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Discurso de Biden um ano após invasão do Capitólio já nasceu clássico

Presidente dos EUA assumiu o protagonismo e partiu para a luta, ao sugerir que Donald Trump é o verdadeiro culpado pela insurreição de um ano atrás e desafiá-lo abertamente a admitir que é "um ex-presidente derrotado"

  • José Vicente de Sá Pimentel É embaixador aposentado
Publicado em 07/01/2022 às 13h45
O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa durante a cerimônia   de sua posse realizada no Capitólio, em  Washington (DC), nesta quarta-feira (20). Biden se tornou o   46º presidente a assumir o comando do país
O presidente dos EUA, Joe Biden, em Washington. Crédito: PATRICK SEMANSKY/ESTADÃO CONTEÚDO

discurso de Joe Biden desta quinta-feira (6)  já nasceu clássico. Em qualidade literária ombreia-se com os melhores de John Kennedy, sóbrio, mas repleto de bordões, que serão sem dúvida repetidos nas próximas campanhas eleitorais. Além do estilo, o seu impacto político pode se tornar um divisor de águas, ao oferecer aos democratas o estímulo para tomar a iniciativa num cenário que se desenhava desconfortável.

Tratava-se do primeiro aniversário da invasão do Congresso por uma turba de fanáticos, que queriam impedir a ratificação do resultado do Colégio Eleitoral e a confirmação da posse do presidente eleito. A televisão aberta e os canais digitais transmitiram a evolução dos acontecimentos, desde o discurso inflamatório do ex-presidente Trump, que não se conformava com a derrota eleitoral, até o ataque ao Capitólio.

A violência e a destruição eram exibidos ao vivo e pormenorizados em imagens divulgadas nas mídias sociais, em que o desvario debochado dos insurgentes emasculava os símbolos da democracia americana. Houve agressões e mortes. Deputados de ambos os partidos, retirados precariamente do prédio, denunciaram, no calor do momento, a pusilanimidade de Trump, que assistiu a tudo pela televisão e não deu um só comando para que seus apoiadores parassem. O presidente e o líder do Partido Republicano se pronunciaram nesse sentido.

Eis que, sinal dos tempos, as imagens macabras não afetaram os trumpistas, e bastou que algumas pesquisas de opinião verificassem que a maioria dos eleitores republicanos continuavam apoiando Trump para que as lideranças voltassem atrás. Por mais improváveis, as denúncias de fraude eleitoral se alastraram por vários Estados, e o fato de não encontrarem vestígio de falha na apuração encorajava novas denúncias, numa espiral viciosa.

Paralelamente, os republicanos intensificavam esforços para tornar mais difícil a votação popular em áreas de maioria democrata. Se forem bem sucedidos, as eleições legislativas de outubro vindouro podem trazer, entre outras restrições, rezoneamento de seções eleitorais em áreas mais pobres e restrições a votos pelo correio, opção preferida pelos que respeitam as recomendações médicas contra a Covid-19, presumivelmente não trumpistas.

Biden foi eleito com uma plataforma moderada de pacificação dos espíritos, exaustos após quatro anos da hiperexcitação permanente e salaz de Trump, e de revalorização das instituições, desgastadas pelas investidas ardilosas do ex-presidente contra "o pântano de Washington". Insistia em ser "o presidente de todos os americanos" e buscava o diálogo com todos os partidos.

Os resultados do primeiro ano de mandato não foram, porém, alentadores. Os êxitos iniciais no combate à pandemia foram boicotados pela teimosia dos negacionistas e a superveniência da cepa Ômicron. Os programas keynesianos de fortalecimento econômico, com ênfase na economia verde, esbarraram na oposição de representantes de Estados produtores de carvão.

Os democratas pareciam acuados, enquanto os republicanos, atrelados na popularidade que Trump mantém em contingente importante do eleitorado, refestelavam-se com projeções de vitórias nas eleições legislativas de novembro próximo, que lhes dariam maioria no Congresso e amordaçariam de vez o governo Biden.

Esse é o contexto que levou Biden a mudar de estratégia, abandonar as normas de deferência presidencial, assumir o protagonismo e partir para a luta, ao sugerir que Trump é o verdadeiro culpado pela insurreição de um ano atrás e desafiá-lo abertamente a admitir que é "um ex-presidente derrotado", que se esconde atrás de "uma teia de mentiras" sobre fraudes eleitorais jamais comprovadas, e coloca o seu "ego machucado" acima dos interesses do país. Trump reagiu de pronto, dizendo que Biden estaria fazendo "teatro", mas pareceu sentir o golpe, pois adiou para data próxima "um pronunciamento mais amplo" sobre o assunto.

Será o próximo episódio dessa briga, que nos interessa de perto, pois repercutirá nas nossas eleições presidenciais. A identificação do presidente Bolsonaro com Trump é óbvia, a senioridade e a experiência de Biden leva a uma comparação com Lula. Embates ruidosos e frequentes entre os dois poderiam, contudo, encorpar a voz da terceira via, caso essa voz se afirme e acerte o tom e a substância do discurso que o Brasil precisa.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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