Publicado em 27 de março de 2021 às 11:48
- Atualizado há 5 anos
Alvo de ameaça do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o volume de processos sob responsabilidade do juiz Marcelo Bretas partiu da investigação contra o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e atingiu, após quatro anos, da exploração de esmeraldas na Bahia até suposta corrupção em Goiás. >
O aprofundamento das investigações do caso Cabral também alcançou bancos, multinacionais do setor de saúde e grandes escritórios de advocacia, tudo em curso na 7ª Vara Federal Criminal. As apurações estão sob risco a depender da eventual limitação a ser imposta pelos tribunais superiores.>
O magistrado e o Ministério Público Federal apontam conexão entre todas as supostas organizações criminosas envolvidas nas mais de 50 fases da Lava Jato no Rio de Janeiro.>
Gilmar indicou defender limites na atuação de Bretas, à semelhança do que ocorreu com a 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada por Sergio Moro até novembro de 2018.>
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No último dia 8, o ministro Edson Fachin (STF) anulou todos os atos de Moro nas ações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).>
O magistrado entendeu que as decisões não poderiam ter sido tomadas por Moro, em Curitiba, porque não tinham conexão com a Petrobras, entendimento definido pelo Supremo em 2015. Os casos serão retomados agora na Vara Federal do Distrito Federal.>
A ameaça sobre a Lava Jato do Rio foi exposta no último dia 9 por Gilmar durante o julgamento sobre a parcialidade de Moro nos processos de Lula. Ao comentar a retirada de processos de Curitiba, Gilmar disse ver semelhanças com o que ocorre na vara comandada por Marcelo Bretas.>
"Cabia tudo na vara [de Moro]. Como também nessa 7ª vara do Rio. Temos visto casos em que deve ser retirado, porque também ela se tornou algo espiritual. Qualquer coisa tem a ver com [ela]", disse o ministro do STF.>
Relator dos casos da Lava Jato do Rio no STF, Gilmar é um crítico da atuação de Bretas e dos procuradores da força-tarefa há ao menos quatro anos, com troca de rusgas públicas.>
Duas operações já foram retiradas de Bretas pelo TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), sob entendimento de falta de conexão com casos anteriores. Uma terceira está em suspenso pela mesma razão por liminar de Gilmar.>
A lista de operações sob responsabilidade de Bretas surgiu da Operação Saqueador, em curso na 7ª Vara Federal fluminense desde 2016.>
Ela apontava um esquema de lavagem de dinheiro da empreiteira Delta, bem como fraudes em licitações do governo do Rio de Janeiro. A denúncia utilizou as delações de ex-executivos da Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia para apontar irregularidades.>
A Operação Calicute, que prendeu Cabral em novembro de 2016, foi deflagrada por Bretas em razão da conexão com a Operação Saqueador. Ela apontava propinas pagas pela Andrade Gutierrez e Carioca ao ex-governador como parte do esquema da Delta, apurado na Saqueador.>
A sequência de investigações sobre o ex-governador identificou propinas pagas na Secretaria de Saúde, bem como contas no exterior em nome de "doleiros-laranjas" de Cabral e de um escritório de advocacia usado para lavagem de dinheiro. Essas três vertentes são as responsáveis pelos principais desdobramentos da Lava Jato fluminense.>
A partir das contas no exterior de Cabral, o Ministério Público Federal identificou que os doleiros do ex-governador utilizaram uma estrutura montada por Vinicius Claret e Cláudio Barboza, funcionários e sócios minoritários de Dario Messer, conhecido como "doleiro dos doleiros".>
Presos em 2017, eles firmaram delação premiada detalhando suas operações e entregando arquivos que descreviam oito anos de atividade financeira paralela.>
O banco clandestino de Messer movimentou US$ 1,6 bilhão entre 2011 e 2017 e servia de apoio para a operação dólar-cabo para dezenas de operadores financeiros ilegais, segundo as investigações.>
A operação dólar-cabo tem como objetivo fugir do controle financeiro de envio de recursos para o exterior. É feito quando a origem dos valores é ilegal, ou com o objetivo de fugir de impostos. Em ambos os casos, o dinheiro é entregue no Brasil para o doleiro, e uma conta no exterior é indicada para receber valores correspondentes --mediante pagamento de uma taxa.>
A partir das informações de Claret e Barboza, as investigações se estenderam para outros doleiros de todo o país na Operação Câmbio, Desligo, que atingiu mais de 50 operadores financeiros do país.>
Todas as investigações foram autorizadas por Bretas, que afirma haver conexão entre os casos. Para o Ministério Público Federal, que também defende o vínculo, o dinheiro de Cabral era parte de uma engrenagem das operações dólar-cabo de Messer.>
As investigações da Operação Câmbio, Desligo mostram que os depósitos no exterior eram feitos por outras pessoas interessadas em fazer o caminho inverso: recolher dinheiro vivo no Brasil para atividades ilícitas, como pagamento de propina. Claret e Barboza coordenavam o casamento das transações.>
"O dinheiro em espécie do Cabral era entregue a um doleiro, que fazia uso de uma rede de doleiros para enviar o dinheiro ao exterior. Esse envio só é possível porque outro cliente, de outro doleiro, estava fazendo o movimento inverso e depositando na conta do Cabral lá fora (apesar de não saber disso) para receber em espécie no Brasil. Um crime está intimamente ligado ao outro, são interdependentes", disse o procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio.>
A legislação determina que um mesmo juiz trate de processos conexos para evitar decisões conflitantes e para agilizar o julgamento de casos considerados complexos. Desta forma, o magistrado entende o contexto da acusação, desdobramento de outra já analisada por ele.>
El Hage afirma que a experiência do Banestado indica a necessidade de concentração dos processos.>
"No caso Banestado, distribuíram tudo pelo Brasil e no final ninguém foi condenado ou cumpriu pena. Todos [os doleiros investigados no Banestado] caíram de novo na Câmbio, Desligo", afirma o procurador.>
A investigação sobre Messer já se desdobrou em apurações contra o sistema bancário formal. O Ministério Público Federal já apontou falhas no sistema de compliance do Bradesco e do Safra, que supostamente contribuíram com o esquema de envio ilegal de recursos para o exterior.>
Aprofundamentos da Operação Câmbio, Desligo também atingiram operadores financeiros que atuam no comércio popular na rua 25 de Março e até garimpeiros ilegais de esmeraldas e outras pedras preciosas na Bahia --esta última retirada das mãos de Bretas pelo TRF-2.>
Outro desdobramento de relevância da investigação contra Cabral foi a Operação E$quema S, que investigou suposto tráfico de influência por grandes escritórios de advocacia, incluindo parentes de ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do TCU (Tribunal de Contas da União).>
Ela atingiu os advogados Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente Lula, Frederick Wassef, defensor do senador Flávio Bolsonaro, e Eduardo Martins, filho do presidente do STJ, Humberto Martins. Todos negam as acusações.>
O processo teve como origem a delação premiada de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomercio. O acordo foi firmado quando ele era acusado de pagar propina a Sérgio Cabral por meio do escritório de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador.>
A conexão se deu porque o Ministério Público Federal diz ter identificado que Cabral também atuava no tráfico de influência, prática também atribuída aos demais acusados.>
A ação penal sobre o caso foi paralisada por liminar de Gilmar, alegando, entre outras razões, possível ausência de atribuição de Bretas no caso. Para ele, a ação deveria correr na Justiça estadual.>
O ministro do STF também concedeu liminar para suspender a ação penal contra Alexandre Baldy, secretário estadual de Transportes da gestão João Doria (PSDB), em São Paulo. Ele é acusado de ter recebido propina da organização social Pró-Saúde para interceder, junto ao governo de Goiás, pelo recebimento de pagamentos em atraso.>
Bretas atuou no caso porque, segundo o Ministério Público Federal, a entidade pagou a propina com recursos pagos pelo governo do Rio de Janeiro na gestão Sérgio Cabral, onde obtinha metade de seu faturamento.>
O braço da saúde também já atingiu grandes multinacionais. A Phillips firmou acordo de leniência com o MPF reconhecendo práticas ilegais.>
A investigação começou a partir do aprofundamento das apurações sobre a atuação do empresário Miguel Iskin. Inicialmente identificado como corruptor do ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes, a Procuradoria afirma ter identificado que os dois também atuavam no Into (Instituto de Traumatologia e Ortopedia), onde Côrtes havia sido diretor.>
O esquema na unidade envolveu as multinacionais, que também se tornaram alvo de investigações do FBI, a polícia federal dos Estados Unidos.>
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