Publicado em 14 de março de 2021 às 08:36
- Atualizado há 5 anos
Antes de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Edson Fachin se posicionou contra restringir a competência da Lava Jato e retirar de Curitiba investigações sem relação com a Petrobras em ao menos dez julgamentos.>
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, hoje principal crítico da operação no STF (Supremo Tribunal Federal), defendeu os superpoderes da Justiça Federal no Paraná quando o tema chegou à corte, em 2015.>
Na época, a operação que enfraqueceu o governo do PT estava no início e Gilmar respaldava a atuação do então juiz Sergio Moro.>
Na visão de especialistas, a discussão sobre os limites da atribuição da 13ª Vara Federal de Curitiba é um exemplo de como os ministros do Supremo oscilam em temas importantes e acabam fomentando a insegurança jurídica, além de passarem a imagem de que atuam de maneira política.>
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Fachin votou a favor de manter sob o âmbito da Lava Jato casos que envolveram importantes nomes da política nacional, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB), o banqueiro André Esteves e os ex-ministros do governo federal Guido Mantega (PT) e Geddel Vieira Lima (MDB).>
Na maioria das vezes, ele foi vencido.>
Em 2017, por exemplo, Fachin enviou à 13ª Vara Federal de Curitiba os trechos da delação da JBS que mencionavam Lula e Mantega.>
Mais tarde, porém, a Segunda Turma do STF acolheu pedido da defesa e revogou a decisão de Fachin.>
Os ministros Gilmar, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello formaram maioria para remeter a questão à Justiça Federal em Brasília por entenderem que o caso não tinha conexão com os delitos na Petrobras.>
O dono da frigorífica, Joesley Batista, e um dos diretores, Ricardo Saud, afirmaram que haviam feito depósitos de US$ 150 milhões em favor de Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em contas no exterior, em troca de benefícios junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).>
O mesmo ocorreu em relação à delação da Odebrecht contra Lula. Fachin defendeu o envio dos relatos dos colaboradores sobre supostos crimes cometidos pelo petista para a 13ª Vara Federal de Curitiba, mas a maioria da Segunda Turma do STF preferiu remetê-los à Justiça Federal em São Paulo.>
Fachin também mandou para Curitiba a investigação sobre supostas vantagens indevidas recebidas por Aldo Guedes, ex-presidente da Companhia Pernambucana de Gás, na obra da Refinaria Abreu e Lima. Mais tarde, porém, a decisão foi reformada e o caso foi deslocado para Pernambuco.>
Na primeira vez em que tratou do tema, o Supremo discutiu o caso do ex-ministro Paulo Bernardo (PT). Na ocasião, as apurações identificaram supostos desvios do petista em contratos do Ministério do Planejamento e havia informações sobre a possível participação de sua esposa, a então senadora e atual deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR).>
Como ela tinha foro especial, Moro remeteu o caso para o Supremo. Na corte, devido à importância do tema, a Segunda Turma encaminhou o debate ao plenário.>
Por 9 votos a 2, o tribunal manteve a parte referente a Gleisi na corte e rejeitou pedido do Ministério Público Federal para que as provas contra as pessoas sem foro especial, como Bernardo, retornassem a Curitiba.>
A tese do Ministério Público Federal é que a Lava Jato tratava de uma investigação sobre compra de apoio político partidário, e não apenas de corrupção na estatal petrolífera. Assim, todos os fatos conexos ao esquema do governo federal deveriam ficar em Curitiba.>
Os ministros, porém, entenderam que a atribuição da 13ª Vara Federal de Curitiba se limitava aos crimes da Petrobras e enviaram o processo para a Justiça Federal em São Paulo, onde teriam ocorrido os crimes.>
Meses depois, o STF aplicou a mesma tese a investigações vinculadas à Eletrobras e à Eletronuclear e também retirou os casos da alçada de Moro.>
Ao anular as condenações de Lula na última segunda-feira (8), Fachin alegou que não tomou a decisão antes porque esse entendimento foi aperfeiçoado pelo Supremo ao longo dos anos. O ministro também afirmou que somente agora a defesa do petista apresentou um habeas corpus relacionado diretamente ao tema.>
"Embora a questão da competência já tenha sido suscitada indiretamente, é a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal", disse por meio de novo logo após proferir a decisão.>
Na decisão, o ministro citou como exemplo dessa evolução da jurisprudência do Supremo o fato de, em setembro do ano passado, a Segunda Turma ter retirado de Curitiba até casos vinculados à Transpetro, subsidiária da Petrobras.>
Fachin ficou vencido ao defender a competência da Lava Jato e afirmou que os crimes estavam "associados diretamente ao esquema de corrupção e lavagem" investigados pela operação.>
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo na sexta (12), Fachin reiterou que a decisão de anular as condenações de Lula segue entendimento que aos poucos foi adotado pela maioria dos integrantes do STF.>
Quando o Supremo discutiu o tema pela primeira vez, Fachin ainda não era relator da Lava Jato. Na ocasião, ele seguiu a tese de remeter o processo para São Paulo, posição oposta à dos julgamentos que ocorreram depois de assumir a responsabilidade da operação e antes de beneficiar Lula nesta semana.>
Gilmar Mendes, por sua vez, hoje principal crítico das investigações iniciadas em Curitiba, foi um dos dois votos a favor da manifestação do MPF em relação à competência da 13ª Vara Federal de Curitiba.>
"A pura e simples divisão das investigações não permitiria o acompanhamento do contexto, relegando ao fracasso qualquer esforço sério de persecução", afirmou na ocasião.>
O magistrado defendeu que não deveria ficar na alçada de Moro apenas os casos vinculados à estatal e deu a entender que tudo relacionado ao então governo PT seria de responsabilidade dele.>
Gilmar disse que "não se pode negar que há liame entre os fatos investigados em cada um dos inquéritos da Operação Lava Jato".>
"Sejam os crimes ligados à Petrobras ou não, todos estão inseridos no mesmo contexto. Todos parecem convergir para o já mencionado método de governar.">
O ministro afirmou que o processo penal brasileiro estava "atento à necessidade de reunião de feitos" para evitar enfraquecimento de provas e deixou claro que a competência de Moro ia além da Petrobras.>
"Não interessa que tenha sido usado, como meio para obter os fins, o Ministério do Planejamento, a Petrobras, a Eletrobras, ou outra estatal ou órgão público qualquer. Há uma comunhão dos meios de lavagem de recursos", declarou Gilmar, após dizer que também havia laços políticos entre os atores envolvidos.>
Gilmar, porém, afirmou que não discordava que provas encontradas sem conexão com o fato inicial deveriam ficar com o mesmo juiz, mas disse que não era disso que tratava aquele caso.>
Meses depois, no entanto, o ministro passou a criticar duramente os métodos da operação e já a classificá-la como "maior escândalo judicial da história".>
O debate sobre os limites de competência de cada juiz gira em torno do artigo 76 do Código de Processo Penal (CPP). A regra do Judiciário é que o magistrado responsável pelo julgamento de crimes seja o da região em que o delito foi cometido.>
O dispositivo do CPP, no entanto, define que a competência pode ser deslocada da região do crime caso aquele fato tenha conexão com outra investigação em curso no Judiciário.>
Ao beneficiar Lula, Fachin afirmou que tomou a decisão "em respeito à maioria" que estabeleceu que essa regra de conexão de provas só vale para casos da Petrobras.>
Segundo ele, a denúncia contra o petista trata de desvios em outros órgãos públicos, por isso Moro não deveria ter sido o juiz do caso.>
Essa oscilação de interpretação jurídica dos ministros é criticada por especialistas. O professor da FGV Direito São Paulo Rubens Glezer afirma que essa variação gera insegurança jurídica, transmite uma imagem politizada do Supremo e o enfraquece perante os outros Poderes.>
"É difícil entender exatamente qual o contexto, qual o cálculo que levou a essa decisão do Fachin, mas acho que essa percepção de politização do tribunal é ruim para a corte", afirma.>
Glezer avalia que o argumento de Fachin é razoável e defensável, mas critica o despacho.>
"É o que tenho chamado de catimba constitucional. A decisão é lícita, mas parece ser guiada preponderantemente por uma lógica e por valores que não são estritamente jurídicos", diz.>
O professor de direito da USP Rafael Mafei afirma que a decisão em favor de Lula é mais um exemplo de "inconsistência jurisprudencial" do STF.>
Segundo ele, o problema é que as mudanças de jurisprudências do Supremo geralmente ocorrem em casos de grande sensibilidade política.>
"Fica difícil não desconfiar que possa acontecer decisão por motivações políticas", critica.>
Como exemplo, ele cita a decisão de Gilmar de vetar a posse de Lula na chefia da Casa Civil do governo Dilma em 2016. >
Na ocasião, o ministro tomou a decisão em um pedido feito por um partido político. "O magistrado contrariou seu entendimento estabelecido que, naquelas circunstâncias, não seria cabível mandado de segurança apresentado por partido.">
Mafei também lembra as conversas hackeadas de integrantes da Lava Jato e avalia que essa competência mais ampla da operação era necessária para atingir Lula.>
"Pode ser que olhando o detalhe do caso até se consiga justificar, as pessoas que trabalham nos casos podem dizer melhor. Mas como alguém que olha de fora e hoje consegue interpretar que um dos objetivos da operação era pegar um determinado réu, essa interpretação expansiva era uma necessidade.">
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