Publicado em 17 de outubro de 2020 às 15:47
A queimada no Pantanal é a mesma, o objetivo de evitar novas devastações parecido, mas as comissões no Congresso que monitoram os incêndios no bioma parecem tratar de realidades distintas. >
De um lado, desempenhando o papel do "policial bonzinho", está a comissão temporária externa do Senado criada para acompanhar as ações de enfrentamento aos incêndios no Pantanal. Formada basicamente por ruralistas, o objetivo parece ser menos identificar os culpados pelas queimadas no bioma e mais isentar o agronegócio de responsabilidade pelo fogo.>
Foi nessa comissão que os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura) defenderam a polêmica ideia do "boi bombeiro" - em resumo, quanto mais gado em um local, maior o consumo de capim e menor a quantidade de massa orgânica para propagar o fogo.>
Em setembro, houve aumento de 180% no número de queimadas na região do Pantanal, em comparação com o mesmo período do ano passado. É o mês com o maior número de ocorrências da história: 8.106.>
>
A área atingida no ano chega a quase 40 mil km², o que corresponde a 26,5% de todo o bioma.>
Durante a hora e meia em que esteve na reunião do colegiado do Senado na última terça-feira (13), Salles ouviu que deveria premiar fazendeiros que "procuram não fazer o desmatamento criminoso" -senador Nelsinho Trad (PSD-MS), relator da comissão- e que o Ibama "multa muito" -senadora Simone Tebet (MDB-MS).>
"Ele multa muitas vezes o agronegócio, aquele que produz, aquele que põe comida barata na mesa do brasileiro, e muitas vezes deixa passar a manada de elefante", disse a senadora, citando como exemplo o crime organizado, madeireiros ilegais, grileiros e mineradores que invadem áreas indígenas.>
"Eu não quero mais viver num tempo como vivi há 30 anos, em que nós do agronegócio éramos vistos como vilões, porque não somos.">
Também recebeu apoio do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), suplente do colegiado, que afirmou que, "em nenhum momento, nem o ministro Ricardo Salles, muito menos o presidente Bolsonaro, tomou uma iniciativa de incentivar qualquer tipo de crime ambiental".>
O acorde dissonante veio do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que acusou Salles de operar "um verdadeiro desmonte na área ambiental".>
O relator da comissão, senador Nelsinho Trad, busca desvincular os trabalhos das questões ideológicas e da influência da bancada ruralista nos trabalhos. "A comissão, com os oitos senadores que fazem parte, tem um viés muito técnico, ela está deixando de lado essa questão da politização porque a situação lá [no Pantanal] é muito grave", disse à Folha.>
"Não quero misturar aí essa questão ruralista com meio ambiente. O Pantanal é de todos, é de quem lá produz, de quem lá preserva, é uma dádiva da natureza que Deus colocou lá no nosso estado [Mato Grosso do Sul] e que a gente tem de saber aproveitar", afirmou.>
Na Casa vizinha, a comissão externa sobre queimadas em biomas brasileiros tem uma visão bem distinta sobre as responsabilidades pelas queimadas.>
A composição do colegiado ajuda a explicar a diferença de opinião: saem de cena ruralistas, entra a oposição. Dos 22 membros, só dois formalmente não são de partidos contrários ao governo de Jair Bolsonaro: Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) e Dr. Leonardo (Solidariedade-MT).>
Os demais pertencem a PV, PSOL, PDT, PSB e PT -incluindo a presidente do colegiado, professora Rosa Neide (PT-MT). Segundo ela, o vice-presidente, Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia, foi convidado a participar de reunião do grupo e estaria tentando conciliar sua agenda.>
Salles também foi convidado a prestar esclarecimentos. "Se até a próxima semana ele [ministro] não responder, vamos pedir a convocação. Já há assinaturas para convocá-lo a se explicar no plenário da Câmara", afirmou Rosa Neide.>
"O ministro teme cobranças de responsabilidade. Nossa comissão vai cobrar. Ele deverá vir e será cobrado por isso. Ele tem responsabilidade pública e alguém tem de responder pelos incêndios que estão ocorrendo no Pantanal", disse.>
Ao contrário do convite, que pode ser ignorado, faltar sem justificativa a uma convocação da Câmara ou do Senado é crime de responsabilidade de ministros.>
Procurado, por meio da assessoria de imprensa do ministério, Salles afirmou que "com certeza" pretende participar de audiência na Câmara, sem fornecer mais detalhes.>
Na ausência de Salles, outros técnicos e dirigentes do ministério acabam escalados para dar explicações, como o secretário-executivo Eduardo Lunardelli Novaes, que se tornou alvo dos parlamentares da oposição.>
"Eduardo Lunardelli Novaes é de uma tradicional família de zebuzeiros, é um produtor rural no MMA. O delegado da Polícia Federal falou a esta comissão que os incêndios são de natureza criminosa, de fazendeiros que, eventualmente, desmataram parte de suas reservas, e o senhor fala aqui apenas de aspectos climáticos [como causadores das queimadas]?", questionou Paulo Teixeira (PT-SP).>
Na comissão da Câmara, como deveria se esperar, também não faltam falas acusatórias ou irônicas em referência à fala de Salles, de que iria "passar a boiada" nas normas ambientais.>
O líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), defende uma atuação mais incisiva do colegiado. "Nós temos procurado fazer uma comissão que cumpra seu dever de fiscalização e controle, e isso impede que ela seja uma comissão chapa-branca", afirmou.>
"É uma comissão que tem de ser firme, rigorosa. Não dá para fazer uma comissão e ficar passando pano para incompetências do governo. Não é uma comissão para ficar batendo palma para o governo com o Pantanal ardendo em chamas.">
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta