Publicado em 3 de julho de 2024 às 17:00
Um grande momento de indefinição — no Brasil e no resto do mundo.>
É assim que economistas e analistas de mercado estão vendo a economia, o que explica as grandes oscilações no mercado brasileiro vistas nos últimos dias.>
Nos últimos dias, indicadores de mercado mostraram um aumento do pessimismo:>
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Na terça-feira (2), o presidente disse que o real estaria sendo alvo de um ataque "especulativo" e que estava analisando o que o governo poderia fazer a respeito.>
A fala de Lula foi interpretada por parte do mercado como um sinal que medidas seriam tomadas para controlar o câmbio, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), negou que essa possibilidade estava em estudo.>
Nesta quarta-feira (3), Lula se reuniu com Haddad e outros integrantes da equipe econômica para discutir os problemas financeiros. >
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Mas o que explica esse cenário?>
Pelo menos três problemas atraem a atenção de investidores — que no fim das contas são quem define preços e juros, pois são eles quem negociam os valores nos mercados: as falas do presidente sobre o Banco Central, as incertezas sobre os rumos da economia global (sobretudo nos Estados Unidos) e os problemas fiscais brasileiros.>
O que agrava o momento econômico e deixa os mercados "hiper-sensíveis com o noticiário" — nas palavras do economista-chefe da XP, Caio Megale — é que, com os dados disponíveis no momento, é muito difícil prever o que vai acontecer nos próximos meses, porque não há uma tendência clara à vista.>
É possível vislumbrar cenários radicalmente opostos — e ambos são considerados igualmente prováveis. >
Pode haver um alívio nas tensões internas e domésticas que levem o real próximo ao patamar de R$ 5,10. Ou pode haver agravamento em ambos os cenários que levem o real a se desvalorizar ainda mais.>
O economista André Perfeito, no entanto, apontou que, na opinião dele, há um ataque especulativo contra o real em andamento.>
"É óbvio que a situação do Brasil está melhor que anos atrás, temos empresas públicas dando lucro, estabilidade de preços e apesar das rusgas o Banco Central tem independência (tanto é que parou de cortar os juros ao arrepio do que o Planalto desejaria)", disse em mensagem a clientes.>
"Como diria um banqueiro: enfiamos o nariz num copo d'água e estamos achando que estamos nos afogando no meio do Pacífico", acrescentou.>
Entenda a seguir os motivos que explicam a forte desvalorização do real.>
No último mês, Lula fez críticas fortes ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto:>
Desde a primeira fala de Lula, no dia 18, o dólar já subiu mais de 4% — passando de R$ 5,44 para mais de R$ 5,64.>
Qual é a relação entre as falas de Lula e tensões no mercado financeiro?>
O problema central envolve a definição da taxa de juros da economia brasileira — a Selic.>
Esse juro — atualmente em 10,5% ao ano — define quanto custa para pessoas e empresas tomarem empréstimos para consumir ou investir nos seus negócios.>
O juro básico tem enorme repercussão na economia, porque acaba influenciando em todos os preços e nas expectativas futuras de inflação.>
Quem define a taxa de juro básica da economia é o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central.>
E existe uma diferença de opiniões entre Lula e o Copom. Lula quer que o juro seja mais baixo — o que permitiria crescimento maior da economia, potencialmente gerando mais empregos e renda.>
O Copom vinha cortando a taxa de juros quase que mensalmente, como quer Lula, alegando que a economia estava dando sinais de melhora.>
Mas em junho, o Copom manteve a taxa inalterada, em 10,5%, interrompendo uma trajetória de queda que já durava um ano.>
O Comitê acredita que é preciso manter a taxa neste nível para evitar a alta da inflação. O efeito colateral disso seria queda no rendimento real das pessoas e aumento da desigualdade.>
A ata da reunião de junho disse que o Copom "unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros" e citou cenário global externo e elevação nas projeções de inflação no Brasil.>
Essa diferença de opiniões sobre os juros é marcada por duas questões políticas.>
A primeira delas é a autonomia do Banco Central. O presidente da República não tem poderes para demitir o presidente do Banco Central. Roberto Campos Neto foi indicado pelo antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, e seu mandato acaba apenas no final deste ano.>
A autonomia do Banco Central foi aprovada em 2021 e estabelece mandatos fixos de quatro anos para o presidente da instituição que não coincidentes com o do Presidente da República. >
O objetivo é justamente impedir que haja alguma interferência do governo que está no poder na definição dos juros.>
O PT sempre foi contra a autonomia do Banco Central.>
O segundo problema é que Lula acusa Roberto Campos Neto de atuação política.>
Campos Neto participou de encontros públicos com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é cotado para liderar a oposição e o bolsonarismo nas eleições de 2026. >
Campos Neto foi homenageado pela Assembleia Legislativa de São Paulo ao lado de Tarcísio e foi recebido em um jantar pelo governador.>
O PT entrou com uma ação popular contra Campos Neto, dizendo que ele tem atuação político-partidária à frente do Banco Central — uma crítica feita pelo próprio Lula.>
Qual o impacto dessas falas de Lula no mercado?>
Para Caio Megale, da XP, o problema para o mercado financeiro é a falta de clareza sobre o que Lula quer dizer com suas críticas recentes.>
"As declarações do presidente são contra o presidente do Banco Central? Ou são contra a maneira como o Banco Central está conduzindo a política econômica.">
Não existe muita dúvida no mercado que Roberto Campos Neto continuará tendo poder dentro do Copom até o final do ano, já que ele está amparado pela lei.>
Mas, no final do ano, Lula terá direito de indicar o seu próprio presidente — e é isso que muitos analistas tentam entender a partir das falas recentes de Lula. >
Haveria uma mudança radical na política econômica implementada pelo novo presidente da instituição?>
O economista Victor Gomes, professor da Universidade de Brasília (UnB), diz que o presidente do Banco Central tem um perfil mais político do que necessariamente técnico — e isso contribuiria para a cotação do dólar ser mais volátil diante de um embate com o presidente, porque Campos Neto seria mais suscetível a tomar decisões ideológicas sobre o câmbio.>
Gomes acredita que um exemplo de decisão menos técnica e mais política de Campos Neto aconteceu em 2020, quando o Banco Central baixou os juros para 2%.>
"Nós temos um presidente de Banco Central que é mais ativista. Ele não poderia ter feito isso [baixar os juros para 2%]. Havia muita volatilidade e os modelos não estavam funcionando para prever [o juro ideal]. Ele fala que isso foi uma decisão técnica, mas não foi. Foi um erro técnico.">
O mercado entende que não haverá mudanças radicais caso Lula venha a indicar o atual diretor de política monetária do BC, Gabriel Galípolo, para o Copom. >
Galípolo assumiu o cargo poucos meses após ter assumido como secretário executivo do Ministério da Fazenda do terceiro mandato do governo Lula, por indicação de Haddad.>
Analistas acreditam que continuará havendo um certo grau de autonomia para a instituição.>
Mas, recentemente, Lula disse que seria necessário ter um presidente mais experiente e calejado — sinalizando que pode escolher outro nome que não Galípolo, que é jovem.>
Isso levou muitos a especularem que Lula poderia escolher nomes como Guido Mantega, Aloísio Mercadante ou André Lara Resende — economistas que tenderiam a seguir políticas mais alinhadas com o que quer Lula.>
"Se a visão do Lula é ter um Banco Central que atenda a demandas políticas e reduza taxa de juros, então daí as expectativas de inflação vão subir, a credibilidade da política econômica e da moeda cai e o real se desvaloriza", diz Caio Megale.>
Outra pergunta que é feita nos mercados é: os juros deveriam parar de cair no Brasil? Por que eles não seguem na sua trajetória de queda?>
Afinal de contas, alguns bancos estão revisando para cima as projeções de crescimento do Produto Interno Bruno (PIB) para este ano (para cerca de 2,5%) e o desemprego também está em queda. Em maio, a taxa caiu para 7,1% — a menor para o mês em dez anos.>
Com a economia se mostrando levemente mais forte, seria de se esperar que os juros brasileiros também caíssem.>
Mas o Copom afirma em sua ata que existe um risco de a inflação voltar a subir no Brasil. >
A ata fala em "aumento das projeções de inflação de médio prazo" e da necessidade de uma política "mais contracionista e mais cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária".>
Economistas dizem que há mais dúvidas sobre a capacidade do governo brasileiro de produzir superávits fiscais — ou seja, de gastar menos do que arrecada e manter um equilíbrio fiscal.>
Para Victor Gomes, da UnB, um dos problemas são as desonerações — uma política de 2012 em que alguns setores produtivos eram beneficiados com renúncias fiscais. >
O governo tentou acabar com as desonerações neste ano — o que provocaria um aumento da arrecadação —, mas foi derrotado no Congresso. A questão está sendo discutida na Justiça.>
"Conseguir reduzir o tamanho das desonerações não me parece que seja algo muito factível hoje, apesar de que o governo deveria investir nisso", diz Gomes.>
Para Caio Megale, da XP, outro problema fiscal que surgiu com força neste último mês foram os gastos previdenciários.>
"Na política fiscal, de abril para cá, principalmente em maio, as despesas deram uma acelerada, com concessão de alguns benefícios previdenciários. A pergunta é: o que o governo vai fazer a respeito disso?", diz Megale.>
"Em maio, o gasto da Previdência surpreendeu em R$ 5 bilhões. E isso é uma despesa recorrente e obrigatória. Se esse valor for permanente, nós precisamos então colocar R$ 5 bilhões a mais por mês para sempre nas contas?">
Novamente existe aqui uma falta de clareza no mercado sobre como o governo pretende lidar com problemas fiscais.>
No mês passado, dois ministros de Lula sinalizaram ações do governo para conter despesas. >
Haddad falou que haveria uma revisão "ampla, geral e irrestrita" dos gastos públicos. A ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), falou que cortar gastos era um "dever de casa" do governo.>
Mas, na semana seguinte, Lula sinalizou em entrevista que talvez não concorde com essa avaliação.>
"O problema não é que tem que cortar. O problema é saber se precisa efetivamente cortar ou aumentar a arrecadação. Precisamos fazer esta discussão", disse Lula.>
Outro problema doméstico que aumenta a perspectiva de inflação é a própria alta do dólar registrada nesses meses. >
Com o real desvalorizado, sobem os preços dos produtos importados — aumentando a inflação interna.>
A desvalorização da moeda nacional frente ao dólar não é um problema brasileiro.>
A valorização do dólar é uma tendência mundial este ano. Tudo passa pela inflação americana, que não dá sinais de que está se desacelerando.>
O ano de 2024 começou com a expectativa de que a inflação nos EUA e na Europa caísse — dando fim ao maior ciclo de alta de inflação e juros em quatro décadas. Seria o fim da crise econômica provocada pela pandemia, e o começo de uma retomada mundial.>
Mas isso não se confirmou. A inflação nos Estados Unidos seguiu em alta — e, no mês, passado o Federal Reserve (o Banco Central americano) já sinalizava que cortaria os juros básicos da sua economia apenas uma vez neste ano.>
Com isso, houve uma reversão de expectativas — e de investimentos nos mercados internacionais. Os papéis do título do governo americano passaram a pagar retornos maiores.>
Para investidores, é muito atraente ter um retorno de mais de 4% ao ano em dólares (veja o gráfico), em vez de investirem em ativos de riscos ou títulos de países emergentes, como o Brasil.>
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Por isso, existe um grande fluxo de dinheiro internacional para os Estados Unidos, o que provoca a desvalorização das demais moedas do mundo frente à americana.>
Victor Gomes, da UnB, lembra que antes da pandemia o dólar tinha uma cotação mais próxima dos R$ 3. Desde que os americanos passaram a subir seus juros, a cotação está mais próxima ou acima dos R$ 5 e nunca mais voltou.>
O Brasil não é o único país que sofre com esse movimento — mas combinado com os problemas domésticos o real tem sido uma das moedas que mais se desvalorizou esse ano.>
Apesar dos problemas cambiais, existe uma notícia boa para o Brasil que vem do exterior: as commodities estão em alta nos mercados internacionais, o que beneficia empresas de minérios e petróleo, que têm grande peso na bolsa brasileira.>
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