Publicado em 20 de dezembro de 2025 às 06:44
Nos últimos quatro meses, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União), outro deputado estadual, TH Joias (MDB), e o desembargador Macário Ramos Júdice Neto foram presos no Rio de Janeiro, com autorização do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).>
Todos eles são acusados de beneficiar, direta ou indiretamente, os negócios do Comando Vermelho (CV) – uma das principais facções de tráfico de drogas do país.>
As defesas de Bacellar e Macário alegam inocência – o primeiro diz não ter atuado para obstruir a investigação, enquanto o segundo diz não ter encontrado Bacellar no dia anterior à operação, nem conversado sobre o assunto. O advogado de TH Joias diz que não teve acesso à decisão judicial.>
As investigações continuam, com possibilidades de também chegar a outros escalões de poder no Estado do Rio, avalia o sociólogo Daniel Hirata, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF (Geni/UFF).>
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Escândalos envolvendo políticos que mantém relações próximas com criminosos não são novidade no Rio de Janeiro.>
Em 2009, a CPI das milícias apontou que vereadores da cidade do Rio e deputados estaduais colaboravam com grupos paramilitares. O Estado já teve cinco ex-governadores presos – todos acusados de corrupção ou irregularidades administrativas.>
Outros casos estamparam o noticiário: a deputada Flordelis, acusada de matar o marido; o vereador Jairinho, investigado pela morte de seu enteado, o menino Henry Borel; Chiquinho Brazão, suspeito de ser o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco. >
Mais recentemente, a ex-deputada Lucinha virou ré por envolvimento com milícias.>
Nenhum havia ainda, no entanto, sido indiciado por suspeitas de envolvimento com o CV.>
"O que é novidade aqui é que, no Rio de Janeiro, a investigação sempre fica nos escalões mais baixos, como o policial que vaza informações sobre operações a criminosos", afirma Hirata.>
"Mas agora estamos falando de um deputado estadual, um desembargador, que é um juiz de segunda instância, e o presidente da Alerj.">
As investigações apontam, por enquanto, apenas TH Joias como membro do grupo criminoso. Mas, de acordo com a decisão do STF, o vazamento de informações pode indicar um esforço de Bacellar para evitar a exposição de outros "agentes políticos" ligados ao CV – e preservar os vínculos com a facção. >
Além disso, até poucos meses atrás, Bacellar era um dos principais aliados do governador Cláudio Castro (PL) e influenciava em decisões ligadas à segurança pública.>
O fio dessa história começou a ser puxado com a prisão de Tiego Raimundo de Oliveira Santos, o TH Joias, em setembro, na Operação Zargun.>
Criado na Zona Norte do Rio, no morro do Fubá, ele é filho de um ourives e se tornou popular por vender joias para celebridades. Mas não fazia dinheiro só com as vendas lícitas de joias, segundo as autoridades.>
Em 2017, TH foi acusado pela Polícia Civil de lavar dinheiro para o Terceiro Comando Puro (TCP), facção rival do Comando Vermelho e que emerge como terceira força do crime organizado do país, e chegou a ter prisão preventiva decretada.>
Em nota enviada à revista Veja, em 2024, ele disse que as acusações estavam "sendo esclarecidas na Justiça, uma vez que seu nome foi indevidamente associado a fatos que não são compatíveis com a sua curva de vida e trajetória profissional".>
Mesmo sob a suspeita de ligação com grupos armados, TH conseguiu mais de 15 mil votos na eleição de 2022, e ficou como segundo suplente de deputado estadual pelo MDB.>
Em maio de 2024, após a morte de Otoni de Paula Pai e a decisão do primeiro suplente, Rafael Picciani, de permanecer como secretário de Esportes do governo de Cláudio Castro, TH Joias assumiu o mandato na Alerj.>
Pouco mais de um ano depois, a Polícia Federal (PF) acusou o deputado de ser membro importante do CV. Segundo a investigação, o deputado ajudava na lavagem de dinheiro do grupo criminoso, intermediava a compra de armas e drones e se reunia diretamente com a cúpula da facção para alinhar planos.>
Os investigadores indicaram ainda que ele transitava com facilidade entre ambientes institucionais e mantinha relações políticas consolidadas, mesmo sendo integrante de uma organização criminosa.>
Na manhã da operação contra TH Joias, Cláudio Castro demitiu Rafael Picciani da Secretaria de Esportes, e ele reassumiu como deputado estadual, automaticamente retirando seu suplente do cargo.>
A decisão impediu que a Alerj analisasse a manutenção ou a cassação do mandato do parlamentar preso, como prevê a legislação. A manobra chamou atenção de Alexandre de Moraes, que citou o caso na decisão que levou Bacellar à prisão.>
Segundo a Polícia Federal, a estratégia teve como objetivo "desvincular a imagem da Alerj do investigado TH Joias que, como é de conhecimento público, era aliado político e presença constante em eventos institucionais dos poderes Executivo e Legislativo".>
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Com o celular de TH Joias, a PF descobriu que Bacellar, então presidente da Alerj, sabia da operação contra o colega e o alertou. Bacellar orientou o deputado a tirar tudo da casa.>
"Ô presida! Não tem como levar não, irmão. Pô, como é que leva?! Tem como levar não, irmão. Esses filhas das puta vão roubar as carnes, hein?", disse TH Joias a Bacellar, a quem também se referia como 01, em vídeo encontrado pelos investigadores.>
Enquanto assistia do celular, em outro imóvel, a entrada dos policiais, TH Joias mandou fotos e vídeos das imagens registradas pelas câmeras, de acordo com a investigação.>
Bacellar não teria avisado nenhuma autoridade sobre a ligação de TH, embora já soubesse do mandado de prisão contra o deputado. No dia 3 de dezembro, o presidente da Alerj foi preso – e alvo de um mandado de busca e apreensão.>
"Essa notícia foi surpreendente, a gente não sabia que ia se romper uma barreira dessas", diz uma fonte que atua na Alerj.>
"Por outro lado, não é incoerente com o que se tornou o convívio do TH lá dentro, não só com o Bacellar, mas também com outros deputados. Ele entrou com alguma rejeição. Mas depois virou amigo dos caras, era um deles.">
Bacellar ficou preso cinco dias. Em 8 de dezembro, a Alerj revogou sua prisão. Alexandre de Moraes concedeu liberdade, mas com exigências: deixar a presidência da Alerj, cumprir recolhimento domiciliar, ficar proibido de se comunicar com outros investigados, usar tornozeleira eletrônica, ter seu porte de arma suspenso e entregar seus passaportes.>
"Essa revogação [da prisão de Bacellar] mistura níveis de comprometimento", diz a mesma fonte.>
"Tem deputados do grupo dele, que têm cumplicidade e, provavelmente, até alguma ciência dessa relação com o TH. Outros não eram próximos a ponto de saber. Mas ele [Bacellar] estabelece relações: coloca gente em cargos na Alerj, arruma espaço no governo. Isso gera comprometimento.">
Na Alerj, prossegue a fonte, "tudo funciona com acordos".>
"Você vai presidir mais comissões se votar no candidato a presidente que venceu. Eles desrespeitam o regimento quando querem. E quem quiser que vá para a Justiça", afirma.>
Procurada pela BBC News Brasil para comentar a respeito destas declarações, a assessoria de imprensa da Alerj não respondeu até a publicação desta reportagem.>
As buscas em celulares dos acusados levaram as investigações a outro patamar alto da estrutura de poder do Rio.>
A PF encontrou indícios de que o desembargador Macário Ramos Júdice Neto era o responsável pelo vazamento da Operação Zargun, que levou à prisão do deputado. Era ele o relator do processo no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).>
Assim como TH Joias, Júdice já havia sido alvo de investigações anteriores. Segundo a PF, ele permaneceu afastado da magistratura por cerca de 18 anos, em razão de suspeitas de venda de sentenças e envolvimento com bicheiros. O processo administrativo prescreveu, e o magistrado foi reintegrado ao Judiciário.>
As mensagens analisadas pela PF também indicam, segundo os investigadores, uma relação de extrema proximidade entre Júdice e Bacellar.>
Os dois trocavam votos de confiança, se tratavam como "irmãos" e declaravam afeto e admiração. Bacellar nomeou Flávia Ferraço Júdice, esposa do desembargador, para cargo na secretaria-geral de finanças da Alerj.>
Júdice escolheu Rodrigo Azevedo Tassari para chefiar seu gabinete. Tassari foi nomeado por Bacellar para exercer um cargo comissionado na Secretaria de Estado de Governo, quando o deputado era titular da pasta.>
No celular de Bacellar, a polícia encontrou prova de um encontro entre os dois um dia antes da operação contra TH Joias. Por volta das 22h, Bacellar enviou uma mensagem informando a uma pessoa que estava "no jantar com o desembargador". Uma hora antes, TH Joias havia mandado o vídeo brincando sobre a impossibilidade de levar todas as carnes guardadas no freezer.>
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O deputado Rodrigo Bacellar teve uma rápida ascensão na Alerj.>
Eleito pela primeira vez em 2018, pelo Solidariedade, o deputado agradou políticos da esquerda e da direita.>
Foi indicado pelo então presidente da Casa, André Ceciliano (PT), como relator de processos importantes, como o que levou o ex-governador Wilson Witzel ao impeachment.>
Com Castro no poder, ganhou ainda mais espaço: ocupou o cargo de secretário de Estado de governo e indicou nomes para cargos importantes no Executivo.>
Em 2023, após ser reeleito, venceu a disputa para assumir a presidência da Alerj. Segundo informações divulgadas na imprensa, Bacellar interferiu na escolha de Castro para o chefe de polícia civil. Em troca da liberação de bilhões do fundo estadual para o governo, ele teria exigido a troca de comando na civil. >
José Renato Torres, secretário da polícia civil à época, soube pela imprensa que seria exonerado do cargo e pediu demissão. Castro então nomeou o delegado Marcus Amim – nome defendido por Bacellar – para o cargo. >
Para isso, o governador precisou mudar uma lei orgânica da Polícia Civil, que reduzia a obrigatoriedade mínima de 15 anos para 9 anos de serviço. Amim tinha 12 anos de Polícia Civil.>
Em nota, os sindicatos dos delegados do RJ e dos policiais civis do Estado, e a Associação dos Delegados de Polícia do RJ criticaram a nomeação. >
"Infelizmente, a prática corriqueira de interferências políticas diretas na escolha do chefe da Polícia Civil pelos mais diversos agentes externos, se tornou tão banal e escancarada no Estado do Rio de Janeiro que não causa mais sequer surpresa ou perplexidade a sociedade carioca. Não se pode normalizar e internalizar sem nenhum questionamento a indicação meramente política para um dos principais cargos da segurança pública do Estado", afirmaram.>
Bacellar negou a interferência. No ano seguinte, no entanto, quando Amim foi exonerado do comando da Polícia Civil, o deputado o nomeou para a Superintendência Militar da Alerj. Amim foi exonerado em 18 de outubro pelo presidente em exercício da Alerj, Guilherme Delaroli (PL).>
A decisão do STF reforça a influência de Bacellar nas decisões tomadas pelo governador Cláudio Castro. >
"A representação também aponta a influência exercida por RODRIGO BACELLAR (...) também no Poder Executivo estadual, onde gere a nomeação de cargos diversos na Administração Pública, inclusive em setores sensíveis à atuação de organizações criminosas, como a Polícia Militar e a Polícia Civil".>
A ligação entre o deputado e o governador era tão próxima que Castro citava Bacellar como seu sucessor no comando do Palácio da Guanabara.>
Em maio de 2025, Castro indicou Thiago Pampulha, vice-governador do Rio, para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. A Alerj aprovou a nomeação.>
Sem um vice oficial, o presidente da Alerj assumiria o governo nas ausências do titular. E ganharia espaço e visibilidade com a possibilidade de Castro deixar o cargo de governador, em 2026, para concorrer ao Senado.>
"O que se noticiou largamente é que Thiago Pampulha abriria espaço para Bacellar, como presidente da Alerj, assumir o governo interinamente, com o afastamento de Castro para concorrer ao Senado. E, assim, se fazer mais conhecido para disputar o governo do estado do Rio de Janeiro", lembra Hirata.>
Na primeira ausência de Castro, Bacellar demitiu o então secretário de transportes, Washington Reis, que apoiava o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSB), na disputa pelo governo estadual, cargo almejado por Bacellar.>
Além da proximidade de Castro com Bacellar, outro ponto da investigação indica possível influência do CV no Executivo. Alessandro Pitombeiro Carracena, subsecretário estadual de defesa do consumidor até o início do ano, também foi preso durante a Operação Zargun. Segundo a investigação, ele recebia e repassava informações sobre operações policiais em áreas dominadas pela facção.>
Em nota, a defesa de Carracena repudiou as acusações. "A medida extrema foi fundamentada exclusivamente em mensagens trocadas entre terceiros, localizadas no celular do deputado Thiego Raimundo dos Santos Silva, nas quais o nome de Carracena é mencionado, sem qualquer indício concreto de envolvimento em atos ilícitos".>
A investigação também aponta tentativas de chefes do CV de cooptar Gutemberg Fonseca, titular da secretaria de Defesa do Consumidor.>
Segundo o relatório final, obtido pelo jornal Folha de S. Paulo, Fonseca teria se reunido com Gabriel Dias de Oliveira, o Índio, membro do CV preso no mesmo dia que Carracena e TH Joias. Apesar de ter "recebido algum tipo de auxílio", o secretário não teria atendido aos pedidos dos traficantes.>
A secretaria alegou que Gutemberg desconhecia a vida pessoal e o histórico de Índio. Disse ainda que qualquer contato em eventos públicos teria sido "de forma absolutamente casual, sem qualquer ciência sobre qualquer envolvimento ilícito".>
Não é só no governo estadual que as facções do tráfico tentam se infiltrar. Na última eleição, Marcos Aquino, do Republicanos, foi o candidato a vereador mais votado na cidade. Ele é irmão de Luiz Paulo Matos de Aquino, acusado pela polícia de fazer parte de um grupo local do CV que movimentou mais de R$ 30 milhões em 2025.>
O vereador estava na casa do irmão, em novembro de 2025, quando a polícia cumpria mandados de prisão na Operação Contenção – Luiz era um dos alvos.>
O vereador não era alvo, mas acabou preso. No carro oficial de Aquino, a polícia encontrou uma arma irregular e caixas de diversos remédios de uso controlado. Em nota à revista Veja, a defesa classificou a prisão como arbitrária e perseguição política. Aquino pagou fiança e deixou a cadeia.>
Em novembro, a polícia civil prendeu outro vereador da cidade, Ernane Aleixo (PL). Ele é acusado de auxiliar o TCP com suporte logístico ao grupo – fornecendo, inclusive, máquinas para erguer barricadas. O vereador não se pronunciou sobre o assunto.>
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