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É vereadora de Vitória

Caso Marielle: até quando a violência será o custo das mulheres dentro da política?

Em todas as suas formas de manifestação, essa violência converge para impedir ou dificultar o pleno exercício dos direitos políticos das mulheres, a partir da criação de um ambiente hostil, intimidador e degradante

  • Camila Valadão É vereadora de Vitória
Publicado em 14/03/2022 às 12h13
STF nega transferência de acusado de matar Marielle para o Rio
Marielle Franco era vereadora e foi assassinada há quatro anos no Rio de Janeiro. Crédito: Renan Olaz/ Câmara Municipal do Rio

“Covarde”, “canalha”, “cala a sua boca”, “fica quietinha”, “abusada”, “maquiavélica”, “você não tem moral”, “satânica”, “assassina de bebês”, “isso é o parlamento, quem não tem condições de suportar o parlamento pede para sair”. É possível adicionar a essa repulsiva sinopse as interrupções do tempo de fala, as tentativas de desqualificação, as críticas à aparência ou à forma de vestir e a exposição em redes sociais.

Esse roteiro de violências, sob a aparência de um relato individual, é o retrato da realidade das mulheres em diversos espaços políticos e de poder no Brasil. Como ainda somos raras nesses espaços, as agressões aparecem como casos isolados ou particulares. Por isso, a desnaturalização dessas práticas e sua nomeação como “violência política de gênero” são as estratégias mais eficazes para proteger os direitos políticos das mulheres e a democracia.

Embora a violência política de gênero componha a trajetória de participação política das mulheres no Brasil, vide o tardio direito ao voto, é apenas nos últimos anos que temos conseguido nomeá-la, explicitando seus objetivos e suas principais expressões. Em todas as suas formas de manifestação, essa violência converge para impedir ou dificultar o pleno exercício dos direitos políticos das mulheres, a partir da criação de um ambiente hostil, intimidador e degradante, com a intenção de desestimular, silenciar e nos excluir das diferentes esferas políticas. O seu principal efeito é a manutenção do status quo de dominância patriarcal.

Para manter as mulheres confinadas no espaço privado, reservando aos homens o espaço público, a violência política de gênero atua de muitos modos através da violência psicológica, sexual ou física, abrangendo de sutis comentários sobre aparência à estupros e assassinatos, como o que ocorreu com a vereadora Marielle Franco e seu motorista, na cidade do Rio de Janeiro em 14 de março de 2018 e hoje se configura como marco simbólico para o avanço da discussão acerca do tema no país.

No Brasil, as estatísticas ainda são preliminares diante da recente tipificação e mecanismos de denúncia específicos para o fenômeno. Ainda assim, alguns dados já produzidos explicitam a gravidade. De acordo com a pesquisa “A violência política contra mulheres negras”, realizada pelo Instituto Marielle Franco, das 142 candidatas negras entrevistadas, 98,5% relataram terem sofrido mais de um tipo de violência política. A violência virtual (78%), a moral ou psicológica (62%) e a institucional (53%) foram as mais mencionadas.

Segundo dados da Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados, a violência política de gênero é um dos maiores desafios das casas legislativas no Brasil. Os relatos de parlamentares evidenciam práticas como: a não indicação como titulares em comissões, líderes dos seus partidos ou relatoras de projetos importantes; as constantes interrupções em seus lugares de fala; a exclusão de debates; os questionamentos sobre a aparência física e forma de vestir ou ainda sobre suas vidas privadas (relacionamentos, sexualidade, maternidade).

Para além dos atos diretamente praticados contra candidatas ou ocupantes de cargos políticos, a violência política de gênero também se manifesta por omissões do poder público e das instituições quando não são adotadas as medidas necessárias para coibir e punir esse tipo de prática. Ou seja, o Estado e os seus agentes quando deixam de cumprir os seus deveres constitucionais fragilizam o exercício da democracia e o seu dever de coibir e punir a violência política contra as mulheres.

Com a aprovação da Lei 14.192, em agosto de 2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, esperamos uma atuação mais séria, comprometida e coordenada das instituições, órgãos públicos e entidades da sociedade para garantir a efetivação da igualdade de gênero. Enquanto isso, seguimos resistindo até que todos os corpos possam participar da política de forma igualitária. Vamos “repetir, repetir, até ficar diferente” (Manoel de Barros).

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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