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É assessor de investimento

Do mercado financeiro ao mercado da esquina: qual é o impacto do dólar?

Em um mundo cada vez mais globalizado, o dólar é um reflexo do que o Brasil é capaz de oferecer em termos de confiança e estabilidade

  • Felipe Paixão É assessor de investimento
Publicado em 19/01/2025 às 07h00

O dólar protagonizou nas últimas semanas o cenário econômico brasileiro, rompendo a barreira de R$ 6,20 e reacendendo o debate sobre as consequências da desvalorização do real. Em meio a isso, uma declaração do presidente Lula proferida em julho de 2024 voltou à tona: "O povo mais pobre, o povo mais humilde, quando ele tem um pouquinho de dinheiro, ele não compra dólar; ele compra comida." Essa fala, em sua essência, não captura as complexidades subjacentes que envolvem a alta da moeda americana e suas implicações para o dia a dia dos brasileiros.

O impacto da volatilidade cambial vai muito além dos mercados financeiros. De acordo com um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mais de 10% dos produtos consumidos pelos brasileiros são diretamente importados ou possuem componentes indexados ao dólar. No entanto, o efeito da alta cambial não se limita a esses itens.

Muitos outros produtos, embora produzidos localmente, sofrem reflexos indiretos do aumento do dólar, como é o caso do transporte e do frete, que dependem de combustíveis cotados na moeda americana. Dessa forma, quase a totalidade dos produtos comercializados no país acaba impactada, direta ou indiretamente, pelo câmbio, pressionando ainda mais o custo de vida e corroendo o poder de compra da população.

Desse modo, o comentário do presidente reflete uma realidade incontestável: as prioridades da população mais pobre são, naturalmente, a subsistência e o consumo imediato. Porém, a alta do dólar não pode ser tratada apenas como uma preocupação dos mais abastados ou dos investidores. Ela afeta diretamente o prato de comida, o transporte e o acesso à saúde, elementos fundamentais da dignidade humana.

Mas a escalada do dólar tem uma explicação. Ela reflete, em grande parte, a incerteza fiscal do Brasil. O anúncio de um pacote de corte de gastos governamentais considerado insuficiente para equilibrar as contas públicas gerou desconfiança entre investidores, que temem pelo não cumprimento das metas fiscais.

A saída de capitais estrangeiros e o enfraquecimento do real são respostas previsíveis a esse cenário, intensificados pela perspectiva de um fortalecimento global do dólar, fenômeno associado a fatores externos, como a eleição de Trump nos Estados Unidos.

Embora o Banco Central tenha tentado intervir, utilizando reservas internacionais, a estratégia mostrou-se limitada diante da magnitude das forças de mercado.

Para proteger-se desse ambiente de instabilidade, os brasileiros precisam compreender a importância da diversificação internacional nos investimentos. Segundo o estudo da FGV, alocar pelo menos 16% a 18% dos portfólios em ativos no exterior é crucial para neutralizar o impacto da volatilidade cambial. Para famílias de maior renda, esse percentual deve ser ainda maior, permitindo acesso a mercados mais estáveis e setores inovadores.

Essa estratégia não é elitista, mas pragmática. Assim como o dólar afeta o preço dos alimentos, ele também pode ser um aliado quando incluído nas estratégias de proteção patrimonial. Investir em ativos dolarizados é uma maneira de blindar o poder de compra contra as flutuações da moeda nacional.

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Dólar. Crédito: Freepik

De todo modo, a fala do presidente Lula carece de uma análise mais ampla. Não se trata de substituir as prioridades básicas do povo por especulação cambial, mas de criar condições para que o impacto do dólar na economia seja minimizado. Para isso, é essencial fortalecer a credibilidade fiscal, atrair capital estrangeiro e educar a população sobre a importância da diversificação patrimonial.

Em um mundo cada vez mais globalizado, o dólar é um reflexo do que o Brasil é capaz de oferecer em termos de confiança e estabilidade. Enquanto essa confiança estiver em xeque, todos, ricos ou pobres, pagarão o preço. O debate sobre a alta do dólar, portanto, não pode ser reduzido a uma questão de prioridades de consumo, mas deve ser encarado como uma oportunidade para repensar nosso modelo econômico e, acima de tudo, proteger os brasileiros de sua volatilidade.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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