Publicado em 26 de agosto de 2022 às 10:14
Os chamados "avisos de gatilho" são uma ferramenta utilizada no início de textos, filmes e séries para alertar que aquele conteúdo pode provocar crises de ansiedade por despertar memórias relacionadas a eventos traumáticos. Nas redes sociais, as pessoas normalmente utilizam o termo em português ou simplesmente escrevem "TW", a abreviação da expressão em inglês "trigger warning".>
Apesar da boa intenção no uso desse recurso, uma nova revisão de estudos feita por cientistas da Universidade Harvard, dos Estados Unidos, e da Universidade Flinders, da Austrália, sugere que eles não são efetivos. Segundo os pesquisadores, além de não prevenir esses problemas, esses alertas podem por si sós acabar despertando ansiedade nos usuários.>
O trabalho foi feito a partir da checagem de 12 estudos, publicados desde 2018, que verificavam o efeito dos avisos de gatilho incluídos em diversos tipos de mídia: notícias, trechos de livro, fotos, vídeos e filmes. Então, os estudiosos compararam alguns aspectos para entender quão efetivo são esses alertas.>
Eles constataram que a maioria dos voluntários não deixava de consumir os conteúdos mesmo quando havia "trigger warnings" e que os alertas não geravam uma melhora da compreensão sobre os temas sensíveis abordados nas mídias. O sinal também não ajudou a reduzir as emoções negativas sentidas ao visualizar os materiais.>
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Além disso, ao tentar evitar que os participantes ficassem ansiosos devido ao tema tratado nos conteúdos, eles acabavam ficando ansiosos por causa do alerta em si.>
"Clinicamente, a gente não consegue dizer que os avisos de gatilho fazem com que as pessoas deixem de ver [o conteúdo]. Na realidade, eu percebo que o aviso mobiliza uma certa curiosidade no paciente que tem crises de ansiedade e pânico. Ele já fica vulnerável para receber aquela informação, imaginando todas as possíveis catástrofes que vão vir", comenta Lala Fonseca, psicóloga e terapeuta cognitiva comportamental em São Paulo (SP).>
Na visão do psiquiatra Rodrigo Martins Leite, coordenador do Prosol (Programa de Psiquiatria Social e Cultural) do Ipq-HC (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas), em São Paulo, esses avisos foram criados para atender uma demanda da sociedade de garantir o respeito à singularidade e o sofrimento das pessoas.>
"Uma das estratégias é oferecer uma exposição gradual dos indivíduos, com a ideia de que eles possam aprender a lidar com os gatilhos e se fortalecer no enfrentamento das situações de estresse", afirma.>
Apesar de os resultados da revisão estarem de acordo com as evidências científicas, há algumas limitações. A começar pelo fato de ele estar em fase de preprint, ou seja ainda não foi aprovado por pares e publicado em um periódico científico.>
Os autores pontuam também que não foram analisados os efeitos dos avisos de gatilho a longo prazo e nem seu impacto em populações específicas, como vítimas de abuso sexual na infância.>
A alternativa aos avisos de gatilho De acordo com Fonseca, a conclusão da pesquisa não significa que não seja necessário ser cuidadoso aos criar materiais sobre temas sensíveis, como suicídio e estupro.>
"Precisamos trazer o conteúdo sem agressividade, de uma forma mais explicativa, em que você ofereça um caminho alternativo para a pessoa conseguir chegar a uma cognição", recomenda a psicóloga. "Esses temas precisam ser lidados de uma forma mais aberta", acrescenta Leite.>
Fonseca explica que o problema não são os avisos de gatilho em si, mas a forma como eles existem hoje. "O alerta na realidade deve ser algo na linha: se esse conteúdo foi desconfortável para você e te lembrou de algo da sua vida, talvez seja importante buscar um especialista no assunto para falar sobre isso, e não fugir", finaliza a terapeuta.>
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