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É arquiteta urbanista

Feminicídio no Brasil: um tributo à Julieta e a tantas outras

“Sonhar é preciso para novamente acordar”. E Julieta tinha um sonho: viajar de bike sozinha e garantir seu sustento, dignamente, exercendo a atividade lúdica de palhaça

  • Isabella Batalha Muniz Barbosa É arquiteta urbanista
Publicado em 12/01/2024 às 17h33
 A artista venezuelana Julieta Inés Hernández Martínez, que rodava o país de bicicleta, foi morta em Presidente Figueiredo, interior do Amazonas
A artista venezuelana Julieta Inés Hernández Martínez, que rodava o país de bicicleta, foi morta em Presidente Figueiredo, interior do Amazonas. Crédito: Reprodução/@utopiamaceradaenchocolate no Instagram

Acordei sobressaltada: mataram Julieta. Quem? Julieta, a venezuelana cicloativista que viajava sozinha numa bike por esse mundo afora. Vítima de uma emboscada, com estupro e morte, mais uma vida ceifada pela violência.

Enquanto mulher, bate uma atmosfera reflexiva que traz lampejos à escuridão. É assustador nos deparar diariamente na mídia, com imagens das inúmeras mulheres assassinadas no Brasil e no Espírito Santo, com registros e relatos de crueldade. Corpos femininos se transformam em números que faz elevar progressivamente as estatísticas de crimes hediondos contra a mulher.

Essa condição traz inevitavelmente uma profunda melancolia. Perde-se a conta de quantas mulheres já se foram: Julieta, Milena, Thalita, Ana Carolina, Sônia, Dara e tantas outras. As vidas se encerram estupidamente em trajetórias curtas e dignas, de um modo torpe e covarde.

O feminicídio aumenta, assim como atenção sobre a questão, que tende a ganhar força e coesão, especialmente por parte das mulheres, as maiores vítimas da violência. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, uma mulher foi morta a cada 6 horas no país, com um total de 1.437 vítimas de feminicídio no Brasil, ou seja, um aumento de 6,5% em relação a 2021.

Mas não nos deixemos abater. Ao partir para o enfrentamento, faz-se jus às vidas precocemente ceifadas. Protestos eclodem em redes sociais ou em manifestações nas ruas, em todos os lugares clama-se por justiça, demandas por políticas de prevenção e políticas sociais de assistência à família e às mulheres para o combate da violência, de modo que se reduza o número de crimes.

Nós, mulheres, desdobramo-nos em agendas e tarefas domésticas e de trabalho, de modo que, ao final do dia, todas elas estejam cumpridas. Acordar, cuidar, trabalhar: uma rotina repetitiva e, por vezes, extenuante. Sonhar é preciso para novamente acordar e recomeçar.

“Sonhar é preciso para novamente acordar”. E Julieta tinha um sonho: viajar de bike sozinha e garantir seu sustento, dignamente, exercendo a atividade lúdica de palhaça.

Ante a estupidez de vidas interrompidas, paramos e refletimos o contemporâneo de nossa condição ao nos depararmos com noticiário de novos casos que nos paralisam. A saúde mental provavelmente sofre e se abala. Talvez ainda assim tenhamos que prosseguir com a rotina, posto que a repetição dos crimes de feminicídio, mesmo os mais hediondos, de tão frequentes, caem no “comum”.

Esse comum que choca e amedronta, e aquieta novamente. O slogan da ideologia modernizante nos impulsiona a pensar "vida que segue", como uma marcha impositiva. Mas, não, temos que deter a violência que enrijece o sensível. A maturidade ensina a resiliência, o gozo, ora sofrido, ora feliz, apaga-se com o silêncio dos corpos.

Com batom ou sem batom, sigamos na luta por um basta ao feminicídio, sem antes não deixar de romper as lágrimas, e digerir a dor entre palavras que quase não dizem mais nada.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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