Apresentação de 'A Criação' com a Orquestra Sinfônica do Espírito Santo (Oses)
Apresentação de "A Criação" com a Orquestra Sinfônica do Espírito Santo (Oses). Crédito: Lorenzo Savergnini/Divulgação

Orquestra Sinfônica do ES: e fez-se a luz com "A Criação"

É gratificante perceber o crescimento em termos de qualidade de alguns dos naipes da orquestra – e aqui faço uma honrosa menção aos violoncelos e contrabaixos, que soaram muitíssimo bem

Tempo de leitura: 4min
Publicado em 30/09/2023 às 10h00
  • Erico A. Mangaravite

    É delegado de polícia e crítico de música

Neste que é o sexto mês da nova gestão da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo (Oses), o maior dinamismo na forma com que é possível lidar, neste novo modelo, com os problemas cotidianos de uma orquestra mostrou resultados bastante positivos. A chegada de novos instrumentistas permitiu que no concerto desta última quinta-feira (28), quando foi apresentado o oratório “A Criação”, de Joseph Haydn, um número cada vez menor de falhas de conjunto tenha sido notado, quando comparamos o desempenho atual da orquestra com o de temporadas passadas.

Não se engane, caro leitor: com raríssimas exceções, toda orquestra comete alguns deslizes ao vivo. Afinal, são seres humanos, enfrentando as agruras da vida contemporânea, bem como os imensos desafios presentes em partituras tão sofisticadas como é este oratório do compositor austríaco.

Somente um sujeito muito chato passaria um concerto anotando quais falhas ocorreram aqui ou acolá, tal qual Beckmesser, personagem mala-sem-alça da ópera “Os Mestres Cantores de Nuremberg”, de Richard Wagner. No caso da Oses, é gratificante perceber o crescimento em termos de qualidade de alguns dos naipes da orquestra – e aqui faço uma honrosa menção aos violoncelos e contrabaixos, que soaram muitíssimo bem.

Ademais, o Coro Vox Victoria merece todo o nosso reconhecimento: homogeneidade nos timbres (ou seja: felizmente nada que lembre certos corais amadores em que alguns dos componentes se esgoelam a ponto de fazer com que suas vozes se destaquem mais que a dos colegas), volume satisfatório, correta interpretação do texto, postura sóbria no palco. Ressalto ainda a boa afinação nas notas mais agudas e audibilidade adequada das mais graves.

Quanto aos solistas, todos os três estiveram à altura do repertório: o baixo Sávio Sperandio é dono de uma voz volumosa, que corre muito bem pelo teatro, de grande extensão e muito adequada a este tipo de repertório. Esteve muito bem nos duetos com a soprano, de quem falaremos adiante. A melhorar, apenas alguns pequenos deslizes na pronúncia do idioma alemão, mas nada que desabone sua excelente performance, muito aplaudida pelo público.

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Orquestra Sinfônica do Espírito Santo (Oses). Crédito: Lorenzo Savergnini/Divulgação

O tenor Paulo Mandarino soube, com muita inteligência, driblar os desafios do papel. Sabe-se que Haydn o compôs para um tenor amador, um certo Mathias Rathmayer, que era advogado de profissão e possuía vínculos privilegiados com a nobreza vienense. Diz-se que cantava bem, mas o fato é que o tenor em “A Criação” é obrigado a cantar notas graves demais, sobretudo no seu primeiro solo – o que deveria ser vantajoso para Rathmayer, mas certamente não é para a maioria dos tenores.

Mesmo assim, Mandarino se apresentou com muita classe, se destacando nos conjuntos e nos trechos mais confortáveis para a sua voz. Um ponto bastante positivo da participação do tenor foi sua capacidade de adaptar o seu instrumento, capaz de encarar papéis bem mais pesados do repertório lírico, à linguagem clássica do oratório de Haydn.

A soprano Gabriella Pace foi, indiscutivelmente, o grande destaque da noite. Esse tipo de repertório é ideal para seu tipo de voz. Ademais, a artista possui grande musicalidade, excelente domínio do idioma, técnica de altíssimo nível (sendo que o papel demanda alguns desafios como trinados e passagens de coloratura) e um timbre privilegiado. Uma grande atuação.

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Apresentação de "A Criação" com a Orquestra Sinfônica do Espírito Santo. Crédito: Lorenzo Savergnini/Divulgação

Por fim, a regência de Helder Trefzger foi muito correta ao permitir que coro e solistas se apresentassem de forma confortável, recorrendo a andamentos não muito acelerados. Com a avalanche de conceitos trazida pela escola da performance historicamente informada, nos acostumamos, sobretudo nas décadas de 1990 e 2000, a ouvir gravações de “A Criação” a 300 km/h. Felizmente o bom senso parece ter retornado às salas de concerto e, mais recentemente, até as chamadas orquestras “de época” têm respirado mais em suas execuções. Nesse sentido, Trefzger fez escolhas felizes, valorizando assim toda a poesia contida na partitura. Outro destaque foi o controle da sonoridade da orquestra, que em nenhum momento encobriu o coro.

Em suma, em que pese o trânsito no horário que antecipou o concerto ter lembrado a peça introdutória da obra – “A Representação do Caos”-, o público pode sair satisfeitíssimo do teatro. Que venham novas obras para solistas, coro e orquestra em 2024!

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