Publicado em 4 de maio de 2022 às 10:40
As compras milionárias de kits de robótica de uma empresa cujo dono tem ligação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), entraram na mira de várias investigações pelo país. As aquisições foram feitas com recursos do MEC (Ministério da Educação), que priorizou e acelerou os repasses.>
O caso tem sido apurado por tribunais de contas e Secretaria da Fazenda de Alagoas, e até uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) deve ser instalada em uma das cidades com contrato de robótica. Já o governo Jair Bolsonaro (PL) tem se esforçado para minimizar o caso.>
Como a Folha de S.Paulo revelou em abril, sete cidades alagoanas receberam neste ano R$ 26 milhões de dinheiro do MEC para robótica, apesar de sofrerem com deficiências básicas de infraestrutura, como falta de salas de aula, internet, computadores e até água encanada.>
Ao somar os valores federais recebidos por outros dois municípios pernambucanos, também com contratos junto à empresa Megalic, o valor chega a R$ 31 milhões. Isso representa 79% do que foi gasto no 1º trimestre na rubrica específica para compra de equipamentos e mobiliário, na qual se inclui o gasto com kits de robótica.>
>
O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que sejam suspensos repasses de dinheiro federal para compra de kits. A ação ocorreu após representação do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) com base nas publicações da Folha. O tribunal, que identificou R$ 146 milhões de empenhos do FNDE para robôs (incluídos valores já transferidos), exigiu também a interrupção de novos termos de compromisso com prefeituras.>
A Megalic, que não fabrica os robôs e só os revende, tem fornecido os equipamentos para prefeituras por R$ 14 mil. O valor é 420% superior ao pago por parte deles, como a Folha também revelou. Materiais de apoio e cursos de capacitação são incluídos nos contratos, o que faz inchar os preços dos contratos.>
A Secretaria da Fazenda de Alagoas abriu uma ação fiscal no mês passado para apurar supostas irregularidades da Megalic. A pasta verifica possível sonegação fiscal e recolhimento menor de tributos. Os auditores responsáveis têm até 60 dias para analisar movimentações fiscais, segundo a secretaria. "Verificado o ilícito tributário, lavrará competente auto de infração e, se houver quaisquer indícios de crimes, fará representação fiscal para fins penais", diz em nota.>
A empresa Megalic, que já teve ganhos no ano de mais de R$ 50 milhões, funciona em uma casa em Maceió. Um dos sócios é Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda. A relação entre a família Catunda e Lira é pública. O vereador, a empresa e Lira negam irregularidades.>
Em Pernambuco, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) tem um procedimento de investigação sobre municípios com contratos com a empresa. O trabalho recai, por enquanto, sobre sete cidades: Bom Jardim, Orobó, João Alfredo, Vitória de Santo Antão, Cortês, Serra Talhada e Carnaubeira da Penha.>
Os contratos dessas cidades com a Megalic somam cerca de R$ 16,5 milhões. Informações sobre o procedimento indicam a constatação por parte do tribunal de processos licitatórios praticamente idênticos, que resultaram na contratação da Megalic, como a Folha também mostrou. "[As contratações ocorreram] após incorrerem em claros indícios de favorecimento da empresa vencedora e superfaturamento, bem como em diversas irregularidades, a exemplo da precariedade da pesquisa de preço realizada, ausência de planejamento da contratação e de estudos técnicos", diz o TCE-PE.>
O órgão publicou, nesta segunda-feira (2), recomendação a todos os municípios pernambucanos para, enquanto houver investigação, suspender pagamentos à empresa fiscalizada. Também indicou que se interrompa adesões a atas de preços, avalie-se indícios de favorecimento em eventuais editais em fase inicial e se realize ampla pesquisa de preços.>
Após investigações preliminares do tribunal, os municípios de Serra Talhada e Carnaubeiras da Penha teriam cancelado a contratação, segundo o tribunal. Esta última cidade, no entanto, recebeu do FNDE em 8 de março R$ 985 mil para essas compras.>
A Prefeitura de Vitória de Santo Antão afirmou, em nota, que a compra foi revogada. O município de Cortês disse, também em nota, que a licitação foi realizada pela gestão anterior, mas não explicou se houve análise de irregularidades. Outras prefeituras não responderam.>
Vários casos de compras dos kits ocorreram por adesão a atas de registro de preços de outras prefeituras. O município de Dourados (MS) firmou contrato de R$ 8,7 milhões com a Megalic ao entrar de carona em ata do município alagoano de Delmiro Gouveia. Vereadores da Câmara de Dourados já conseguiram o mínimo de assinaturas para criar uma CPI para investigar o caso.>
"Estamos com muitos desafios na educação para serem resolvidos antes de partir para uma compra de R$ 8 milhões em kits de robótica, direcionado a escolas que nem sequer têm laboratórios de informática, computadores", disse o vereador Fábio Luis (Republicanos), que assina o pedido de investigação.>
O presidente da Câmara Municipal, Laudir Munaretto (MDB), ainda não instalou a comissão. Parlamentares reclamam de pressão da prefeitura e demora na efetivação. Em nota, a Câmara afirmou que "está adotando os procedimentos necessários para que a CPI seja instaurada". A prefeitura é gerida por Alan Guedes, que é do PP, mesmo partido de Lira. O empenho para aquisição dos kits, que não envolveu recurso do FNDE, ocorreu 13 dias após encontro de Alan Guedes com Arthur Lira, conforme publicado pelo jornal Correio do Estado.>
Em nota, a Prefeitura de Dourados afirmou que "o Poder Executivo respeita todas as requisições feitas e esclarece que já prestou todas as informações solicitadas".>
O município argumentou à reportagem no mês passado que planejou a aquisição de robótica para alcançar a exigência constitucional de alocar 25% das receitas em educação e viu na adesão da ata de Delmiro Gouveia uma oportunidade de agilidade.>
O vereador Fábio Luis ressalta que a cidade de Costa Rica, também no Mato Grosso do Sul, fez uma compra de kits por R$ 6,6 mil a unidade, o que foi confirmado pela reportagem. O fornecedor de Costa Rica foi a Pete, empresa do interior paulista que vende os equipamentos para a Megalic repassar a municípios.>
O MEC e o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) têm sido questionados pela reportagem desde o início de abril, mas se recusam a responder. A pasta até agora não anunciou qualquer medida sobre o caso.>
O presidente Bolsonaro afirma que a responsabilidade para o Congresso. "Não tenho nada a ver com isso", disse em sua live no dia 7 de abril. "Kit robótica, então, são RP9, não tem o que discutir", disse ele, em referência à sigla que descreve essas emendas, sem mencionar que é o FNDE quem faz as liberações.>
O FNDE é ligado ao MEC e faz a gestão dos recursos de transferências para prefeituras. O órgão é controlado pelo centrão, bloco liderado por Lira, pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e que dá sustentação ao governo Bolsonaro.>
Parlamentares tentaram instalar uma CPI no Congresso Nacional para apurar o balcão de negócios que virou o MEC, com a atuação de pastores na liberação de recursos. A criação da comissão não vingou e o Senado ouviu envolvidos na Comissão de Educação da Casa.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta