Publicado em 25 de junho de 2019 às 16:13
Lindalva manda um áudio para as outras famílias de mortos e desaparecidos: Eu perdi meu filho. Ele se chamava Luiz Paulo. O corpo foi encontrado no dia 27 de fevereiro. Eu tenho mais dois filhos. A gente tem que tentar ir levando a vida. Pedindo a Deus força.>
Maria, cujo irmão também morreu, lamenta em outra gravação: A gente está tanto exigindo e até hoje não deu em nada. É como diz um rapaz lá no Facebook, esses deputados, esses governadores, são igual lenda, de quatro em quatro anos aparecem. E agora onde eles estão?>
Cinco meses após o rompimento da Mina do Feijão, em Brumadinho (MG), completados nesta terça (25), os parentes dos 246 mortos e 24 desaparecidos trocam entre si, em redes sociais e aplicativos de celular, mensagens de dor e saudade e manifestam dúvidas sobre seu futuro.>
Passada a primeira onda de choque, surgiram os sinais de desesperança e angústia.>
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Agora que está caindo a ficha. A mente das pessoas... Está todo mundo zoado [confuso]. Quem já era propício para o álcool está buscando o socorro na bebida. Estamos preocupados com notícias de pessoas que estão falando em suicídio, disse Luciano Lopes, vice-presidente da associação dos moradores do Córrego do Feijão.>
Ele afirma que obras como reformas de prédios públicos e um novo campo de futebol, que poderiam mudar a cara do Córrego e injetar ânimo na comunidade de 580 moradores, não saíram do papel.>
Nas conversas, os familiares chamam seus entes queridos de joias. Joias que se perderam, joias que precisam ser encontradas, orações para as joias. Em datas festivas, como o Dia das Mães, a pressão beira o insuportável. As famílias compartilham emojis de choro e corações partidos.>
Qualquer notícia que vem desse massacre é tristeza. Muitos corações partidos. Tá chegando o Dia das Mães, para nós sem nada para comemorar. Para os filhos também, que ficaram sem suas mães. Deus, tem misericórdia de nós, escreveu uma mulher.>
Nós nos tornamos uma família, uma família de dor, como a gente fala, disse Josiane Melo, que perdeu uma irmã e integra um grupo dedicado a cobrar autoridades a respeito das 24 pessoas que ainda estão desaparecidas.>
Josiane já achou o corpo da irmã, mas continua atrás dos outros. De acordo com ela, há cerca de 200 fragmentos humanos à espera de análise laboratorial no IML (Instituto Médico Legal) de Belo Horizonte.>
Vanderlei Caetano, que perdeu o irmão Luiz e o primo Francis Erick, ambos mecânicos com 31 anos e amigos inseparáveis (os dois fizeram os respectivos casamentos no mesmo dia, em dezembro), disse que as famílias se sentem abandonadas e que as promessas de atendimento médico e psicológico estão aquém do necessário.>
Ele é filho de Lindalva, 60, que, afirma, chora todos os dias a perda de Luiz. Vanderlei diminui a saudade do irmão ao ouvir de quando em quando as mensagens que ele deixou em áudios de aplicativo.>
Pelo que tenho visto, a angústia só aumentou. Ouvi em um grupo uma moça falando em suicídio. Nós ficamos muito revoltados, não podemos ficar abandonados, como estão fazendo com a gente.>
O engenheiro Vagner Diniz perdeu dois enteados, a nora e o neto ainda no ventre da mãe. Ele disse que as famílias dos mortos e desaparecidos se organizam em grupos, discutem estratégias e fazem um ato público todo dia 25 de cada mês para que o crime de Brumadinho não caia no esquecimento.>
A primeira angústia que abate todo mundo é o fato de ainda ter desaparecidos. A gente acha que há demora na identificação por DNA por fragmentos que estão no IML. E a situação emocional dos familiares é muito ruim. As pessoas estão sem rumo, sem saber o que vão fazer no futuro, afirma. Um corte desses na sua vida é um buraco que você não vê como preencher. Não tem nada que substitua.>
A família do engenheiro moveu contra a Vale uma ação reparatória de danos morais, ainda em fase de instrução.>
Além da reparação econômica, quer que a mineradora instale em todos os escritórios da empresa uma fotografia dos quatro mortos de 1,5 m x 80 cm com um pedido de desculpas.>
Além disso, exige que o presidente da assembleia de acionistas da Vale abra as reuniões nos próximos 20 anos com os dizeres: A vida vale mais do que o lucro. Camila, Fernanda, Lorenzo e Luiz, desculpem-nos por tirar-lhes as suas vidas. Peço um minuto de silêncio em respeito aos mortos de Brumadinho, convidando todos a ficarem em pé.>
A exigência de que os acionistas fiquem em pé é a resposta da família ao fato de o então presidente da Vale, Fábio Schvartsman, ter ficado sentado durante um minuto de silêncio pelas vítimas em audiência pública na Câmara dos Deputados, em fevereiro.>
Pesa também a alteração brutal do ambiente, que agora projeta uma sombra sobre os moradores do Córrego.>
Onde você olhava uma paisagem bonita da Mata Atlântica, hoje só vê lama. Parece que o luto não vai acabar nunca, diz Luciano Lopes. Já se passaram tantas noites mas para nós só passou uma noite.>
OUTRO LADO>
Em nota encaminhada à reportagem, a Vale afirmou que está focada em executar obras de reparação de toda a área atingida em Brumadinho e que os projetos encontram-se em fase de execução, de elaboração e de negociação com órgãos competentes e a comunidade local.>
A Vale vem mantendo diálogo permanente com a sociedade e reforça o seu compromisso em atender às demandas apresentadas de forma célere, sempre em acordo com as partes interessadas, e de informar à comunidade quando as obras estiverem definidas e prontas para serem entregues, afirma a empresa.>
De acordo coma a empresa, o atendimento psicológico aos moradores de Brumadinho e Córrego do Feijão está sendo realizado pela Secretaria Municipal de Saúde com o apoio da Vale.>
Para tanto, foi assinado em fevereiro um termo de cooperação com aporte de R$ 2,6 milhões para contratações a empresa cita 142 novos servidores públicos e equipamentos, além de transporte para as equipes e imóveis para o atendimento. A capacitação é feita pela prefeitura.>
Quanto às indenizações, a Vale diz que 92,5 mil moradores receberam valores emergenciais e que foram assinados 192 acordos preliminares trabalhistas com representantes de empregados mortos e desaparecidos, além de 49 acordos por danos materiais e morais. Indagada sobre os valores envolvidos, a empresa não os revelou.>
Procurado por meio da assessoria da Polícia Civil de Minas Gerais, o Instituto Médico Legal de Belo Horizonte (MG) não se manifestou até a conclusão desta reportagem.>
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