Publicado em 3 de julho de 2021 às 16:39
O Ministério da Saúde enviou à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) um ofício em que pede que a agência avalie incluir vacinas contra Covid no rol dos planos de saúde, lista que contém os itens de cobertura obrigatória a usuários desses serviços. >
A reportagem da Folha de S. Paulo teve acesso ao documento com a proposta, assinado pelo secretário de ciência e tecnologia da pasta, Helio Angotti, e enviado em 30 de junho. >
A medida ocorre após a Conitec, comissão que avalia incorporação de medicamentos e tecnologias no SUS, decidir por incorporar as vacinas da Fiocruz/AstraZeneca e Pfizer na lista da rede pública. >
A decisão por centralizar a análise nas duas vacinas ocorreu por serem as primeiras com registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que indica aval mais longo para sua utilização. >
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"Um dos critérios para inclusão de qualquer tipo de produto na saúde suplementar é a aprovação na Conitec. Por isso vamos encaminhar os relatórios à ANS para que analisem", disse à Folha o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. >
Segundo ele, o parecer caberá à diretoria da agência. "Mas entendo que é vantajoso." >
Recentemente, o ministro já vinha mencionando a possibilidade de sugerir a inclusão da vacina contra Covid no rol dos planos de saúde, mas a proposta ainda não tinha sido concretizada. >
Na prática, segundo o ministro, a medida abre dois caminhos. O primeiro seria uma obrigação das operadoras ressarcirem ao SUS por doses aplicadas em seus usuários assim que a medida passar a valer. >
Outro caminho seria a própria oferta pelos planos. Atualmente, o setor soma 48 milhões de usuários. >
"Nesse momento os planos conseguem adquirir? Não. Mas os beneficiários que estão recebendo doses os planos vão ressarcir. Em um momento diferente, onde se tenha a vacina para a iniciativa privada adquirir, podem tomar a decisão deles", disse. >
Atualmente, o rol de procedimentos de cobertura obrigatória nos planos não inclui oferta de nenhuma vacina - estratégia que é concentrada no país em geral no Programa Nacional de Imunizações, reconhecido internacionalmente, e em algumas clínicas privadas. >
Questionado pela reportagem sobre o que levou a enviar a proposta, Queiroga diz que a ideia é abrir o debate sobre o tema após análise da Conitec apontar que as vacinas são "custo-efetivas". >
O comitê apontou que as vacinas podem trazer uma economia de até R$ 150 bilhões na prevenção da doença. O cálculo considera um período de cinco anos. >
"Qualquer tecnologia que é aprovada pela Conitec é automaticamente considerada pela saúde suplementar. E as vacinas hoje têm um papel importante, porque a Covid leva a colapso do sistema de saúde de forma geral, não só no sistema público", afirma. >
Representantes de operadoras de planos de saúde questionados pela reportagem, no entanto, dizem que a possibilidade de inclusão os imunizantes no rol deve aumentar custos a usuários e pode desorganizar a vacinação, uma vez que a inclusão no rol traria uma obrigação de oferta, por exemplo. >
Marcus Pestana, assessor especial da presidência da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), diz ver na proposta ameaça à equidade social e problemas "econômicos" e "operacionais". >
"Se é uma coisa que atinge universalmente a todos, não seria justo introduzir no rol, porque induziria a um privilégio. A fila de vacinação tem critérios epidemiológicos, e não de renda", aponta. >
"O vírus não distingue quem tem contrato de saúde suplementar e quem se cuida no SUS. Vamos discriminar os mais pobres ofertando [vacina] nos planos?" >
Ele afirma que a lógica da incorporação de uma vacina seria diferente da adotada para outros tratamentos e procedimentos no rol, em que margens diferentes de uso diminuem impacto nos custos. >
"Já a vacina, como todo mundo vai usar, seria o mesmo que dividir o custo entre todos. No fim, é como se a pessoa estivesse pagando do seu bolso." >
Outro problema, alega, é a baixa disponibilidade de doses para compra, argumento citado também pela FenaSaúde, que representa os 15 maiores grupos de planos de saúde. >
Em nota, o grupo diz que a medida desvirtua a lógica do Programa Nacional de Imunizações e pode ser "ineficaz", uma vez que "não irá aumentar a disponibilidade de vacinas". >
"As maiores e melhores fabricantes já manifestaram que não venderão vacina contra a Covid para o sistema privado nesta fase da pandemia", diz a federação, segundo quem "qualquer incorporação ao rol de cobertura significa aumento de despesas assistenciais e reajuste das mensalidades." >
"Os beneficiários de planos de saúde devem ter ciência de que ou pagarão a vacina na forma de tributos, como é hoje no SUS, ou pagarão na forma de tributos e também de mensalidades mais caras." >
Antes de ser sugerida pela Saúde, no entanto, proposta de avaliar a inclusão da vacina no rol já havia sido aventada por outros setores, chegando a constar de um ofício apresentado pelo MPF (Ministério Público Federal) à ANS em dezembro de 2020 e levado para reunião com a agência em fevereiro. >
Na época, a câmara do consumidor e ordem econômica do órgão defendeu que a hipótese é "tema que deve ser enfrentado tecnicamente, com ampla discussão setorial e na sociedade, de modo a examinar viabilidade e compatibilidade entre um eventual esforço privado e o Programa Nacional de Imunização." >
Questionado, o MPF diz manter a posição. >
Para Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, uma possível inclusão no rol seria "temerária" e "inadequada" e colocaria o país na contramão mundial. >
"A imensa maioria dos países mantém programas governamentais, únicos e públicos de vacinação contra a Covid-19. Mesmo em sistemas de saúde onde predominam planos, como nos Estados Unidos, a vacinação é pública e a participação do setor privado se limita à logística." >
Outro fator, aponta, seria o risco de gerar "uma fila dupla" e "tumultuar ainda mais a vacinação" -em um contexto em que o plano de vacinação já vive um cenário de atrasos, com apenas 17% dos adultos vacinados com duas doses. >
"Não faltam recursos públicos para vacinas, faltam doses e coordenação", afirma. >
Em nota, a ANS confirma ter recebido o ofício do ministério e diz que "dará atenção à questão", "verificando junto à coordenação do Plano Nacional de Imunizações a conduta mais adequada frente ao quadro de novas infecções." >
A agência, porém, diz que é preciso "cautela e responsabilidade" sobre o tema, "dado o atual momento de escassez de vacinas". >
"Tendo em vista que, até o momento, não há vacinas de cobertura obrigatória no rol, o processo de incorporação exigiria ampla participação [em debate] e simulação dos impactos possíveis na saúde pública", aponta. >
"Cabe lembrar que os imunizantes funcionam, de fato, quando considerados como medida coletiva, e não fragmentada em grupos específicos (nesse caso, os beneficiários de planos de saúde)." >
Essa, porém, não é a primeira vez que a gestão atual do Ministério da Saúde apresenta propostas sobre a saúde suplementar. Desde que assumiu o cargo, Queiroga tem defendido que haja discussão sobre a situação do setor. Entre os argumentos, aponta alta "concentração empresarial" e assimetria entre operadoras, além de reajuste alto a usuários. >
Em maio, uma proposta de diretrizes para planos de saúde no combate à Covid chegou a ser colocada em consulta pública, mas gerou críticas de especialistas devido à falta de sugestões específicas sobre a doença. A previsão é que a medida volte a ser analisada em reunião do Conselho Nacional de Saúde Suplementar na próxima semana.>
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