Publicado em 20 de dezembro de 2020 às 17:14
Após quase sete anos da chegada da Lava Jato ao STF (Supremo Tribunal Federal), a maior investigação de corrupção da história do país encontra-se em situação de equilíbrio na mais alta corte brasileira. Se consideradas as principais decisões tomadas até agora nos inquéritos, 17 foram contrárias a investigados e réus e 16, favoráveis.>
A análise dessas decisões, que envolvem sentenças já proferidas e acolhimento ou rejeição das denúncias feitas pela PGR (Procuradoria-Geral da República), mostra ainda que os ministros Gilmar Mendes (19), Dias Toffoli (13) e Ricardo Lewandowski (13) são os que mais acumulam votos favoráveis a alvos da operação.>
Na outra ponta, o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin (21), e o ex-ministro Celso de Mello (19) são os que reúnem o maior número de votos contra investigados e réus.>
Deflagrada em março de 2014 a partir de Curitiba, após autorização do então juiz federal Sergio Moro, a Operação Lava Jato atingiu grande parte do status quo político e empresarial e foi um dos principais propulsores da crise que levaria ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), dois anos depois.>
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Coube ao Supremo, em especial à Segunda Turma da corte, composta por 5 dos 11 ministros, a análise dos casos de políticos com foro especial (congressistas e ministros), sob relatoria inicial de Teori Zavascki. Após a morte do ministro em um acidente aéreo, em janeiro de 2017, a função passou para Fachin.>
O STF já proferiu sentença em seis casos (quatro condenações e duas absolvições).>
O primeiro a ser condenado a prisão foi o ex-deputado federal Nelson Meurer (PP-PR), em maio de 2018, sob acusação de receber R$ 29 milhões em troca da sustentação política da cúpula do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na direção da Petrobras.>
Ele só passou a cumprir a pena de 13 anos de prisão em outubro de 2019, após a rejeição definitiva de seus recursos. Meurer, que tinha 77 anos, acabou morrendo na cadeia em julho, vítima da Covid-19.>
As outras três condenações ocorreram entre outubro de 2019 e outubro deste ano e todas se referem a políticos do MDB --os irmãos Geddel Vieira Lima e Lúcio Vieira Lima, em decorrência da descoberta, em Salvador, de um apartamento que escondia R$ 51 milhões; o deputado federal Aníbal Gomes (CE), hoje no DEM, por intermediar propina para contratação pela Petrobras de um escritório de advocacia; e o ex-senador Valdir Raupp (RO), sob acusação de receber R$ 500 mil em propina da Queiroz Galvão.>
As duas absolvições foram em junho de 2018, da deputada federal e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que era acusada, ao lado do marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, de desviar recursos para campanha eleitoral, e, em agosto de 2020, do deputado federal Vander Loubet (PT), que era acusado de receber propina do doleiro Alberto Youssef.>
Embora haja pontos fora da curva, a dinâmica de decisões favoráveis e contrárias tem certa relação com a composição da Segunda Turma e a divisão entre as chamadas alas "garantista" e "punitivista".>
Por essa ótica, Gilmar, Toffoli e Lewandowski inclinam-se a valorizar o direito à presunção de inocência, dando menor peso à palavra de colaboradores, um dos pilares de sustentação da Lava Jato.>
Esses ministros têm frisado em suas decisões que muitas das denúncias ofertadas pela PGR amparam-se quase apenas na palavra de delatores, carecendo de provas mais robustas para o prosseguimento do caso ou condenação.>
Já os chamados "punitivistas", como Fachin, Celso e Cármen Lúcia, tendem a dar mais sustentação às acusações do Ministério Público, segundo quem há outras provas a amparar a palavra dos delatores, como dados de quebras de sigilo e de busca e apreensão.>
Com a aposentadoria de Celso, uma articulação entre Gilmar, Toffoli e o presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), levou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a indicar para o STF o juiz federal Kassio Nunes, também considerado um "garantista", o que formou de novo maioria contrária à operação na Segunda Turma.>
Em reação, o atual presidente da corte, Luiz Fux, da ala alinhada à Lava Jato, apresentou proposta, aprovada, determinando a volta dos julgamento dos casos criminais, entre eles os da operação, para o plenário. Integrantes das turmas decidiram manter a apreciação de recursos já sob análise.>
De 2014 até meados de 2017 houve uma inclinação mais punitivista no STF. Nesse período, Teori, considerado mais rigoroso com investigados e réus, relatava os inquéritos e formava maioria na Segunda Turma, com Celso e Cármen.>
De 42 votos proferidos nos casos específicos da Lava Jato nesse período pelo plenário e pelo colegiado, 38 foram contrários a investigados e réus e apenas 6 foram favoráveis.>
A composição da Segunda Turma passou por mudanças no final de 2016, quando Cármen assumiu a presidência da corte e cedeu a sua vaga na turma para Lewandowski. Com a morte de Teori, sua vaga foi ocupada por Fachin.>
Com as mudanças, os chamados "garantistas" conseguiram virar o jogo e formar uma maioria de 3 a 2, com Gilmar, Toffoli e Lewandowski.>
Nessa fase, nove denúncias da PGR em inquéritos da Lava Jato foram rejeitadas integralmente pela Segunda Turma, uma foi rejeitada parcialmente e houve uma absolvição. Na outra ponta, duas denúncias foram acolhidas integralmente, outra parcialmente e houve a primeira condenação, de Nelson Meurer.>
Esse cenário durou até o final de 2018. Com a saída de Toffoli e o retorno de Cármen à turma, o pêndulo se moveu para o lado dos "punitivistas", que formaram maioria com Cármen, Fachin e Celso. Após essa nova configuração, vieram as três condenações.>
Paralelamente às decisões, dois casos de políticos do PP estão paralisados por pedidos de vista feitos por Gilmar.>
A denúncia de que Nogueira e o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) teriam tentado intimidar e comprar o silêncio de uma testemunha (inquérito 4.720) recebeu o voto de Fachin e Cármen para ser acolhida e virar ação penal em novembro de 2018, na fase da volta da maioria na turma para o lado dos "punitivistas".>
Desde então, ou seja, há quase dois anos, o caso está paralisado pelo pedido de vista de Gilmar. O ministro também é responsável pela paralisia de mais de seis meses do caso em que Ciro, Eduardo, o líder do PP, Arthur Lira (AL) --candidato de Jair Bolsonaro à presidência da Câmara--, e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) são acusados de formar o "quadrilhão do PP" para desviar recursos da Petrobras, o inquérito 3.989. Procurado, Gilmar não se manifestou sobre os pedidos de vista.>
Essa denúncia da PGR foi recebida pelo STF em junho de 2019, mas até hoje, um ano e meio depois, não passou para a abertura de ação penal, pois ainda estão sendo analisados recursos da defesa contra o recebimento da denúncia. Contribuiu para a morosidade até mesmo o adiamento de sessão sob a justificativa de que um dos advogados de defesa havia marcado uma viagem.>
Indicado por Bolsonaro, o chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras, é crítico da operação. Sob sua gestão, a PGR patrocinou a atípica medida de voltar atrás em denúncia que ela própria havia feito, meses antes, contra Lira, acusado de receber R$ 1,6 milhão da Queiroz Galvão.>
O PP é o principal partido do centrão, que hoje sustenta o presidente no Congresso. Antes crítico, nos discursos, à política tradicional em Brasília, o presidente se rendeu à negociação de cargos e verbas com esses partidos.>
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