Publicado em 4 de fevereiro de 2023 às 12:45
Com 2 anos e 4 meses de vida, o filho da administradora e empresária Talita Valentim começou a tomar melatonina para dormir. "Ele resistia ao sono, sempre se batendo, reclamando e acordando pela madrugada. Foi um período bem exaustivo", diz a mãe, afirmando que a possibilidade de transtorno do espectro autista era investigada e o pediatra indicou a substância para acalmá-lo.>
A melatonina é um hormônio propagado, cada vez mais, como suplemento para melhorar o sono de adultos. Mas, segundo o presidente do Departamento Científico de Medicina do Sono da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Gustavo Moreira, a procura por esse e outros caminhos também cresce para crianças — "e preocupa".>
Dúvidas e publicações online e offline indicam interesse por soluções para o sono de crianças, que vão de adolescentes até recém-nascidos. Chás, gotas de florais e medicamentos antialérgicos que tem como efeito adverso sonolência estão entre as saídas que entram na roda.>
Pedacinhos de comprimidos tarja preta, como Zolpidem, que já são parte da rotina de algum adulto da casa, também são administrados de forma indevida, segundo especialistas.>
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Moreira adverte, porém, que podem provocar reações como sonambulismo e terror noturno.>
Fernanda Dubourg, neuropediatra e especialista em Sono pela Universidade de Nantes, na França, reforça que a oferta de substâncias indutoras de sono sem acompanhamento profissional pode colocar a saúde das crianças em risco.>
"Não existe fórmula mágica, nem gotinha nem jujuba nem xarope. O que precisa ser dito é: se existem problemas com o sono, deve-se procurar ajuda médica, conversar com o pediatra. É preciso avaliar a criança para caracterizar se é o sono normal ou existe algum distúrbio do sono, ou transtorno no neurodesenvolvimento", orienta.>
O Google Trends, ferramenta que mostra as pesquisas mais populares na plataforma de buscas, é indicativo de que a curiosidade sobre o tema, em português, anda firme.>
Quando a procura é sobre o termo "remédios", a frase "para criança dormir" foi uma das principais associações nos últimos 12 meses. Calmantes para bebês registram "ascensão repentina" em dúvidas relacionadas a "sono" e "hipnótico, classe de medicamento", cujos cliques levam a textos sobre melatonina.>
Segundo Gustavo Moreira, muitas substâncias são administradas sem controle às crianças. Entre elas, a melatonina se destaca com "um boom enorme".>
Gustavo Moreira
Presidente do Departamento Científico de Medicina do Sono da Sociedade Brasileira de PediatriaFaltam, no Brasil, dados oficiais sobre o ritmo do consumo - e dos perigos envolvidos - em meio ao crescimento observado pelos profissionais da saúde.>
Enquanto isso, relatório publicado em 2022 pelo Centros de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos, mostra que o número de ingestões pediátricas de melatonina aumentou 530% no país, com efeitos como distúrbios do sistema nervoso, gastrointestinais, cardiovasculares e metabólicos em 17,2% dos casos.>
O estudo considera um período de 10 anos, de 2012 a 2021. Entre os registros mais graves, cita ataques epiléticos, paradas respiratórias com intubação e mortes.>
No filho de Talita, outros efeitos foram percebidos. "Ele ficava com a barriga muito inchada e chorava com a mão na cabeça. Quando descobrimos os males fomos tirando [a substância]. A gente percebia que ele ficava como se fosse dopado. A sensação de culpa foi enorme", diz.>
Diagnosticado recentemente com autismo leve, o menino "passa por fases boas e ruins". "No momento estamos em uma ruim, porque ele passa a noite toda reclamando. Mas decidimos seguir assim, sem medicamento", acrescenta a empresária, que também mãe de uma menina de um ano.>
Na casa da confeiteira Didiane Singh, a descoberta de autismo no caso da filha também foi precedida por noites mal dormidas e, por fim, pela busca de alternativas.>
Didiane Singh
Confeiteira e mãe de menina com 1 ano e 6 meses"Então eu comecei a dar chazinho de camomila, que não surtia muito efeito, e vi na farmácia terapia floral para bebês. Nos primeiros dias eu já percebi melhora", afirma.>
A menina, hoje com um ano e 6 meses, hoje faz uso de medicação para dormir, prescrita pelo médico. A mãe conta que suspendeu os florais. "O produto contém benzoato de sódio e álcool e eu não usaria de novo devido a essas substâncias".>
A neuropediatra Fernanda Dubourg reforça que em casos de insônia infantil o primeiro passo é a avaliação especializada para o diagnóstico correto e indicação do melhor plano terapêutico, na maioria das vezes não medicamentoso.>
"Se o diagnóstico é de insônia comportamental, o tratamento recomendado é higiene do sono e intervenções comportamentais. O trabalho em conjunto com a psicologia do sono possibilita excelentes resultados na pediatria", diz, ressaltando que é preciso ensinar a criança a adormecer sozinha.>
A especialista também defende redução no uso de telas de celulares e de outros dispositivos. A luz no período noturno, pontua, bloqueia a liberação da melatonina e acaba atrapalhando o sono.>
"É preciso reduzir essa exposição ao claro no período noturno. Interromper o uso de telas 1 a 2 horas antes do horário de dormir, além de falar de sono nas escolas, para que as crianças entendam os prejuízos do sono ruim, que incluem o déficit de atenção, a hiperatividade e a dificuldade de aprendizagem, entre tantos outros", afirma Dubourg.>
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