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É mestrando em Sociologia Política

Informação, imprensa e democracia: é tudo ou nada

É pela informação decente, Estado atuante e imprensa reposicionada no escopo social que vamos salvar a democracia e evitar a barbárie

  • Rafael Primo É mestrando em Sociologia Política
Publicado em 25/11/2022 às 03h00

O fluxo da informação mudou, é como se não fosse mais possível prever se as Cataratas do Iguaçu vão descer ou subir. Absurdo? Parece, mas ainda assim é possível ilustrar o quanto é desorganizado, imprevisível, e antinatural o fluxo da informação, e sobretudo da desinformação, no mundo de hoje.

Um dia a consciência coletiva nos cobrou abandonar as propagandas com belas cenas de esportes radicais praticadas por jovens fumando, que nos conectava ao frescor da juventude, ao glamour e à rebeldia de fumar um cigarro. Na realidade impiedosa, as estatísticas crescentes de mortes causadas pelo cigarro fizeram o Estado tomar para si o papel de condutor de políticas públicas, criando a Lei nº 12.546, de 2011, conhecida como Lei Antifumo, proibindo terminantemente a divulgação de propagandas que incentivassem o uso do produto, indo além, se colocando como o protagonista na campanha de conscientização dos males que fumar pode causar.

Estamos diante mais uma vez da necessidade de o Estado utilizar-se de políticas públicas para ensinar e conscientizar o consumo, mas dessa vez é sobre o consumo de informação. A dinâmica da internet, essa que se monetiza com acessos e produção em massa de informação, seja real ou falsa, seja validada pela academia ou criada no fórum de terraplanistas, circula e circulará livremente em todas as plataformas, pois essa é a matéria prima desse business. Compreender que essa profusão de informações explodem em telas nas mãos de todo tipo de pessoa a todo momento mostra o caráter concorrencial natural da desorganização da web com os protocolos tradicionais da imprensa.

Essa concorrência pela atenção do consumidor gerou uma deformidade na democracia liberal moderna. O fluxo dessas informações mediadas pela imprensa tradicional, aquela que apura, verifica, ouve as partes envolvidas, e entrega quase sempre a coluna central de assuntos importantes, está combalido, anêmico e chocho, simplesmente porque não consegue disputar a atenção dos leitores com as manchetes absurdas que chegam nas plataformas mundo afora.

É aí que o Estado corre perigo, que a democracia corre perigo. A imprensa como mediadora da informação razoável tem que se recolocar nessa disputa, e não é simplesmente vencendo a disputa da atenção do consumidor, até porque falar que vacina é necessária não tem o mesmo sexy appeal de dizer: “Se as pessoas soubessem o que aconteceu na Copa de 98 ficariam enojadas”, boato criado há mais de 20 anos que extrapola o segmento esportivo, e neste ano de eleições foi amplamente usado para alardear as pessoas. Ao compreendermos que se a imprensa disputa o leitor com o mercado da desinformação pelas vísceras ela fatalmente perderá, chegamos ao horizonte da árdua tarefa da próxima década, que é ensinar ao cidadão a consumir informação.

Ainda que alguém fume em 2022, dificilmente encontraremos alguém que fume sem saber que está destruindo sua saúde, e sim, mesmo sabendo que está se aproximando de uma doença terminal, sempre existirá quem opte por fumar. E essa é a lógica que se impõe cristalina na próxima batalha das democracias, que é ensinar a consumir informações. Conscientes de que alguns persistirão “engolindo” desinformação, nem por isso poderemos abandonar essa tarefa fundamental. É pela informação decente, Estado atuante e imprensa reposicionada no escopo social que vamos salvar a democracia e evitar a barbárie. A barbárie que quase eclodiu o ovo da serpente já está com um fedor insuportável que paira no Brasil nesse momento.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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