Publicado em 19 de outubro de 2022 às 10:51
Fundadora da Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal), a advogada Margarete Brito foi nesta segunda (17) às redes sociais da entidade a fim de tranquilizar famílias e pacientes que se tratam com canabidiol (CBD). O motivo da preocupação é a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que tornou ainda mais restritiva a indicação da Cannabis medicinal em relação à norma anterior, de 2014.>
"Estou aqui para dizer que isso não vai afetar a distribuição dos óleos da Apepi nem os agendamentos com nossos médicos parceiros", disse Brito.>
Publicada na última sexta (14), a resolução 2.324/22 restringe a prescrição do canabidiol a tratamentos de epilepsias bem específicas de crianças e adolescentes "refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa".>
Porém há, atualmente, indicações de CBD e outros derivados da Cannabis para mais de 20 condições médicas, entre as quais dor crônica, fibromialgia, Parkinson, Alzheimer e depressão. A prescrição ocorre no modo "off-label" o médico avalia o risco-benefício e assume a responsabilidade pela indicação.>
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Criada em 2016, a Apepi tem 4.500 associados, dos quais 80% não são contemplados pela nova resolução do CFM, segundo a fundadora. Localizada no Rio de Janeiro, a associação ganhou neste ano na Justiça o direito de plantar, manipular e fornecer extrato de Cannabis a associados. Até então, atuavam em "desobediência civil", como Brito costuma dizer.>
"Tudo vai continuar como sempre foi. Os médicos que prescrevem o canabidiol disseram que vão continuar prescrevendo, a Apepi vai continuar fornecendo os óleos. Trabalhamos com médicos muito corajosos, que nunca se curvaram aos absurdos do conselho e que disseram que vão continuar batendo o pé", disse a advogada à reportagem.>
Fundadora da Cultive - Associação de Cannabis e Saúde, Cidinha Carvalho afirma que o trabalho vai continuar. A entidade atende 200 pacientes em São Paulo e também tem autorização judicial para plantar maconha e produzir óleo.>
"Essa é uma resolução inconstitucional, que fere o direito fundamental à saúde", disse ela, referindo-se ao artigo 196 da Constituição. "Não vamos mudar nada, até porque o CFM sempre restringiu [o acesso ao canabidiol], sempre ignorou a ciência.">
Embora só autorizasse o uso da Cannabis medicinal para tratamento de epilepsia, a resolução anterior do CFM não era categórica em proibir a prescrição para outros casos. A nova norma diz que a indicação só pode ocorrer em estudos clínicos autorizados pelo sistema formado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e Conselhos de Ética em Pesquisa (CEP/Conep). Além disso, o texto de 2014 autorizava apenas médicos psiquiatras, neurologistas e neurocirurgiões a prescrever CBD, algo que foi derrubado pela nova resolução.>
Advogado da Rede Reforma, que reúne juristas pela revisão da política de drogas no Brasil, Emilio Figueiredo afirma que a nova resolução do CFM viola a autonomia profissional.>
"O médico tem a liberdade de, junto ao seu paciente, decidir o melhor tratamento. Essa resolução viola isso. Se o Conselho Federal de Medicina ou os conselhos regionais forem para cima dos médicos com base nessa nova resolução, terá de haver uma ponderação sobre o que é mais importante, a autonomia do médico ou o controle das práticas médicas pelo CFM. Aí é difícil prever quem vai ganhar, mas a autonomia profissional do médico é um conceito reconhecido há muitos anos", disse ele.>
Citando dados da Kaya Mind, empresa brasileira que faz análises do mercado de Cannabis, Figueiredo afirma que hoje há pelo menos 110 mil pacientes brasileiros usando Cannabis com prescrição médica. E diz que diversos coletivos e entidades avaliam entrar com uma ação contra a resolução do CFM.>
"Não vamos fazer nada de maneira açodada, porque o objetivo é sair vitorioso. Ninguém está sendo formalmente acusado por conta dessa resolução, então a gente não precisa correr com uma judicialização. Mas já começamos a nos preparar.">
De acordo com o advogado, os processos do CFM contra médicos que têm alguma relação com maconha medicinal raramente envolvem prescrição. "O que a gente vê mais é processo por causa de faltas éticas, como fazer publicidade de prescrição de Cannabis.">
A respeito da nova resolução, o CFM declarou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os casos de não cumprimento são avaliados de forma individual e que entre as penalidades estão advertência e cassação do registro profissional.>
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que autoriza a importação e já liberou 18 medicamentos à base de Cannabis em farmácias e drogarias brasileiras, disse que nada muda. "A Anvisa manterá a atual regulamentação para fins de autorização dos produtos da Cannabis para fins medicinais, independente da Resolução do CFM", diz nota da agência enviada à reportagem.>
Na avaliação da neurologista Natasha Consul Sgarioni, ao restringir o uso do canabidiol a crianças e adolescentes, a resolução do CFM deixa pacientes sem opção. "Como ficam esses pacientes quando se tornarem adultos? Suspendem a medicação?", questionou ela.>
Sgarioni disse que continuará prescrevendo a substância. "Tenho muitos pacientes com dores crônicas, com epilepsia, em tratamento oncológico, com Parkinson, Alzheimer, que necessitam do composto. Não tenho como deixar essas pessoas desassistidas.">
Assim como ela, a neurocirurgiã Patrícia Montagner considerou a resolução um retrocesso ao ignorar avanços científicos e ferir a autonomia médica na forma de tratar e julgar as opções mais convenientes para cada caso. Ela afirmou que também pretende manter as prescrições, mesmo sabendo que pode sofrer retaliação. "Não temo por fazer o que está ao meu alcance para ajudar o paciente portador de doença grave, incapacitante e refratária, dentro de todos os preceitos éticos da profissão.">
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