Publicado em 9 de agosto de 2020 às 14:44
Trinta e dois anos depois de concluído o processo de redemocratização, o sistema partidário brasileiro destoa de outros países e ainda mantém sob o controle de "caciques" a escolha dos seus candidatos. Apesar de iniciativas isoladas, a maioria das 33 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não possui critérios rígidos para a definição de seus representantes nas urnas.>
A legislação não obriga os partidos a fazer consultas internas para selecionar seus candidatos. Em diversos casos, os dirigentes nacionais detêm até o poder de escolher livremente os representantes dos diretórios locais. Com isso, nomeiam seus próprios eleitores internos - delegados que os mantém à frente da executiva, o que contribui para a falta de democracia orgânica nas agremiações.>
PT, PSDB e PSOL são os únicos partidos que promoveram prévias para a escolha de candidatos para as eleições deste ano em cidades grandes. No caso dos tucanos, porém, o processo só ocorreu em São Paulo, berço da sigla.>
Dos 33 partidos brasileiros, o Novo é o único que adota um critério "empresarial" na hora de selecionar seus candidatos, que passam por um processo seletivo com várias etapas. "É como o processo seletivo de uma empresa. O filiado passa por um comitê de avaliação, análise de currículo e depois de alinhamento ideológico através de provas. Não precisa ter padrinho político", disse Eduardo Ribeiro, presidente nacional do Novo.>
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Apesar de não promover prévias, o Cidadania foi o primeiro partido a se abrir e compor com grupos de renovação política. A sigla estabeleceu uma norma interna que todos os filiados que tenham feito o curso do RenovaBR terão vaga garantida para disputar o cargo de vereador em 2020. O grupo formou este ano 650 alunos de 30 partidos, mas não sabe informar quantos vão disputar eleições.>
O Cidadania, que já foi PCB e PPS, no entanto, é comandado pelo ex-deputado Roberto Freire desde 1990. Ele disse que a legenda já teve disputas em convenções, mas avalia que o Brasil não teria como seguir o exemplo dos Estados Unidos de promover primárias abertas a todos os filiados para a escolha de seus candidatos em todos os níveis. "A tradição no Brasil é as lideranças analisarem os nomes", disse.>
A Constituição garante às legendas "autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal".>
"A Carta de 1988 fez questão de garantir um alto grau de autonomia aos partidos", disse o advogado e especialista em direito eleitoral, Fernando Neisser. Mas a autonomia, ressalta Neisser, não é independência. "Uma empresa tem autonomia mas ainda tem que respeitar uma série de regras de contabilidade, segurança, etc".>
Segundo ele, uma saída que está de acordo com as regras vigentes no País seria a de aprovar leis segundo as quais o recebimento de uma fatia dos recursos públicos repassado às siglas - como os fundos e o tempo de rádio e TV - dependa do alinhamento com outros preceitos constitucionais, como transparência e inclusão.>
Além de rechaçar a ideia das prévias obrigatórias, o Congresso - composto de representantes eleitos por intermédio das siglas - também tem contribuído para manter a concentração de poder entre os chamados "caciques" partidários. No ano passado, os parlamentares alteraram a lei dos partidos para garantir prazo de oito anos aos diretórios locais de livre nomeação do presidente nacional.>
Esses diretórios nomeados, chamados de comissões provisórias, são usados por executivas nacionais das siglas para se perpetuar no comando. Embora o presidente nacional seja eleito, quem tem poder de voto é, na prática, escolhido por ele. "A democracia interna exige prática. Quando a liderança local exerce influência no partido, é natural que sua indicação seja acompanhada pela militância", disse César Gontijo, tesoureiro nacional do PSDB.>
Os partidos PL, PMB, PRTB, PSC e Republicanos não possuem diretório estadual definitivo - ou seja, todos os chefes estaduais das siglas podem ser destituídos a qualquer momento pela direção nacional. Avante e PSL possuem um único diretório estadual definitivo.>
O TSE tentou, em 2016, sem sucesso, criar regras que limitassem a existência de comissões provisórias. A então ministra Luciana Lóssio afirmou, em seu voto, que o PL (na época, PR), tinha todos os seus diretórios estaduais funcionando de maneira provisória há mais de dez anos. "Os órgãos intermediários da representação democrática não querem ser democráticos", comentou na ocasião.>
Para o cientista político Luiz Felipe D'ávila, fundador e presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), o Brasil precisa investir em uma nova de lei de governança para os partidos. "É preciso livrar o comando das legendas da interferência política. Os partidos precisam ter uma gestão profissional para se democratizar", disse. A ONG reuniu juristas e elaborou um documento com propostas para que os partidos tenham dirigentes profissionais e assim seja aberto espaço para que o militante da base seja efetivamente consultado no momento de formação das chapas.>
Ano passado, o vereador de São Paulo Eduardo Suplicy (PT) sugeriu, em reuniões da direção executiva do seu partido, que a legenda articulasse com PCdoB, PSOL e outros de esquerda uma candidatura única para prefeito da capital paulista. A ideia era seguir exemplos de Uruguai, Espanha e Portugal, onde siglas de determinado campo político costumam se juntam em frentes amplas. "Os filiados e simpatizantes de todos os partidos poderiam votar, mas a proposta foi rejeitada", disse Suplicy.>
Embora a exigência de destinar 30% do fundo eleitoral para mulheres esteja valendo desde a eleição de 2018, dirigentes de partidos políticos ainda têm dúvidas sobre a regra. Não está claro, para eles, se para atingir a cota vale apenas o dinheiro destinado às candidatas a vereadora ou se campanhas para prefeitas e vices entram na conta.
>"Perguntamos informalmente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se esse dinheiro pode ser distribuído a candidatas a vereadoras, prefeitas e vice-prefeitas. Se não vier uma manifestação do TSE, esses 30% podem ser para todos os tipos", afirma o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab. O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, citou a dúvida de Kassab em uma live realizada quinta-feira com representantes da bancada feminina na Câmara dos Deputados.>
A confusão acontece porque, por um lado, a exigência da destinação de 30% do fundo eleitoral a candidaturas femininas é fruto de uma regra anterior que só diz respeito a candidaturas proporcionais, como vereadores e deputados: a de que as mulheres sejam ao menos 30% das candidatas de cada legenda. Por outro, o Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou o repasse às mulheres dessa mesma cota do fundo partidário, tratou de todas as candidaturas.>
"Já tem um tempo que o PSOL vem incentivando a participação das mulheres, além das candidaturas femininas. Ainda assim, 2018 já foi um desafio maior, principalmente porque tem algumas perguntas que o TSE não responde objetivamente", afirmou José Ibiapino, membro executiva nacional do PSOL que é responsável por formular a proposta de distribuição dos recursos do fundo.>
A situação tem gerado entre os partidos uma busca por vices mulheres como forma de a atingir a cota de 30% gastando na campanha para a prefeitura. No caso do PSDB, que elegeu 793 prefeitos em 2016, a ideia é dar praticamente todo dinheiro do fundo eleitoral a candidatos das chapas majoritárias. "As mulheres terão individualmente mais recursos que os homens nos Estados onde não houver 30% de candidaturas femininas", afirmou Gontijo.>
"Em 2018 já se usou essa verba nas candidaturas a vice, para quem tinha candidata a vice-governador mulher nas chapas. A intenção inicial não era essa porque, quando houve a decisão do STF e a normativa do TSE, a ideia era que você teria o aporte às candidaturas previstas pelas cotas femininas", diz a cientista política Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, e coordenadora do Grupo de Pesquisas sobre Democracia e Desigualdades.>
O TSE informou que não há regra específica sobre quanto dos 30% deve ir às candidaturas majoritárias e quanto deve ir às candidaturas proporcionais. O tema ainda pode ser alvo de deliberação, caso seja apresentado questionamento formal. Por enquanto, os partidos têm autonomia para decidir.>
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