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É mestre em Ciência Política pela UFMG

Oposição a direitos do trabalhador produz novas formas de servidão

A ideia de que "garantias trabalhistas pioram a vida do trabalhador" foi usada contra a chamada PEC das Domésticas e teve versões semelhantes contra a Lei Áurea (1888), a lei do salário mínimo (1936) e a favor da Carteira Verde e Amarela

  • Deivison Souza Cruz É mestre em Ciência Política pela UFMG
Publicado em 01/08/2021 às 02h01
Carteira de Trabalho e previdência social
Carteira de Trabalho. Crédito: Fernando Madeira

A doméstica Madalena Gordiano viveu 38 de seus 48 anos submetida a trabalho escravo doméstico em Patos de Minas (MG). Madalena não teve respeitada sua infância e juventude, tampouco sua vida pessoal e seus direitos trabalhistas. Resgatada em 2020, comemorou aniversário pela primeira vez em 12 de julho último e, no dia 13, deu-se o acordo que reconheceu seus direitos.

Pensar nesse incidente como exceção desconsidera que, de 1995 a 2020, o Ministério Público do Trabalho resgatou cerca de 55 mil pessoas em condições análogas à escravidão. Embora a maioria ocorra em meio rural, há casos também no meio urbano e doméstico, apesar dos avanços com a LC 150/2015.

Aprovada por 72,9% da Câmara, a LC 150/2015, chamada de PEC das Domésticas, fez seis anos em junho, diminuindo o limbo jurídico de alguns pontos desses contratos. E, apesar da crítica que "geraria desemprego", os dados da Pnad Contínua (IBGE 2012-2021) identificaram que, após sua promulgação, aumentou o número de contratos formais.

A crise pós-2016 reverteu essa tendência. Ao reduzir a renda dos trabalhadores, atingiu também os de renda média, provocando demissão de domésticas. Dispensou-se as faxineiras, delivery de comida, restaurantes e muitos passaram a usar marmitas. Programas de "culinária gourmet" perderam o charme quando a cozinha se voltou ao preparo diário das refeições.

O desemprego e o endividamento fragilizaram famílias pobres. Voltaram a cozinhar à lenha, o consumo de carne vermelha despencou, os jovens perderam a esperança e a fome senta-se à mesa com as crianças. Pesquisas recentes (dez/2020) apontam que o Brasil, segundo maior exportador mundial de grãos, possui entre 45% a 55% de sua população em situação de insegurança alimentar.

A ideia de que "direitos trabalhistas pioram a vida do trabalhador" foi usada contra a PL 150/2015, e teve versões semelhantes contra a Lei Áurea (1888), a lei do salário mínimo (1936), a CLT (1943), lei do 13º (1962); e a favor da Carteira de Trabalho Verde e Amarela (2019), que faculta direitos aos menores de 30 anos; e do PL 2337/2020, que atrela a mudança da tabela do Imposto de Renda ao fim do tíquete-refeição.

Sob o slogan de "porta de entrada" no mercado de trabalho, a jovem "casta verde-amarela" ganhará, nos seus 31 anos de idade, a "porta da rua", ocasião que será contratada nova mão de obra barata (vide a clone Sonmi-451, no filme "Cloud Atlas"). Difícil assim ao "colaborador" contribuir 40 anos para se aposentar aos 70. Restará opção de ser "quase pessoa da família"?

A oposição aos direitos dos trabalhadores mostra, nos anos recentes, a força da modernização conservadora produzindo novas formas de servidão no Brasil. Seguimos ao som da cantilena "liberdade econômica e redução de custos", com o peso da mão escravocrata escrevendo o futuro sobre nossas cabeças: "Liberdade é escravidão", como anotou George Orwell (livro 1984).

Por enquanto, Madalena Gordiano tem destino distinto ao de Bertoleza, personagem de Aluísio Azevedo na obra "O Cortiço".

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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