Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 11:47
Os dez primeiros dias do governo de Javier Milei, que tomou posse na Argentina em 10 de dezembro, foram marcados pelo anúncio de medidas econômicas e por protestos nas ruas de Buenos Aires.>
Durante toda sua campanha à presidência, o ultraliberal prometeu uma "terapia de choque" para solucionar as inúmeras crises do país, desde a inflação de três dígitos até o aumento da pobreza e a escassez de reservas em moeda estrangeira.>
E ele está cumprindo o que prometeu já no início de seu mandato.>
Na quarta-feira (20/12), o novo presidente argentino anunciou, em mensagem gravada transmitida pela televisão nacional, a assinatura de um Decreto de Necessidade e Urgência com mais de 300 medidas para desregulamentar a economia — incluindo a revogação de diversas leis e controles que, do seu ponto de vista, restringem a economia.>
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Em vários pontos de Buenos Aires e de sua província, argentinos bateram panelas em protesto — e centenas de pessoas marcharam pelas ruas da capital argentina em direção ao Congresso, mesmo após governo Milei ter ameaçado cortar benefícios sociais de manifestantes que bloqueassem as vias.>
Antes, apenas dois dias após a posse de Milei, o ministro da Economia, Luis Caputo, já havia anunciado as primeiras 10 medidas econômicas de seu governo. >
Elas incluíam uma nova taxa de câmbio do dólar e o corte de ministérios — e não houve referência a duas das principais propostas que Milei fez durante sua campanha: a dolarização da economia argentina e o fechamento do Banco Central.>
O texto do decreto anunciado por Milei na quarta-feira, que tem 83 páginas e 366 artigos, estabelece a "desregulamentação do comércio, dos serviços e da indústria em todo o território nacional", ao mesmo tempo que confere ao Estado o poder de promover "um sistema econômico baseado em decisões livres".>
O texto diz que "serão nulas todas as restrições à oferta de bens e serviços, bem como qualquer exigência regulatória que distorça os preços de mercado, impeça a livre iniciativa privada ou impeça a interação espontânea da oferta e da procura".>
"Hoje iniciamos formalmente o caminho da reconstrução", disse Milei.>
Num discurso lido, ele apontou o déficit fiscal como responsável pelos males que afligiram a economia do seu país durante o século passado e atribuiu a sua origem a políticos que aplicaram uma "receita" errada.>
"Argentinos, hoje é um dia histórico para o nosso país, depois de décadas de fracasso, empobrecimento e anomalias", disse ele antes de listar 30 medidas. >
Milei fez seu discurso na Casa Rosada, sede da presidência argentina, acompanhado por todos os seus ministros.>
Especialistas em direito constitucional consultados pelo jornal argentino La Nación dizem que o decreto não atende aos requisitos da Constituição. >
Segundo eles, Milei ultrapassou seus poderes, avançando sobre as competências do Congresso. >
Nas redes sociais, o-presidente argentino Alberto Fernández criticou as medidas de Milei, descrevendo o anúncio como um "evento de extrema gravidade institucional nunca antes visto". >
"O Poder Executivo, num ato de claro abuso de poder, avançou sobre as atribuições exclusivas do Poder Legislativo", escreveu Fernández.>
Com o argumento de necessidade e urgência, o governo ordenou a revogação de inúmeras leis, incluindo relacionadas a aluguel, promoção industrial, promoção comercial, entre outras.>
As medidas também preveem a conversão de empresas estatais em sociedades anônimas, uma forma de preparar o caminho para a privatização. >
No caso da Aerolíneas Argentinas, é estabelecida uma autorização para a transferência total ou parcial do pacote de ações.>
O pacote de medidas também procura, segundo o governo, facilitar o comércio internacional através da reforma do Código Aduaneiro.>
Outra área afetada é a medicina privada, além do regime das empresas farmacêuticas — com a intenção de incentivar a concorrência para a redução de custos.>
O monopólio das agências de turismo também é eliminado pela medida e a desregulamentação dos serviços de internet via satélite busca permitir a entrada de novas empresas como a Starlink, do bilionário Elon Musk.>
O decreto assinado por Milei estabelece que a declaração de emergência econômica será prorrogada por um período de dois anos e, como resultado, o governo terá poderes para reformar inúmeras leis por decreto.>
Após o anúncio de Milei, analistas disseram acreditar que sejam apresentados recursos judiciais contra o decreto nos próximos dias — o que poderia afetar quando e como as disposições entrariam em vigor.>
O discurso de Milei estava previsto para ser transmitido ao meio-dia da quarta-feira, mas foi prorrogado devido à alta tensão no centro de Buenos Aires.>
Isso porque, como de praxe no dia 20 de dezembro, passeatas haviam sido convocadas para lembrar vítimas da violenta repressão que marcou o fim do governo de Fernando de la Rúa em 2001.>
Assim que terminou a transmissão do discurso do presidente argentino, em diferentes bairros da cidade de Buenos Aires e sua província, houve panelaços e buzinaços.>
À noite, centenas de pessoas marcharam pelo centro de Buenos Aires com as panelas nas mãos, muitas deles em direção ao Congresso argentino.>
Em alguns bairros da capital, foram ouvidos barulhos de panelas e frigideiras após os anúncios de Milei, uma forma típica de protesto dos argentinos.>
O anúncio ocorreu poucas horas após o governo enfrentar sua primeira marcha nas ruas, apenas 10 dias após tomar posse. >
E ocorreu num dia delicado para muitos argentinos, já que em 20 de dezembro homenageiam-se os mortos nos protestos de 2001, que levaram à renúncia do então presidente Fernando de la Rúa.>
O "decretazo" de Milei — como vários meios de comunicação argentinos apelidaram o pacote — modifica ou revoga cerca de 300 leis em vigor hoje e trará mudanças radicais em setores tão diversos como imobiliário, supermercados, turismo, venda de automóveis, medicina e área de trabalho.>
Segundo o governo, as mudanças eliminarão burocracias e obstáculos que dificultam a vida dos argentinos, e ajudarão a impulsionar setores econômicos atualmente negligenciados, modernizando o Estado.>
Para os críticos, a desregulamentação da economia beneficiará os empresários e deixará desamparados aqueles que já não terão a proteção das regulamentações estatais.>
Alguns também questionaram a legalidade das propostas. Parlamentares da oposição criticaram Milei por "ignorar" o Congresso e modificar e revogar regulamentos sem um debate parlamentar.>
Aqueles que se sentirem prejudicados pelas mudanças provavelmente levarão suas reivindicações à Justiça, que dará a palavra final sobre a viabilidade de muitas das propostas.>
O novo presidente ainda precisa dar detalhes sobre o pacote de leis que pretende enviar ao Congresso e que será a última etapa do seu chamado "plano motosserra" para mudar a Argentina.>
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