na escolha nem na remuneração da consultora. A Janssen disse que não pode fornecer informações sobre o seguro. >
200 mi de doses contratadas por R$ 12,23 bilhões >
38 mi de doses contratadas por R$ 2,14 bilhões >
5 de março >
Indicada por Zoser Hardman, então assessor de Eduardo Pazuello, a advogada Danielle Cavalcanti passa a representar o Ministério da Saúde nas negociações de seguro das vacinas. A formalização ocorreu em documento assinado pelo secretário-executivo da pasta à época, Elcio Franco >
19 de março >
após desdenhar por meses das ofertas e atrasar mudança na legislação, governo Bolsonaro fecha contrato por doses da Pfizer e da Janssen >
26 de março >
Saúde anuncia contrato de seguro internacional para cobrir eventos adversos dessas vacinas por cerca de R$ 10 milhões. Valor pago pela apólice cresce após ajustes, alcançando pelo menos R$ 24 milhões >
14 de maio >
Governo compra mais 100 milhões de vacinas da Pfizer, totalizando 200 milhões contratadas >
15 de julho >
TCU faz questionamentos sobre contratação de seguro das vacinas. Em apuração preliminar, tribunal quer entender como foi feita a seleção de advogados de fora do governo, e aponta inconsistências na busca das ofertas e estimativas de valores mencionados na apólice >
Mês de agosto >
Gestão de Queiroga passa a revisar o contrato do seguro. Pede tradução da proposta escolhida e propõe consulta de preços para aquisições futuras>
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