Publicado em 13 de junho de 2022 às 07:17
Um dos principais delatores da Operação Lava Jato, o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar relatou em uma entrevista para o filme "Amigo Secreto", da cineasta Maria Augusta Ramos, a pressão que diz ter sofrido de procuradores da força-tarefa para envolver Lula (PT) em seu acordo de colaboração.>
E mais: disse que, ao ouvirem de delatores o nome do tucano e ex-presidenciável Aécio Neves como beneficiário de caixa dois, os interrogadores soltaram um dos investigados que citava o nome dele. "Isso é um sistema anticorrupção? Ou é uma questão direcionada?", questiona.>
É a primeira vez que um delator da operação faz esse tipo de afirmação de forma pública, em entrevista -até agora, os relatos ficavam restritos a conversas reservadas entre clientes, advogados e mesmo entre magistrados de cortes superiores que recebiam relatos de supostos abusos.>
O filme tem pré-estreia marcada para esta segunda (13), e entra em circuito nacional na quinta (16).>
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Segundo Alexandrino, apontado pela Lava Jato como elo entre o PT e a empreiteira, o ex-presidente era "o principal alvo" dos investigadores, que o pressionaram a chegar "ao limite da verdade" para envolver Lula em sua delação.>
"Era uma pressão em cima da gente", diz o ex-executivo no longa-metragem. "E estava nítido que a questão era com o Lula.">
Os interrogadores, diz ele, insistiam em questões sobre "o irmão do Lula, o filho do Lula, não sei o que do Lula, as palestras do Lula [a empreiteira contratou o ex-presidente mais de uma vez para falar em eventos]".>
"Nós levávamos bola preta, 'ah, você não falou o suficiente'. Vai e volta, vai e volta. 'Senão [diziam os interrogadores], não aceitamos o teu acordo", segue o ex-empreiteiro em seu relato.>
A narrativa de Alexandrino Alencar coincide com reportagens publicadas na época da Lava Jato, e que diziam que o Ministério Público Federal resistia em aceitar a delação do então executivo já que ele não citava Lula, nem outros políticos, em suas revelações.>
Só depois de ceder, diz Alexandrino, os investigadores concordaram em assinar com ele um acordo de colaboração premiada.>
Entre outras coisas, Alexandrino detalhou em seus depoimentos os gastos da empreiteira com a obra no sítio de Lula em Atibaia entre 2010 e 2011.>
O ex-presidente acabou sendo condenado em 2019 a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro por causa das reformas feitas pela construtora na propriedade.>
O depoimento de Alexandrino foi considerado fundamental na época para que o petista fosse condenado.>
Dois anos depois, a Justiça extinguiu a punição a Lula, como desdobramento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou o ex-juiz Sergio Moro suspeito no caso do tríplex atribuído a Lula.>
No filme "Amigo Secreto", o ex-executivo afirma que outros delatores, sob pressão, mentiram para os investigadores para poder assinar a colaboração e ver suas penas de prisão diminuídas.>
"Se eu falasse mais, eu estaria inventando. Estaria contando uma mentira como aconteceu com alguns [delatores] que você sabe, notórios, que mentiram para tentar escapar", diz ele.>
"Eu contei a verdade. Eu cheguei no limite da minha verdade.">
Ele diz também saber de casos de pessoas que foram dispensadas dos depoimentos quando citaram o tucano Aécio Neves em suas delações.>
"Não vou dizer o nome do santo. Mas tem colega meu que foi preso em Curitiba, chegou lá, o pessoal [investigadores] começou a perguntar sobre caixa dois [recursos doados para políticos sem registro na contabilidade oficial]. Ele [colega de Alexandrino] falou: 'Isso aqui é para o Aécio Neves'. Na hora em que ele falou, eles [interrogadores] se levantaram e soltaram ele. Isso é Lava Jato? Isso é um sistema anticorrupção? Ou é uma questão direcionada?".>
O ex-empreiteiro revela ainda que a sua colaboração detalhou "vários casos de caixa dois. Infinitos. Não aconteceu nada com ninguém. Aconteceu comigo. Com eles [políticos] não aconteceu nada".>
Alexandrino Alencar diz estar convencido de que foi investigado porque o objetivo da Lava Jato era chegar a Lula.>
"A maneira que fizeram... Como surge o Alexandrino nisso aí? Eles começam a me fiscalizar, grampeiam o meu telefone, o telefone do Lula", afirma.>
O ex-empreiteiro diz que quando foi preso, em 2015, todos os outros empresários e executivos detidos no mesmo estabelecimento prisional acreditavam que ele seria solto logo depois, pois estava sob o regime de prisão temporária, que dura no máximo cinco dias.>
Ele afirma que os investigadores, então, "chamaram o Paulo Roberto Roberto [Costa, engenheiro e ex-diretor da Petrobras], chamaram o [doleiro Alberto] Youssef, [e eles] fizeram uma delação na cadeia [ambos foram presos antes dos empresários]".>
Como citaram o executivo da Odebrecht nos depoimentos como operador de propinas da empreiteira, a prisão de Alexandrino foi transformada de temporária em preventiva, sem data para que ele fosse solto, tornando sua situação mais aflitiva.>
"Tão simples assim", diz o ex-executivo no filme.>
Ele afirma que a decisão de integrantes da Odebrecht de aderir a um acordo de colaboração foi "traumático, muito duro". Mas que foi incontornável, já que outras empreiteiras também passaram a delatar. "Não adiantava. Tem que ir junto", diz.>
Em 2016, Alexandrino Alencar foi condenado por Moro a 13 anos e seis meses de prisão, pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa.>
Com o acordo e o pagamento de multas, o tempo foi reduzido para 6 anos e seis meses.>
Ele já cumpriu um ano em regime fechado, dois anos e meio em semiaberto e agora cumpre o restante em regime aberto. Pode sair de casa normalmente nos dias da semana, sem tornozeleira. Mas está proibido de sair às ruas nos finais de semana.>
Os procuradores da força-tarefa nunca reconheceram a veracidade das mensagens divulgadas pela Lava Jato e sempre negaram que tiveram conduta parcial na operação. Eles sempre sustentaram que o único objetivo da operação era combater a corrupção no Brasil.>
Moro também afirma que todos os acusados da Lava Jato foram tratados por ele com respeito, imparcialidade e sem qualquer animosidade. Diz que suas sentenças foram fundamentadas e que o Brasil não pode retroceder no combate à corrupção.>
O filme de Maria Augusta Ramos, coproduzido e distribuído pela Vitrine Filmes, relata a rotina dos jornalistas Leandro Demori, do The Intercept Brasil, e Carla Jiménez, Regiane Oliveira e Marina Rossi, do El País Brasil, na cobertura do que ficou conhecido como o escândalo da Vaza Jato, em 2019.>
Naquele ano, uma série de mensagens trocadas entre procuradores da Operação Lava Jato e deles com Sergio Moro mostrou a estreita colaboração entre o Ministério Público Federal e o ex-juiz.>
O documentário mostra os meandros da operação por meio do trabalho dos repórteres, que acabou contribuindo para a anulação de sentenças contra Lula no âmbito da Lava Jato.>
A cineasta já dirigiu cinco outros documentários, alguns deles premiados internacionalmente, como "Justiça", "O Processo", sobre o impeachment de Dilma Rousseff, e "Juízo", sobre o tratamento recebido por menores infratores em instituições prisionais e nos tribunais brasileiros.>
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