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Família de jovem preso por quase 3 anos levanta evidências de inocência

Família de jovem preso por quase 3 anos levanta evidências de inocência

Revisão do caso por ONG mostra que reconhecimento da vítima tem peso maior que provas técnicas

Publicado em 6 de agosto de 2019 às 09:59

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(Pixabay)

Às 5h40 do dia 2 de outubro de 2016, uma tentativa de roubo terminou em tiroteio entre um grupo e um policial militar em Guarulhos, na Grande São Paulo

O veículo usado na fuga do criminoso havia sido roubado das mãos de seu proprietário poucas horas antes e foi alvejado por cinco tiros disparados feitos pelo PM.

Quatro minutos depois, às 5h44, Igor Barcelos, 22, dava entrada num hospital do Jardim Corisco, na zona norte de São Paulo, com um tiro na perna. 

Embora estivesse há 12 quilômetros do local do crime --uma distância impossível de ser percorrida apenas em quatro minutos-- Igor foi preso, acusado de roubar aquele carro e trocar tiros com aquele PM em Guarulhos. 

Ele tinha 19 anos e estava concluindo o ensino médio. Foi condenado a 15 anos e seis meses de reclusão em regime fechado.

Depois quase três anos atrás das grades, a Justiça determinou, na semana passada, que Igor fosse solto. Ele vai responder ao processo em liberdade enquanto novas provas são produzidas para confirmar as informações apresentadas por sua nova defesa.

O caso de Igor foi selecionado pelo Innocence Project Brasil, franquia brasileira da organização norte-americana que prova a inocência de pessoas presas por crimes que não cometeram.

Criado em 1992 por uma dupla de criminalistas de Nova York,, o Innocence Project (IP) dos EUA já libertou mais de 2.800 pessoas inocentes presas injustamente. 

No Brasil, Igor é o terceiro condenado a deixar a prisão com base em novas e amplas evidências de sua inocência levantadas pelas equipes do IP Brasil. Nos outros dois casos, a revisão criminal já foi concluída. 

BUSCA POR ERROS

Na busca por novas provas, o IP evidencia erros pontuais ou sistêmicos dos processos de justiça criminal e suas causas.

"Nos EUA, 86% dos casos de condenação por roubo a mão armada que foram revertidas pelo IP tiveram um reconhecimento equivocado na base do erro judicial", afirma a advogada Dora Cavalcanti, co-diretora do IP Brasil. Segundo ela, este foi caso de Igor.

Isso porque, ainda durante seu atendimento médico naquela madrugada, Igor foi fotografado por um policial. A imagem foi apresentada, na tela do celular, para as vítimas, ainda sob o impacto dos crimes ocorridos poucas horas antes.

O dono do carro roubado disse reconhecer o rapaz. Já o policial militar disse não poder reconhecê-lo.

"Nosso processo é oral. Quando há um reconhecimento positivo, a pessoa é condenada com base na palavra, e não nas provas técnicas. Nestes casos, obter uma absolvição se torna uma missão quase impossível", pontua Cavalcanti. 

"A vítima, em razão do trauma e da pressão, fica com um registro tênue de memória, que pode ser induzido a erro", diz. "Esse reconhecimento equivocado, no entanto, não é intencional. Hoje, a neurociência tem demonstrado que, nessas condições, criamos até mesmo falsas memórias."

EVIDÊNCIAS

O reconhecimento de Igor, mesmo que apenas por uma das vítimas, levou a sua condenação e se sobrepôs a uma série de evidências e laudos técnicos, que não foram devidamente analisados.

Primeiro, a questão do tempo: era impossível que Igor tivesse chegado de Guarulhos ao hospital da zona norte de São Paulo em quatro minutos. 

Segundo, havia um criminoso confesso. Rodrigo Generoso, que deu entrada no Hospital Municipal de Guarulhos, próximo ao local do crime, pouco depois das ocorrências, com cinco tiros no corpo, foi reconhecido pelas duas vítimas e confessou a autoria dos dois crimes.

Terceiro, os laudos de balística apontavam que o policial havia efetuado cinco disparos com sua arma. E Rodrigo tinha cinco tiros no corpo. Não havia um sexto ou um sétimo disparo capazes de atingir outro participante nos crimes. Assim como não havia sangue de Igor no carro roubado.

A quarta evidência é um vídeo do local onde Igor havia sido baleado naquela madrugada, próximo ao hospital em que deu entrada. 

Ele voltava de uma festa com o irmão e um amigo quando, num posto de gasolina, foi alvejado pelos ocupantes de um carro que teria fechado com sua moto. 

As imagens mostram uma sequência de eventos idêntica àquela relatada por Igor aos policiais que o interrogaram. 

Elas foram obtidas pela família do rapaz, que resolveu fazer uma investigação por conta própria ao descobrir que a ocorrência no posto de gasolina sequer havia sido registrada na delegacia de polícia responsável pela região.

"No mesmo dia, fomos ao local onde ele foi baleado e fotografamos tudo: manchas de sangue no chão, um pé do tênis dele que ainda estava na calçada... E conseguimos as imagens de uma câmera de segurança da empresa em frente ao posto", conta Elizabeth Barcelos, 38, mãe de Igor.

Foi só depois de esgotar os recursos possíveis da condenação do filho que ela conheceu o IP Brasil. Igor já tinha perdido as esperanças. Mas a mãe fez contato com a organização, que deu início ao processo para o pedido de revisão criminal que ainda será julgado.

No dia em que foi anunciado que seu filho seria solto para responder à revisão em liberdade, ela desmaiou no saguão do Tribunal de Justiça de São Paulo. "Desde que o Igor foi preso, meu pai teve dois AVCs e minha mãe, um infarto. Foi muito sofrimento para todos da família", lembra ela, com a voz embargada. 

"No último domingo (28) mesmo eu fui até o presídio e, na saída, sentei e chorei. Não aguentava mais ver meu filho naquele lugar", diz, e chora novamente.

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Igor foi recebido em casa por familiares e amigos em festa depois de 1.031 dias preso. 

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