Publicado em 22 de dezembro de 2019 às 08:31
O sol reluzindo na água azul clara de um canto tranquilo da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, explica o espanto da turista argentina Florencia Pérez, 34, ao saber que aquele trecho é considerado impróprio para banho quase o ano inteiro.>
"Aqui é muito lindo, nunca ia pensar nisso. Nossas praias perto de Buenos Aires parecem muito mais sujas", diz ela logo depois de sair do mar com a filha no colo. Em visita ao Brasil pela primeira vez, ela mal imaginava que quase metade das principais praias turísticas do país estaria suja.>
O dado está em levantamento do jornal Folha de S.Paulo. No cálculo, foram incluídas as 31 cidades do litoral brasileiro classificadas na categoria A pelo Ministério do Turismo as que recebem mais visitantes, geram mais empregos no setor e têm mais leitos de hospedagem.>
Nesses municípios, 42% dos 663 pontos monitorados tiveram a água avaliada como ruim ou péssima entre novembro de 2018 e outubro de 2019. Isso quer dizer que esses trechos de mar estavam impróprios para banho em ao menos uma em cada quatro medições feitas no período.>
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Os dados, que são coletados pelo jornal com os governos locais há quatro anos, indicam uma piora. Em 2018, 40% dessas praias consideradas prioritárias estavam ruins ou péssimas, e em 2016 e 2017, 35%.>
A tendência também é de alta quando se considera todos os mais de mil pontos monitorados no litoral brasileiro: 35% foram classificados como sujos neste ano, sendo que quatro anos atrás eram 29%.>
Nadar em áreas impróprias pode causar problemas de saúde, sobretudo doenças gastrointestinais ou de pele, como micoses. Outros focos de contaminação, que não são considerados nesta análise, podem ser a presença de lixo na areia e o vazamento de óleo que atingiu o litoral nordestino no último semestre.>
"A primeira sensação que a pessoa tem que ter quando vai à praia é segurança. Governos minimamente inteligentes deveriam querer monitorar e investir nisso, um diferencial para atrair turista", diz David Zee, professor de oceanografia da Uerj (estadual do RJ) especializado em gestão costeira.>
Para ele, tem havido avanços, mas são incipientes e oscilantes. O fato de apenas 46% dos brasileiros terem seu esgoto tratado é o que mais preocupa: "Olha o nível de absurdo: jogamos o esgoto no mesmo lugar em que queremos comer o peixe e nos banhar".>
Na última semana, a Câmara aprovou um projeto de lei sobre saneamento que permite a atuação de empresas privadas, com o objetivo de atingir a meta de universalização dos serviços até 2033. Ele precisa passar pelo Senado.>
A balneabilidade das praias, porém, não está no radar do Ministério do Turismo, que tem como principal missão fomentar a atração de visitantes e desenvolver a infraestrutura dos destinos do país.>
Questionada sobre iniciativas, a pasta informou que não tem responsabilidade sobre a questão. Citou que participa do júri do programa internacional Bandeira Azul, que certifica praias que atendem a critérios de qualidade da água, gestão ambiental, educação ambiental e segurança.>
A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.>
Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb (órgão ambiental de SP), que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.>
Foram apurados dados das praias de 14 estados no período de 12 meses. Amapá e Piauí ficaram de fora porque não medem a qualidade da água, e Pará não informou dados.>
A região que mais piorou foi o Sudeste. Principal destino do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro teve apenas 4 dos seus 64 pontos de medição classificados como bons.>
O Ministério Público Federal chegou a denunciar nesta semana a Cedae (estatal de saneamento do RJ) por supostamente ter lançado esgoto sem tratamento na Baía de Guanabara e na zona oeste carioca.>
No litoral paulista, cinco cidades são prioritárias para o Ministério do Turismo: Ilhabela, Ubatuba, Praia Grande, Guarujá e São Sebastião. Dessas, Praia Grande tem o pior cenário: seus 12 pontos de medição são ruins ou péssimos.>
Ilhabela, sem praias boas, também piorou: dos 19 pontos monitorados, 11 estavam ruins ou péssimos, ante 4 de 2018. A região Sul, que tem apenas municípios de Santa Catarina na lista, registrou leve melhora. As badaladas Jurerê e Jurerê Internacional, em Florianópolis, agora estão limpas em quase toda a extensão.>
Já o Nordeste tem a maior faixa de praias turísticas do país, com municípios considerados prioritários espalhados por oito estados. E o pior cenário: 1 a cada 3 pontos monitorados ficou impróprio mais da metade do ano.>
Em Salvador, quem quiser se banhar em Farol da Barra, Rio Vermelho ou Itapuã deve repensar. Dos 37 pontos medidos, 26 são ruins ou péssimos. Com cobertura de 81% de coleta de esgoto, a cidade tem duas praias boas (Aleluia e Ponta de Nossa Senhora).>
Em Ilhéus, quase metade das praias são consideradas péssimas inclusive a Praia do Sul, uma das mais frequentadas por turistas. Em Porto Seguro, todas são regulares.>
A Embasa, estatal de saneamento baiana, alega que o volume de chuvas aumentou no litoral do estado, o que pode ter carregado para o mar a sujeira das ruas e matéria orgânica presente no lixo, restos de plantas e fezes de animais.>
Já Natal e Aracaju se destacam por ter a maioria das praias próprias durante todo o ano. São Luís é a única das 31 cidades turísticas do litoral do Brasil com todas as suas praias "péssimas".>
"Ninguém vai em uma praia que está ou pode estar suja", diz o oceanógrafo David Zee ao destacar a importância de monitorar e agir para manter as praias limpas. "É como lugares em guerra: ninguém vai, por mais bonito que seja.">
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