Publicado em 12 de outubro de 2022 às 09:21
Conteúdo investigado: Vídeo que circula nas mídias sociais diz que um gráfico elaborado no Excel prova a existência de um algoritmo que fraudou as urnas, favorecendo Lula em detrimento de Bolsonaro no 1º turno das eleições. >
Onde foi publicado: O conteúdo circulou no Whatsapp e informações extraídas dele foram compartilhadas por usuários do Twitter, Instagram e TikTok.>
Conclusão do Comprova: É falso que os percentuais de votos dos candidatos Jair Messias Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) variaram de forma programada à medida em que os resultados das urnas foram sendo totalizados no primeiro turno.>
Em nota enviada para a equipe do Comprova, a área técnica do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável pelo sistema de totalização, explicou que todos os Boletins de Urna (BUs) – documento que traz o resultado impresso da votação de cada seção eleitoral – foram processados à medida em que os dados chegaram à sede do tribunal, em Brasília. Os BUs foram colocados em fila e sua computação ocorreu conforme a ordem de chegada.>
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“Não há, portanto, nenhum algoritmo programado para ditar a percentagem atingida por cada candidatura ao longo do processo de soma dos votos”, destaca a nota. Especialistas ouvidos pelo Comprova também refutaram a possibilidade de fraude.>
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.>
Alcance da publicação: Uma das plataformas em que o vídeo circulou foi o Whatsapp, que não permite dimensionar o alcance do conteúdo. Já um dos tuítes que compartilhou informações falsas contidas no vídeo checado foi publicado no dia 3 de outubro e, até o dia 11, obteve 1.137 curtidas, 27 comentários e 378 retuítes. De acordo com o portal UOL, um post publicado no perfil da ex-secretária de Cultura Regina Duarte com os mesmo argumentos do vídeo checado teve 923 mil visualizações em menos de 24 horas.>
O que diz o autor da publicação: A pessoa que apresenta o vídeo se autodenomina Flávio Peres. Ela não foi encontrada pela equipe do Comprova para prestar informações sobre o conteúdo.>
Como verificamos: Uma busca na internet pelo termo “Flavio Peres” retornou o perfil do vice-prefeito do município de Garça (SP), que ainda não respondeu o contato do Comprova, e de um coach, que alegou não ser o autor do vídeo: “Não tenho nada a ver com esse vídeo. Por infeliz coincidência essa pessoa tem o mesmo nome que eu”.>
Uma usuária do Twitter, que compartilhou o vídeo, escreveu que Flávio Peres seria um major, membro da área técnica do setor de inteligência do Exército. A equipe do Comprova tentou falar com ela, mas o perfil não permite o envio de mensagens privadas. Mandamos e-mail para o Exército para checar se o autor do vídeo faz parte do quadro da instituição, mas, até o momento, não tivemos resposta.>
Outro perfil do Twitter que compartilhou a publicação disse não ter o contato de Flávio Peres e explicou que recebeu o vídeo por um grupo do Whatsapp.>
Cabe destacar que o conteúdo do vídeo circulou em outros formatos. Capturas de tela de uma conversa em um aplicativo de mensagens, sobre a suposta fraude na apuração das eleições, apresentam os mesmo argumentos do autor do vídeo, mas a análise dos dados é atribuída a uma outra pessoa chamada Hebérbio.>
A equipe do Comprova procurou matérias jornalísticas de cobertura das eleições e vídeos que transmitiram o resultado do pleito em tempo real para comparar com os números apresentados no vídeo alvo da checagem.>
Nessa busca, usamos como fonte uma matéria publicada no G1, no dia 2 de outubro de 2022, às 20h49, e uma transmissão ao vivo do resultado das eleições feita pelo canal do Youtube Prof Silvester Geografia. Ambos utilizaram dados disponibilizados, em tempo real, pelo TSE no dia da eleição.>
Entramos em contato com o TSE, órgão responsável pelas eleições no país, para solicitar dados e questionar sobre a suposta existência de um algoritmo que teria programado a totalização dos votos.>
O Comprova ainda conversou com o professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcos Prates, com o estatístico da escola ASN Rocks Carlos Miranda e com o professor doutor no Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais (PCS) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) Bruno de Carvalho Albertini.>
A partir de conversas com especialistas e consulta à bibliografia sobre visualização de dados, o Comprova constatou que alguns requisitos de rigor e de método científico necessários para o trabalho com dados numéricos não tiveram a devida atenção do autor da publicação. Ausência da fonte de dados, arredondamentos de valores decimais para inteiros e recorte da série temporal são aspectos que colocam em xeque o teor do vídeo.>
De acordo com o autor da publicação alvo dessa checagem, “o período de apuração sofreu alteração a cada 12% de votos apurados”. Vale destacar aqui que ele confunde os conceitos de apuração e totalização. Lucas Lago, pesquisador no CEST-USP, explicou a diferença em checagem sobre o mesmo conteúdo feita pela AFP. Apuração é a etapa que ocorre dentro das urnas no encerramento da votação da seção eleitoral e gera como resultado o Boletim de Urna. Totalização é a soma dos Boletins de Urna divulgada pelo TSE.>
Para provar seu ponto de vista, o autor cria uma tabela que mostra a evolução percentual dos candidatos Bolsonaro e Lula quando 12%, 24%, 36%, 48%, 60%, 72%, 84% e 96% das urnas haviam sido totalizadas.>
Ao comparar a performance dos presidenciáveis em cada um desses momentos, o autor alega ter notado um movimento “programado” para cada candidato. Bolsonaro diminui linearmente 0,5% a cada período, enquanto Lula cresceu 1%. Para o autor do vídeo, essa seria a prova de que haveria um algoritmo que beneficiou Lula.>
No entanto, o autor não aponta as fontes dos dados utilizados na análise e eles não condizem com informações de fontes oficiais. Apesar de o TSE ainda não ter disponibilizado a planilha da totalização minuto a minuto do 1º turno, foi possível contestar os dados do vídeo com o da apuração feita pelo G1 e por transmissão ao vivo do YouTube. Ambos utilizaram dados disponibilizados, em tempo real, pelo TSE no dia da eleição.>
O que chama a atenção ao comparar a primeira tabela com a segunda e com a terceira é o fato da primeira apresentar dados arredondados. “Mudar números que variam na escala de decimais para inteiros gera uma distorção enorme”, explica o professor do Departamento de Estatística da UFMG Marcos Prates. >
Em momento algum, Lula obteve 49% dos votos, como sugere o vídeo desinformativo. O percentual máximo atingido pelo candidato petista foi 48,43%. “Eu imagino que no meio do caminho ele [autor do vídeo] fez isso [arredondou os valores] várias vezes de acordo com a conveniência”, avalia Prates.>
Mesmo que os números do vídeo alvo da checagem estivessem corretos, o professor não vê indício de fraude em uma oscilação linear. “O fato de observar um crescimento linear ou um decaimento linear num sistema de apuração, a meu ver, não determina que existe um algoritmo por trás”.>
No livro How Charts Lie (Como gráficos mentem, em tradução livre), o jornalista e professor da Universidade de Miami (EUA) Alberto Cairo descreve diferentes maneiras de enganar, propositalmente ou não, com números. Uma delas é mostrar apenas uma parte do todo e assumir a parte como a realidade dos fatos.>
O autor do vídeo checado faz um recorte dos dados. Ele toma como ponto de partida para sua análise o momento em que 12% das urnas haviam sido apuradas e não o início da apuração em si. Isso faz com que não se percebam nuances no comportamento dos números.>
Ao olhar para a apuração dos votos a partir de uma perspectiva mais ampla, tendo como ponto de partida 0,09% das urnas apuradas, percebe-se que os dados oscilaram de diferentes maneiras e não só de forma linear como o autor do vídeo argumenta.>
O portal G1 fez um gráfico, com dados do TSE, que permite visualizar a oscilação dos candidatos Bolsonaro e Lula ao longo do tempo.>
Logo no início, quando apenas 0,09% do total de urnas tinham sido apuradas, Lula estava à frente na disputa presidencial. O petista tinha 51,18% e Bolsonaro 36.73%. Imediatamente, antes mesmo de se atingir o percentual de 1% da apuração, Lula foi ultrapassado por Bolsonaro, que se manteve na primeira posição até o percentual de 70% da totalização. >
De acordo com o estatístico Carlos Miranda, que atua em empresa privada de tecnologia, o vídeo ou teoria não produzem embasamento estatístico algum.>
Ele diz que o fato de o TSE realizar a apuração de forma não sequencial em relação às urnas acaba levando a esse tipo de pensamento para determinados grupos do Brasil.>
Muitas vezes a contagem das urnas já começa em 3%, 5%. Depois, a apuração aparece em 12% ou 14%. Tudo isso é bem comum, segundo Miranda.>
Para ele, trata-se apenas de uma contagem simples de votos em urnas de diferentes localidades e que ditam o ritmo de contagem de votação recebida por cada candidato. Sendo que, no final, a apuração é concluída com o número de votos determinado pelos eleitores para cada candidato.>
“Devemos sempre atentar sobre qual urna está sendo contada primeiro. No final, não importa quem estava na frente ou atrás. O resultado acontece a partir do total de votos já registrados antes pelo eleitor. Não há movimento de votos a partir de regras estatísticas”.>
Outro exemplo citado por ele é no caso de a totalização envolver, hipoteticamente, apenas duas cidades: “Se a contagem inicia com os votos da primeira cidade e nela todos os eleitores votam em apenas um candidato, só aí já vai estar 100 a 0”, exemplifica.>
Para o professor Bruno de Carvalho Albertini, da EPUSP, o vídeo em questão é falacioso.>
Ele chama atenção para a ordem de totalização do Registro Digital do Voto (RDV), que pode contar com celeridade ou não de envio, bem como congestionamento das redes que o TSE usa.>
“Assim que o RDV chega no servidor é processado e mostrado na totalização. Sendo assim, não faz sentido alegar fraude baseando-se na ordem ou evolução da totalização. De fato, qualquer pessoa pode fotografar os Boletins de Urnas físicos impressos pela urna e totalizar por meios próprios, ou pegar os BUs online do TSE e fazer o mesmo”, explica Albertini.>
Uma apuração do Comprova em julho cita uma reportagem do TSE em que o tribunal também aborda o andamento da totalização dos votos de acordo com a posição geográfica das cidades. Em 2021, o órgão desmentiu o boato de que as urnas eletrônicas teriam sido fraudadas nas eleições de 2014. A situação daquela época pode servir de exemplo no cenário atual, uma vez que, na apuração de votos do 1º turno deste ano, o candidato Bolsonaro ficou à frente de Lula até 70% do total de urnas apuradas. Há oito anos, Dilma ultrapassou Aécio quando a totalização chegou a 88,9%.>
Conforme divulgou o TSE na reportagem, naquele ano, técnicos do PSDB e do tribunal analisaram a curva de desempenho dos candidatos Aécio e Dilma ao longo da apuração e constataram que ela demonstrava a concorrência acirrada na eleição de 2014, em que durante muito tempo os votos eram disputados um a um.>
Enquanto os votos apurados vinham predominantemente dos estados das regiões Sul e Sudeste, onde Aécio Neves venceu, a apuração indicava a vitória parcial do candidato tucano. Mas, à medida em que começaram a ser computados os votos dos estados do Norte e do Nordeste, onde Dilma Rousseff obteve ampla vitória, esse placar foi mudando até que se consolidou numa vitória apertada da petista, com uma diferença de apenas 3,28 pontos percentuais.>
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Conteúdos falsos ou enganosos que também envolvem o sistema de votação e de totalização podem influenciar na compreensão da realidade e segurança do sistema.>
O Comprova busca colaborar para que o eleitor tenha acesso a conceitos fiéis à verdade e que contribuem para um correto entendimento a respeito do processo de escolha de candidatos e a apuração de votos.>
Outras checagens sobre o tema: A AFP, o UOL e o site boatos.org verificaram que é falso o conteúdo atribuindo favorecimento a Lula na totalização dos votos nas eleições do 1º turno no Brasil. A Justiça Eleitoral também desmentiu o boato.>
Em verificações anteriores que citam o candidato Lula, o Comprova mostrou ser falso conteúdo que afirmava que eleitores de Lula teriam dia diferente para votação; que não há registro de Lula ter dito que ‘enfermeiros só servem para servir sopa’. Também apurou e concluiu como enganoso vídeo dizendo que Lula pode perder candidatura por conta da Lava Jato.>
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