Publicado em 29 de maio de 2023 às 08:15
Após incertezas e adiamentos, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) deu início à investigação dos ataques aos prédios dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro.>
Composta por 32 membros — 16 senadores e 16 deputados federais (além de seus suplentes) —, a CPMI terá maioria de congressistas aliados do governo Lula. >
São 18 parlamentares alinhados ao Planalto no total (9 senadores e 9 deputados federais) e 9 de oposição, além de 5 independentes (ou seja, que não se declaram alinhados nem com um lado nem com o outro).>
A presidência da comissão, que define os trabalhos, ficou com um destes considerados independentes: o deputado Arthur Maia (União-BA), aliado do presidente da Câmara, o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), um dos líderes do bloco de legendas conhecido como Centrão.>
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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá aliados em dois postos-chave: a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) foi escolhida como relatora, e o senador Cid Gomes (PDT-CE) será o 1º vice-presidente.>
O senador de oposição Magno Malta (PL-ES) completa a mesa diretora como 2º vice-presidente. >
Confira a composição completa da CPMI ao final desta reportagem.>
A postura tanto do governo quanto da oposição em relação à comissão variou ao longo do tempo.>
O pedido da CPMI foi encabeçado por um integrante da oposição, o deputado federal André Fernandes (PL-CE), do mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.>
Ele é atualmente um dos membros da CPI e investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) em inquérito sobre os ataques de 8 de janeiro, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), com base em postagens feitas por ele nas redes sociais.>
A comissão foi criada formalmente em 26 de abril, mas só foi instalada em 25 de maio, quando ocorreu a primeira reunião do grupo.>
Inicialmente, a oposição estava empenhada em fazer a comissão acontecer pois imaginava ter conseguido munição contra o governo com os vídeos que mostravam o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o general da reserva Marco Edson Gonçalves Dias, no Planalto no dia dos ataques. >
Dias foi acusado de ter sido leniente com os invasores a partir do que teria sido mostrado nas imagens. Ele nega e pediu para deixar o comando do ministério em seguida. Em entrevista à GloboNews após a demissão, Dias disse que colocou seu "cargo à disposição do presidente da República para que toda a investigação seja feita".>
Já o governo Lula demorou para indicar os nomes porque não queria que a instalação da comissão atrapalhasse a aprovação pelo Congresso do arcabouço fiscal — que vai substituir o atual teto de gastos e era a grande prioridade de Lula no início do governo.>
Nos últimos dias, no entanto, o clima mudou. O arcabouço foi aprovado com folga na Câmara dos Deputados em 23 de maio e agora vai para o Senado. >
Ao mesmo tempo, a investigação da Polícia Federal sobre um suposto envolvimento de Jair Bolsonaro como autor intelectual dos ataques aumentou a possibilidade da CPMI ser prejudicial à imagem do ex-presidente — o que fez o governo voltar a se interessar pela comissão, avaliam analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil. >
A relatora da CPMI, Eliziane Gama, diz que não descarta a possibilidade de convocar Bolsonaro para depor na comissão, por exemplo.>
No entanto, o fato de Lula ter maioria na comissão não significa que o resultado será necessariamente positivo para o governo, diz o cientista político Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da consultoria política Dharma.>
Ele diz que, embora a CPMI seja, para o governo, "um ambiente relativamente controlado de que pode até sair com resultados favoráveis", também pode ser palco para "parlamentares bolsonaristas criarem tumulto e alimentarem a máquina de fake news da extrema direita".>
Souza afirma que o governo tem tido muita dificuldade de se articular no Congresso e perdeu a oportunidade de fazer uma CPI no Senado — cuja composição é mais simpática ao governo do que a Câmara — logo após os ataques em janeiro.>
"O governo, no que eu acredito que foi um erro de avaliação, achou que não seria positivo fazer uma CPI naquele momento. Mas aí veio a CPMI com a Câmara, na qual o presidente, Arthur Maia, não é aliado do governo", explica ele. >
Maia é próximo do presidente da Câmara, Arthur Lira, e ambos foram aliados de Bolsonaro durante seu governo. >
Para Souza, a relação do governo com a Câmara tem oscilado tanto que é difícil fazer uma previsão do andamento da comissão.>
"O governo pode ter uma vitória enorme em uma terça e, na quarta, sofrer uma perda significativa", afirma. "O governo tem tido dificuldade tanto de perspectiva — tem articulado mal —, quanto de aritmética — o número de parlamentares que estão dispostos a sentar ao lado do governo (na Câmara) é baixo.">
Quanto à possibilidade de desgaste, diz Souza, o governo está mais preocupado com a CPI do MST, que vai investigar ocupações recentes do movimento sem-terra e tem o potencial de ser muito mais problemática para o governo. >
Mesmo que o relatório final não resulte de fato em ações administrativas ou judiciais concretas, uma CPI é sempre um debate sobre interpretações da realidade — a simbologia, o barulho, o tumulto e o resultado midiático são componentes centrais, afirma. >
Um exemplo, diz ele, é a forma como a CPI da Covid gerou desgaste para o governo Bolsonaro mesmo que o relatório final — que o acusava de crimes — não tenha levado a ações criminais por recusa da Procuradoria Geral da República (PGR) em iniciar um processo criminal.>
Quanto à CPMI de 8 de janeiro, outra possibilidade problemática para o Executivo é que seu funcionamento tem potencial de tirar a atenção do Congresso de pautas consideradas importantes para o governo Lula, como a Reforma Tributária. >
"Esse tipo de clima (de animosidade criado pela disputa de narrativas da CPMI) interessa mais ao bolsonarismo", diz Sérgio Praça, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). >
"CPI sobre esse assunto é fundamental e deveria mesmo ocorrer", diz Praça, "mas infelizmente há essa consequência negativa de desviar o debate público para um tema 'bolsonarista'" em vez de focar na aprovação de reformas estruturais importantes.>
No entanto, Praça pontua que não necessariamente a CPMI de 8 de janeiro é algo que coloca governo e oposição em polos opostos — como se somente o governo estivesse interessado na punição dos responsáveis pelos atos golpistas.>
"Há parlamentares de oposição que são contra golpes. O PT e sua coalizão não são a única força política que prefere democracia à ditadura no Brasil — mas o governo pode usar a CPI para vender essa ideia, que considero equivocada", diz Praça.>
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