Publicado em 9 de outubro de 2022 às 12:46
Conteúdo investigado: Publicações com imagens e vídeos do presidente Jair Bolsonaro (PL) em loja maçônica e legendas associando-o, assim como a maçonaria, ao satanismo. >
Onde foi publicado: Twitter.>
Conclusão do Comprova: São enganosas as postagens no Twitter que relacionam Bolsonaro ao satanismo e à maçonaria, e alegam que o presidente teria prometido “entregar o Brasil a satanás” caso seja reeleito.>
Uma das imagens que está circulando no Twitter mostra Jair Bolsonaro em frente a três quadros com símbolos supostamente demoníacos. Na verdade, o conteúdo foi manipulado e as imagens inseridas digitalmente. A foto original foi feita em 31 de março de 2014, quando o presidente esteve em uma loja maçônica em Brasília. No site do empreendimento há outros registros do evento que mostram Bolsonaro usando as mesmas roupas da imagem verificada.>
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Outros tuítes, que alegam que o presidente teria prometido “entregar o Brasil a satanás”, tiveram origem em um vídeo de Bolsonaro discursando em um local com símbolos maçons. O conteúdo circula pelo menos desde 2017, um ano antes de Bolsonaro ser eleito presidente. Em outra versão de sete minutos do vídeo, ele menciona ter 63 anos, o que indica que a filmagem foi feita após o dia 21 de março de 2017, quando o político completou a idade declarada. Em nenhum momento, Bolsonaro promete entregar o Brasil a “satanás” ou a qualquer entidade associada ao satanismo.>
No dia 5 de outubro, em uma transmissão ao vivo, Bolsonaro confirmou que esteve na loja maçônica.>
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.>
Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de outubro, as duas publicações no Twitter relacionando Bolsonaro com a maçonaria e o satanismo tiveram 23,4 mil curtidas e 4 mil compartilhamentos. O vídeo do presidente no templo alcançou 12,4 milhões de visualizações, 19,8 mil curtidas e quase 5 mil compartilhamentos.>
O que diz o autor da publicação: Nenhum dos perfis que compartilharam as publicações no Twitter permite o envio de mensagens. Por isso, o Comprova buscou pelo nome dos usuários em outras redes sociais, mas não encontrou correspondência.>
Como verificamos: Utilizamos mecanismo de busca reversa por imagens do Google, Google Lens, e a ferramenta RevEye Reverse Image Search para rastrear as versões originais da foto e do vídeo verificados, que retratam, respectivamente, Jair Bolsonaro e Augusto Heleno, que atualmente é ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, em uma loja maçônica e Bolsonaro discursando em evento maçônico.>
Encontramos a publicação original da foto, datada de 31 de março de 2014, em site associado à loja maçônica em Brasília, de onde a imagem foi removida. Quanto ao vídeo, que mostra um outro episódio, descobrimos postagens datadas de, pelo menos, agosto de 2017 com uma versão de sete minutos do conteúdo investigado.>
Também conversamos com o professor do curso de Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e PhD em História, Johnni Langer, para entender as origens e os símbolos da maçonaria.>
Por fim, entramos em contato com as assessorias do governo federal e do Grande Oriente do Brasil (GOB), uma das principais representantes da maçonaria no país, assim como com os autores das publicações, mas não houve retorno de nenhuma parte.>
Enquanto avançávamos na apuração, na quarta-feira (5), o próprio presidente Jair Bolsonaro comentou o episódio do discurso em evento maçônico, captado no vídeo investigado, e confirmou a veracidade, em transmissão ao vivo em suas redes sociais.>
Jair Bolsonaro (PL) não posou em frente a um quadro representando um demônio e outros símbolos supostamente satânicos quando esteve em uma loja maçônica acompanhado de Augusto Heleno e do hoje senador Izalci Lucas (PSDB-DF). A foto original foi cortada e teve a qualidade diminuída, possivelmente para dificultar o rastreamento de sua origem. Além disso, três símbolos, dentre eles a imagem de um bode, figura associada ao satanismo, foram inseridos digitalmente na parede ao fundo:>
A foto original foi registrada quando Bolsonaro esteve na Loja Brasília N. 1882, em 31 de março de 2014, à época deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ele estava em seu sexto mandato na Câmara e integrava o PP. Na ocasião, o então-general Augusto Heleno proferiu uma palestra sobre o golpe civil-militar de 1964, que instituiu uma ditadura de 21 anos no país. Na página da loja na internet, há outras fotos do evento nas quais Bolsonaro e o então-deputado Izalci Lucas aparecem, portando as mesmas roupas da imagem no conteúdo verificado: >
No site da loja maçônica, não consta o arquivo original da foto viralizada, mas essa aparece em diversas postagens de sites e blogs desde 2016, a maioria relacionada às teorias da conspiração sobre a nova ordem mundial. >
A palestra chegou a ser divulgada pelo jornal O Globo, na época, mas sem citar Bolsonaro nem Izalci.>
Um dos conteúdos que circulam nas redes sociais afirma que Bolsonaro prometeu, em uma loja maçônica, “entregar o Brasil a satanás caso seja eleito”. A imagem traz, ainda, prints ou trechos de um vídeo do presidente discursando em uma loja maçônica, que tem circulado desde o início da semana.>
A versão que viralizou nesta semana, aqui investigada, dura apenas cerca de um a dois minutos. Ela mostra Bolsonaro criticando a “questão ideológica”, possivelmente referindo-se à esquerda, afirmando tratar-se de um risco “tão ou mais grave que a corrupção”.>
Ele ainda declara que “não [está] como candidato a nada”, mas que, dois anos e meio antes, decidiu andar pelo país para descobrir “como resolver [os problemas da nação] sem dinheiro”. Por fim, diz ter ouvido de pessoas do campo e empresários ser necessário “um presidente que não os atrapalhe”.>
A gravação não é recente e circula em redes sociais pelo menos desde agosto de 2017 – antes das eleições que o levaram à Presidência da República. Encontramos uma versão de sete minutos do vídeo, que compreende até o final do discurso de Bolsonaro.>
Durante o vídeo, Bolsonaro menciona que tem 63 anos. Portanto, isso indica que a filmagem foi feita após o dia 21 de março de 2017, quando o político completou a idade declarada. Cabe destacar que ele encerra a sua apresentação recitando o lema de sua campanha presidencial de 2018: “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos”.>
Em nenhum momento, ele promete entregar o Brasil ao “satanás” ou a qualquer entidade associada ao satanismo. Pelo contrário, em menos de 30 segundos de vídeo, ele faz referência ao Deus cristão.>
Em uma transmissão ao vivo na noite de quarta-feira (5), Bolsonaro confirmou o episódio. “Está aí na mídia agora. Pessoal me criticando, porque fui em loja maçom em 2017. Fui sim, fui em loja maçom”, disse. “Eu era candidato a presidente, pouca gente sabia, e um colega falou: ‘Vamos lá’. E eu fui. Acho que foi aqui em Brasília. Fui muito bem recebido. Me trataram bem”, acrescentou. Não conseguimos confirmar, até a publicação desta checagem, se a loja maçônica no vídeo realmente fica em Brasília.>
Uma das três principais entidades representantes da maçonaria no Brasil, como noticiou a Folha de S. Paulo, a Confederação Maçônica do Brasil (Comab) repudiou as publicações associando Bolsonaro e o movimento ao satanismo. Em nota datada de quarta-feira (5), a Comab descreveu a peça de desinformação como “produção covarde, imbecil e oportunista de informações falsas, inverídicas e revestidas de maldades para enganar nosso querido povo brasileiro”.>
Conforme o Grande Oriente do Brasil (GOB), outra das três mais influentes instituições maçônicas no país, a maçonaria é uma instituição essencialmente filosófica, filantrópica, educativa e progressista. Apesar de não ser uma religião, a maçonaria “reconhece a existência de um único princípio criador, regulador, absoluto, supremo e infinito ao qual se dá o nome de Grande Arquiteto do Universo”.>
Ao Comprova, o professor do curso de Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Johnni Langer explicou que a maçonaria foi originada no final da Idade Média a partir de grupos de mestres pedreiros (“mason”, em inglês, significa pedreiro) que utilizavam símbolos em suas construções e eram influenciados pelo esoterismo (conjunto de tradições e interpretações ligado à filosofia e às religiões que busca o conhecimento do sobrenatural) e pela tradição judaica.>
Segundo Langer, o bafomé (ou baphomet), figura semelhante a um bode, que aparece na imagem manipulada de Bolsonaro, é um símbolo demoníaco relacionado de forma pejorativa aos templários e aos maçons. “Ele é, na verdade, um símbolo criado durante o século XIX como uma forma de sintetizar conhecimentos secretos na forma de Lúcifer, o portador da luz. Entre os esoteristas da época, [o bafomé] não tem relação direta com o satã cristão, apesar de sua semelhança. Mas é comum as pessoas interpretarem o baphomet como sendo satã.”>
De acordo com reportagem da Folha, entre maçons ilustres estão presidentes americanos (ao menos 15 deles, como George Washington), pensadores (Voltaire), músicos (Beethoven), imperadores (dom Pedro 1º) e militares (Duque de Caxias). O ex-presidente Michel Temer, o ex-governador paulista Márcio França e o ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas, morto em 2021, também são. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, é maçom há mais de duas décadas.>
Além deles, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta também faria parte da maçonaria, segundo o UOL. Kassio Nunes Marques, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) apontado por Bolsonaro em 2020, declarou ser mestre da maçonaria em 2010, um grau considerado elevado na organização.>
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e as eleições presidenciais que viralizam nas redes sociais. Publicações falsas ou enganosas envolvendo candidatos à Presidência, como a peça aqui verificada, podem induzir a interpretações equivocadas da realidade e influenciar eleitores no momento da votação. Os cidadãos têm direito de basear suas escolhas em informações verdadeiras e confiáveis.>
Outras checagens sobre o tema: Recentemente, as agências AFP, Aos Fatos e Reuters, e o site Boatos.org, mostraram que o quadro de Baphomet em foto do presidente é montagem. A Lupa também desmentiu suposto tuíte em que Bolsonaro teria dito que a maçonaria é “maior que cristianismo”.>
Em verificações anteriores envolvendo candidatos à presidência e assuntos religiosos, o Comprova mostrou duas vezes, em setembro e outubro deste ano, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não disse que vai fechar igrejas caso seja eleito. >
Em outro conteúdo, foi esclarecido quem é Padre Kelmon, candidato à presidência pelo PTB que ganhou destaque, principalmente, a partir de sua participação em debates na televisão.>
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