Publicado em 16 de dezembro de 2020 às 19:38
O gabinete do general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, ignora há quase seis meses um pedido para que se manifeste sobre o interesse público na importação de seringas descartáveis da China. O Ministério da Economia enviou um ofício ao secretário-executivo da pasta de Pazuello, Élcio Franco, em 23 de junho, e permanecia sem resposta até a noite desta terça-feira (15).>
O país vive um momento de impasse em relação à vacinação contra a Covid-19. Até agora, não se sabe quando o governo Jair Bolsonaro (sem partido) dará início a um plano de imunização. Um dos problemas é o fato de ainda estar em aberto um processo de compra de seringas e agulhas pelo Ministério da Saúde.>
O plano nacional entregue ao STF (Supremo Tribunal Federal) no sábado (12) cita a compra de 300 milhões de seringas e agulhas. O custo é de R$ 62 milhões, mas não especifica quando, como e de quem adquirirá o material.>
A indústria nacional diz ter dificuldades para fabricar o produto em tempo hábil diante da necessidade urgente de vacinação e dos atrasos do governo. Já falta seringa no mercado internacional, com a corrida de diversos países para vacinar sua população.>
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Um processo aberto na Secretaria Especial de Comércio Exterior avalia o interesse público na importação de seringas descartáveis de uso geral, fabricadas na China. São produtos com capacidade de 1 ml, 3 ml, 5 ml, 10 ml ou 20 ml.>
Para a vacinação, segundo a Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos), a seringa mais usada é a de 3 ml, mas a de 5 ml também atende às especificações técnicas.>
O procedimento tramita na Economia desde 19 de junho e avalia, na prática, se deve continuar existindo a aplicação de uma sobretaxa de US$ 4,55 por quilo na importação dos produtos, para que se evite concorrência desleal.>
Em um ofício de 23 de junho, Franco foi informado sobre a existência do processo. A Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público pediu um posicionamento do Ministério da Saúde.>
Um novo ofício foi enviado à pasta de Pazuello no dia 8 de dezembro. O documento registra que a cúpula da pasta ignorou o primeiro pedido para se manifestar sobre o interesse público na importação de seringas chinesas.>
Desta vez, o destinatário foi o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Hélio Angotti Neto.>
A pasta de Paulo Guedes aponta ainda no ofício que a análise sobre o interesse público na importação de seringas visa a investigar um possível risco de desabastecimento do produto no mercado local.>
O documento cita a expectativa para o início de um processo de vacinação da população contra a Covid-19 e pede de novo uma posição do Ministério da Saúde, diante do risco de desabastecimento ou restrições na oferta de seringas no mercado brasileiro. O prazo para uma resposta é 28 de dezembro.>
À reportagem o Ministério da Saúde disse que o processo está em análise e que haverá uma resposta dentro do prazo. "O processo [no Ministério da Economia] dura em média 12 meses", afirmou.>
Segundo a pasta, um edital será publicado nesta quarta-feira (16) para a compra de 330 milhões de unidades de insumos, entre seringas e agulhas. A pasta não diz se serão 330 milhões de itens ou 165 milhões de kits (com seringa e agulha). Outros 40 milhões de seringas e agulhas serão adquiridos por meio da Opas, braço para Américas da Organização Mundial da Saúde.>
"O processo de compra já está em fase final de aquisição." Na resposta à reportagem, o ministério não diz se comprará seringas da China.>
O governo Bolsonaro já entrou em rota de colisão diversas vezes com o país asiático, por razões ideológicas.>
O Ministério da Economia confirmou em nota que ainda não recebeu resposta da Saúde. A reportagem questionou a Economia sobre como uma resposta da Saúde poderia influenciar na decisão sobre cobrar ou não tarifas extras na importação de seringas.>
"Eventual manifestação será considerada, tanto quanto outras manifestações de partes interessadas. Caso não seja recebida manifestação do Ministério da Saúde, a subsecretaria elaborará sua recomendação com base nos elementos de prova disponíveis", afirmou a pasta.>
O processo do Ministério da Economia analisa se existe ou não a prática de dumping, que ocorre quando um produto é exportado a um país com preço menor do que é praticado no mercado interno.>
Para combater a prática, existem as medidas antidumping, arbitradas pelo governo, como a sobretaxa sobre a importação do produto, em um valor igual ou inferior à margem de dumping apurada.>
Essas sobretaxas podem ser suspensas por interesse público. O prazo médio de análise de direitos antidumping é entre 10 e 12 meses, segundo o Ministério da Economia.>
Um parecer inicial apontou a possibilidade de volta do dumping caso a sobretaxa das seringas chinesas fosse eliminada. O período analisado, porém, foi anterior à pandemia do novo coronavírus. "O parecer não representa a posição final a respeito da investigação", afirmou o Ministério da Economia.>
Em março, no começo da pandemia, o Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior suspendeu, por interesse público, as medidas antidumping à importação de seringas descartáveis da China.>
Em junho, o Ministério da Economia consultou o Ministério da Saúde sobre o interesse público existente nessa importação de seringas chinesas. Não houve resposta e, a partir de 1º de outubro, a sobretaxa voltou a ser cobrada.>
Franco, o secretário-executivo que recebeu o ofício, é um coronel da reserva do Exército. O militar é braço-direito de Pazuello, general que continua na ativa, apesar de exercer um cargo com alta voltagem política no primeiro escalão. A permanência de Pazuello na ativa tem o aval do comandante do Exército, general Edson Pujol.>
Ministro e secretário-executivo são alinhados integralmente a Bolsonaro e evitam qualquer decisão técnica que contrarie o presidente.>
O Brasil registrou 915 mortes pela Covid-19 e 44.849 casos da doença, nesta terça-feira (15). Com isso, o país chegou a 182.854 óbitos e a 6.974.258 de pessoas infectadas. De acordo com os dados coletados até as 20h, a média de mortes nos últimos sete dias é de 667. O país vem em uma tendência de alta de mortes, com média móvel acima de 600 óbitos em todos os dias desde o último dia 7.>
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