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Sim, eu aceito! Casal renova votos após transição de gênero no ES

Sim, eu aceito! Casal renova votos após transição de gênero no ES

Conheça a história de amor que resistiu à mudança de gênero, enfrentou preconceitos e fortaleceu os laços como família de duas fotógrafas capixabas

Publicado em 21 de agosto de 2020 às 13:31

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Lidiane Maia e Nicole Martinelli se casaram novamente após serem  presenteadas com uma cerimônia simbólica
Lidiane Maia e Nicole Martinelli se casaram novamente após serem presenteadas com uma cerimônia simbólica. (Bernardo Bracony/TV Gazeta)

É de praxe: no altar de uma cerimônia de casamento, o celebrante sussurra os votos que o casal deve repetir a fim de selar o compromisso de amor e respeito, suportando as intempéries da vida, dizendo "sim, eu aceito". No caso das fotógrafas capixabas Lidiane Maia e Nicole Martinelli, o compromisso foi muito além das palavras, pois há 11 anos casaram-se pela primeira vez como homem e mulher, sem nem imaginar que passariam juntas pela transição do gênero masculino para o feminino da Nicole, cumprindo ao pé da letra o "prometo amar-te e respeitar-te por todos os dias da minha vida".

O casal se conheceu aos 19 anos. "Foi amor à primeira vista, lembro do brilho nos olhos dela", conta Nicole, o que também é a versão de Lidiane. Além da conexão imediata, as coincidências aproximaram o casal. "Temos a mesma idade, nascemos no mesmo hospital em Vila Velha, nosso nome está registrado no mesmo livro do cartório, e é o mesmo cartório onde nos casamos um ano depois do início do namoro", lembra Lidiane.

Nicole Martinelli e Lidiane Maia se casaram novamente após serem  presenteadas com uma cerimônia simbólica
Nicole Martinelli e Lidiane Maia se casaram novamente após serem presenteadas com uma cerimônia simbólica. (Bernardo Bracony/TV Gazeta)

Depois de cinco anos de casamento, uma notícia foi muito bem-vinda: Lidiane estava grávida. Bryan, filho do casal, nasceu saudável e muito amado. E, nessa época, também nasceu a coragem de Nicole enfrentar a angústia de se sentir deslocada dentro do próprio corpo, que ainda era masculino.

"Me deu um start e eu comecei a lembrar da minha infância, das coisas que eu sentia quando era criança e precisava reprimir porque meus pais não deixavam. Eu sempre gostei de me maquiar, me arrumar, me sentir feminina, mas fui escondendo isso". 

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Há cinco anos, eu comecei a sentir que finalmente eu poderia ser livre, ser feliz, ser quem eu deveria ser

Nicole Martinelli
Fotógrafa
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E Lidiane foi a primeira a saber dessa decisão, que transformaria a vida do casal.

Casamento das fotógrafas capixabas Lidiane Maia e Nicole Martinelli
Fotógrafas capixabas Lidiane Maia e Nicole Martinelli. (Acervo Pessoal)

A TRANSIÇÃO

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Foi um baque. No início, fiquei muito assustada. Cheguei a achar que era uma crise de identidade passageira. Nem a Nicole entendia. Mas sempre estive lá, fomos pesquisando, aprendendo

Lidiane Maia
Fotógrafa
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Lidiane completa: "Ajudava a pintar, cortar o cabelo, fazer sobrancelha, maquiar, mas, ao mesmo tempo, chocada (risos)". 

"No começo, eu cheguei a tomar os anticoncepcionais da Lidih para tentar recuperar o tempo perdido e me perceber mais feminina logo, mas sei que não é o correto. Depois, conseguimos um psicólogo e um endocrinologista e fui fazendo a terapia hormonal correta", complementa Nicole, que também conseguiu alterar toda sua documentação para o nome feminino como mulher trans.

Para entender melhor, trans é quando a pessoa faz a transição de gênero. Por exemplo: do masculino para o feminino, como aconteceu com a Nicole. 

Nicole Martinelli e Lidiane Maia durante a gravidez
Nicole Martinelli e Lidiane Maia durante a gravidez. (Arquivo pessoal)

VIOLÊNCIA

O Brasil é o país que mais mata a população transgênero no mundo, segundo dados da ONG Transgender Europe. Aqui, a expectativa de vida de uma pessoa trans é de 35 anos, tanto pela violência quanto pelo alto índice de suicídio. "Ter apoio da família, dos amigos, de quem a gente ama é fundamental. Eu sou privilegiada de ter a Lidih", comemora Nicole, que ainda enfrenta os desafios da aceitação de seus pais.

"Muita gente me questiona se a Nicole não foi egoísta. E eu sempre respondi que não, porque ela sempre me deu escolha, ela sempre me perguntou se era isso que eu queria, se eu não gostaria de me separar. E eu sempre respondi que ficaríamos juntas, porque eu amo quem ela é, porque nós somos uma família e isso não muda nada", afirma Lidiane. 

EM FAMÍLIA

Quem conhece a história do casal, além de se surpreender com os desafios que as duas enfrentaram juntas, se encanta com o Bryan. Fruto da união, é uma criança, hoje com 5 anos, apaixonada por plantas e por brincar de carrinho. "O Bryan é a prova de que tudo acontece no tempo certo. Se minha transição fosse antes ou se eu tivesse nascido uma menina cis*, nós não teríamos nosso filhinho, que é uma dádiva, é um presente. É a continuação da nossa história", conta Nicole, emocionada.

Nicole Martinelli e Lidiane Maia com o filho Bryan
Nicole Martinelli e Lidiane Maia com o filho Bryan. (Arquivo pessoal)

Na hora da entrevista para o programa Em Movimento, da TV Gazeta, Bryan, que cresceu acostumado com as câmeras por conta da profissão da família, participou a todo momento, pedindo: "filma eu". Ao ser perguntado pela equipe,  o que elas eram dele, a resposta foi direta, embalada por um sorriso: "São minhas duas mamães" e as abraçou prontamente.

"Eu fico até emocionada pela pureza da criança, que não vê maldade em nada. Apesar da idade, ele está psicologicamente preparado. Ele entende até mais que outras pessoas, que não querem compreender", comenta Lidiane, orgulhosa de sua família: “Eu me sinto completa, não me falta nada. Eu sou feliz e amo minha família do jeitinho que ela é", completa. 

*Menina cis - quando a pessoa se reconhece no gênero que nasceu

DUAS NOIVAS

A história de Lidih e Nicole ganhou até um concurso de casamentos. Elas foram selecionadas no projeto "Nosso Nós", uma iniciativa de profissionais do ramo para promover o amor em tempos de pandemia, sendo presenteadas com uma cerimônia simbólica, ao ar livre, só para as noivas, restrita à presença dos profissionais envolvidos, que aconteceu em uma chácara em Viana. 

Lidiane Maia e Nicole Martinelli se casaram novamente após serem  presenteadas com uma cerimônia simbólica
Lidiane Maia e Nicole Martinelli se casaram novamente após serem presenteadas com uma cerimônia simbólica. (Bernardo Bracony/TV Gazeta)

“Quando eu vi que estava rolando o concurso, perguntei à Nicole se ela gostaria de se casar comigo de novo, porque a gente merecia uma festa”, conta Lidiane, entre sorrisos, e Nicole completa: “Foi mágico, foi emocionante. Ainda não conseguimos nem digerir essa mega oportunidade de registrar um novo capítulo da nossa história”.

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Bryan levou até o altar as mesmas alianças do primeiro casamento, que agora selaram um amor mais maduro, mais aberto e mais intenso que sentem uma pela outra depois de tudo que viveram. "Isso tudo veio para provar que a gente ama é a essência uma da outra. Isso aqui por fora é só uma carapaça, como uma roupa que a gente está vestindo, sabe?", ensina Nicole a lição de um verdadeiro "sim, eu aceito você".

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