Publicado em 13 de junho de 2020 às 09:33
O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), delimitou, em decisão judicial, a interpretação da Constituição e da lei que disciplina as Forças Armadas para esclarecer que elas não permitem a intervenção do Exército sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo nem dão aos militares a atribuição de poder moderador.>
Em resposta a uma ação apresentada pelo PDT contra "eventual intervenção militar", o magistrado deu uma decisão liminar (provisória) para estabelecer que a prerrogativa do presidente da República de autorizar emprego das Forças Armadas não pode ser exercida contra os outros dois Poderes.>
"A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao presidente da República", afirmou o ministro, que assumirá em setembro deste ano a presidência do STF.>
A decisão representa mais uma reação do STF a movimentos ligados ao presidente Jair Bolsonaro que pedem o fechamento da corte e do Congresso. Apoiadores do chefe do Executivo alegam que o artigo 142 da Constituição prevê a possibilidade de intervenção militar.>
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O procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a afirmar em uma entrevista que as Forças Armadas poderiam agir se "um poder invade a competência de outro". Depois, porém, soltou uma nota para afirmar ter sido mal interpretado.>
O PDT, então, resolveu acionar o STF contra o dispositivo constitucional. Na ação, também contesta trecho da lei 97/1997, que disciplina as Forças Armadas e repete o trecho da Constituição.>
Ambos os textos preveem que as Forças Armadas estão sob "autoridade suprema do presidente da República e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".>
No despacho, Fux aponta qual é a interpretação correta para a Constituição e submete a decisão ao plenário da corte.>
"O emprego das Forças Armadas para a 'garantia da lei e da ordem', embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais Poderes, na forma da Constituição e da lei", diz.>
Sob desgaste em meio à pandemia do coronavírus, Bolsonaro atacou dois ministros do Supremo - Alexandre de Moraes e Celso de Mello - por medidas que considerou afrontar a independência entre os Poderes.>
Entre as queixas do presidente estiveram a decisão de Moraes de barrar a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo do clã Bolsonaro, para comandar a Polícia Federal e a ordem de Celso de Mello para divulgar a gravação de reunião ministerial de abril após acusações do ex-ministro Sergio Moro.>
Decano do STF, Celso de Mello disse que a ameaça de Bolsonaro de descumprir decisões judiciais configuraria "gravíssima transgressão", podendo representar crime de responsabilidade.>
A decisão tomada por Fux nesta sexta está alinhada com o atual presidente da corte, ministro Dias Toffoli, que criticou o argumento de bolsonaristas sobre o artigo 142 da Constituição.>
"Não há lugar para quarto poder, para artigo 142 da Constituição. Forças Armadas sabem muito bem que o artigo 142 não lhes dá [classificação] de poder moderador. Tenho certeza de que as Forças Armadas são instituições de Estado, que servem o povo brasileiro, não são instituições de governo", afirmou Toffoli no último dia 9.>
Para conceder uma decisão liminar antes de o processo ser analisado pelo plenário da corte, a lei define que precisam estar presentes duas hipóteses:o fumus boni juris, a chamada ?fumaça do bom direito?, que indica se a ação alegada é plausível; e o periculum in mora, ou seja, o perigo de dar uma decisão tardia sobre o caso.>
Após a decisão, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma nota em que diz que Fux, com a liminar, "bem reconhece o papel e a história das forças armadas sempre ao lado da democracia e da liberdade".>
A nota é coassinada pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Nela, o presidente "lembra à nação brasileira que as forças armadas estão sob a autoridade suprema do presidente da República, de acordo com o artigo 142 da Constituição Federal.>
"As mesmas destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem", acrescenta.>
"As forças armadas do Brasil não cumprem ordens absurdas, como por exemplo a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos", afirma.>
Na decisão desta sexta, Fux alega que a pressa é necessária porque as "circunstâncias sociopolíticas subjacentes, sobretudo em tempos de crise revelam o perigo da demora veiculado".>
Fux também afirma que as Forças Armadas são compostas por órgãos de Estado, e não de governo, e estão "indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político".>
No começo de maio, ao participar de manifestação a favor do governo em frente ao Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que os militares estão com o povo.>
"Tenho certeza de uma coisa, nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade", disse.>
Segundo Fux, a interpretação do dispositivo constitucional que dispõe sobre as Forças Armadas ?imprescinde de uma leitura sistemática da Constituição?.>
Fux cita parecer da Câmara dos Deputados, que disse que a autoridade do Presidente da República ?é suprema em relação a todas as demais autoridades militares mas, naturalmente, não o é em relação à ordem constitucional?.>
A liderança do chefe do Executivo sobre o Exército, ressalta o ministro, está relacionada apenas às balizas de hierarquia e de disciplina que envolvem a conduta militar>
"Por óbvio, não se sobrepõe à separação e à harmonia entre os Poderes, cujo funcionamento livre e independente fundamenta a democracia constitucional, no âmbito da qual nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição", disse.>
Fux argumenta que a decisão ?tem caráter meramente explicativo? e não reduz os poderes do presidente da República.>
A independência entre os Poderes prevista na Constituição deve ser preservada pelos mecanismos institucionais de freios e contrapesos, e a expressão "garantia dos poderes constitucionais" do artigo 142 não comporta interpretação que admita o emprego das Forças Armadas para a defesa de um Poder contra o outro, resume Fux.>
"Inexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização", diz.>
Caso a interpretação que bolsonaristas fazem das leis estivesse correto, Fux afirma que o Executivo seria um ?superpoder? e imunizaria o presidente de responder por crimes de responsabilidade.>
- "Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.">
- Além disso, lei complementar de 1999 prevê, de modo compatível com o papel estabelecido na Constituição, a participação de militares em operações de paz, reforço à polícia de fronteira, cooperação com a Defesa Civil, entre outras ações.>
Notas recentes do Ministério da Defesa:>
- 20.abr>
"As Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal. O momento que se apresenta exige entendimento e esforço de todos os brasileiros. Nenhum país estava preparado para uma pandemia como a que estamos vivendo. Essa realidade requer adaptação das capacidades das Forças Armadas para combater um inimigo comum a todos: o coronavírus e suas consequências sociais. É isso o que estamos fazendo.">
- 4.mai>
"As Forças Armadas cumprem a sua missão constitucional. Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do país. A liberdade de expressão é requisito fundamental de um país democrático. No entanto, qualquer agressão a profissionais de imprensa é inaceitável. O Brasil precisa avançar. Enfrentamos uma pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis, que requer esforço e entendimento de todos. As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso."?>
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