Publicado em 6 de setembro de 2024 às 18:30
Quando o então primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, fez seu discurso no Fórum Econômico de Davos, em 2014, ele se comprometeu com uma meta ambiciosa.>
"O Japão deve se tornar um lugar onde as mulheres brilham. Até 2020, teremos 30% dos cargos de liderança ocupados por mulheres", afirmou Abe, que foi morreu em um ataque a tiros em 2022.>
Foi um anúncio importante para o Japão, tendo em vista que o país estava atrasado em termos de participação feminina no mercado de trabalho, não apenas em comparação com os demais países que formam a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas também em relação a países de mercados emergentes.>
Para atingir seu objetivo de maior participação das mulheres, Abe lançou uma série de medidas que não só facilitariam a entrada delas no mercado de trabalho, como também as incentivariam a subir na pirâmide organizacional.>
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Mas hoje, 10 anos após aquele discurso, a meta está longe de ser alcançada: menos de 1% das empresas do país listadas atualmente na bolsa de valores japonesa é liderada por mulheres — e estima-se que o número de mulheres que ocupam cargos de gestão gira em torno de 14%.>
Na verdade, apenas alguns anos depois daquele discurso, o governo japonês reviu suas previsões e definiu novos objetivos: a meta de liderança feminina foi reduzida para 7% nos cargos públicos de alto escalão, e 15% nas empresas, até 2030.>
Mas, afinal, o que aconteceu? Que impacto essas medidas tiveram na população do Japão?>
No fim dos anos 2000, o envelhecimento da população japonesa começou a fazer soar o alarme em relação à força de trabalho do país, como explicou a analista de mercado do banco de investimento Goldman Sachs, Kathy Matsui, ao programa Business Daily, da BBC.>
"A realidade é que este país está ficando sem gente, e a menos que abram as portas para os migrantes, o que não vejo acontecendo tão cedo, eles vão ter que usar o que está ao seu alcance, que é a população existente", afirmou.>
Matsui foi a primeira a usar o termo womenomics (termo em inglês que combina as palavras "mulheres" e "economia" e poderia ser traduzido livremente como "economia feminina") no Japão, em 1999. >
Em um artigo da época, ela argumentou que, ao incorporar mais mulheres à força de trabalho cada vez menor do Japão, a economia seria impulsionada.>
E para conseguir isso, ela sugeriu a implementação de medidas governamentais, como o aumento da licença de maternidade e paternidade, e a limitação das horas de trabalho para facilitar a vida das pessoas com filhos.>
Em alguns aspectos, as políticas deram resultado.>
"Houve áreas de progresso, e áreas a serem trabalhadas", disse Matsui ao Business Daily.>
"[Vamos falar das] áreas de progresso. Primeiro, desde que escrevi este artigo, o percentual de mulheres japonesas que trabalhavam fora de casa alcançou um máximo histórico pouco antes da pandemia de covid-19.">
"Em segundo lugar, vimos o aumento dos benefícios da licença parental, algo que acredito que ainda é um desafio fora do Japão, para muitos países. O governo japonês aumentou estes benefícios para que hoje, tanto a mãe quanto o pai sejam elegíveis para um ano de licença parental", acrescentou.>
Em terceiro lugar, ela citou: "A transparência em torno da diversidade de gênero melhorou significativamente".>
Mas há pelo menos um elemento-chave que Matsui conseguiu identificar ao atualizar sua pesquisa com dados da última década, na qual as políticas ficaram aquém do esperado: "A principal área que, na minha opinião, continua atrasada é a representação feminina em cargos de liderança".>
"Embora no setor privado [a representação feminina] tenha melhorado nos últimos 25 anos, desde que escrevi o primeiro artigo sobre womenomics, ela ainda está atrás da maioria das outras nações desenvolvidas.">
Em abril, a companhia aérea mais influente do país, a Japan Airlines, anunciou que teria sua primeira presidente mulher: Mitsuko Tottori, que começou sua carreira como comissária de bordo em 1985.>
Isso causou um grande alvoroço no setor corporativo do país. As manchetes dos jornais variavam de "incomum" a "impossível".>
Um site chegou a descrevê-la como uma "molécula alienígena" ou "mutante" por ter começado sua carreira como comissária de bordo em uma companhia aérea que a Japan Airlines havia adquirido há algum tempo.>
Mas, como disse Matsui ao Business Daily, a nomeação de Tottori pode ter sido a arma necessária para começar a romper com as desigualdades do passado.>
"Você não pode ser o que não pode ver. E muitas jovens no Japão que aspiravam ser comissárias de bordo, agora veem que a aeromoça pode ser CEO. E acho que isso não era fácil de dizer no passado, e agora você vê um exemplo vivo, algo que considero muito emocionante.">
Tottori concorda que um dos obstáculos mais difíceis que a sociedade japonesa deve superar para que as mulheres consigam maior representação no mercado de trabalho é romper as barreiras sociais que ainda persistem — e que, para algumas mulheres, constituem a única forma de existir.>
"Acredito que é importante que as mulheres tenham confiança para se tornarem gestoras. E, ao ser nomeada para o cargo mais alto, espero encorajar outras mulheres a tentarem coisas que tinham receio de tentar", afirmou a presidente da Japan Airlines.>
Matsui contou que, por meio do seu trabalho com a comunidade empreendedora no Japão, percebeu que há uma mudança na expectativa dos jovens em relação aos valores do homem na sociedade — e no que se espera do seu papel na família.>
"Não estou dizendo que seja perfeitamente igual, de maneira nenhuma, mas acho que esta geração mais jovem tem um conjunto de valores muito diferente em comparação com a geração de seus pais e avós, o que é muito emocionante e reconfortante de ver, porque é muito mais equilibrado", afirmou.>
"Há menos estereótipos arraigados sobre o que as mulheres devem ou não fazer, o que acredito que vai ser muito positivo e útil à medida que tentamos avançar com esta agenda.">
Há, no entanto, elementos que persistem.>
A jornalista Mariko Oi, da BBC, cobre o tema womenomics há 10 anos, um assunto bastante pessoal para ela, como mãe de duas filhas.>
Por isso, ela diz que se surpreendeu negativamente ao conversar com algumas alunas de uma universidade de Tóquio, onde deu uma palestra sobre jornalismo, e surgiu um tema que ela conhecia bem desde a época de estudante: mulheres que dizem preferir se casar com um homem rico, porque acreditam que nunca vão conseguir um salário que lhes permita ter essa vida.>
"O que mais me surpreende é que a ideia de que as mulheres querem se casar com um homem rico ainda está profundamente arraigada no Japão", afirmou a estudante Sai Kondo à jornalista.>
"Realmente me surpreende que muitas das minhas amigas, muitas altamente qualificadas, escolham empregos administrativos ou cargos em que há uma grande chance de conhecer pessoas, como ser secretária jurídica.">
A jornalista Mariko Oi explica que certos empregos aumentam as chances de as mulheres conhecerem homens bem remunerados.>
"Virar secretária jurídica aumenta as chances de conhecer e se casar com um advogado ou promotor que ganha muito dinheiro.">
A estudante Akiko Kajita disse a Oi que são situações como estas que a fazem pensar sobre o papel da mulher na sociedade do país.>
"Acho que a sociedade japonesa funciona sem problemas porque as mulheres suportam e se calam. E, neste sentido, elas são violentamente e de maneira inconsciente discriminadas.">
Embora haja muito trabalho a ser feito para alcançar algo semelhante à igualdade de gênero no Japão, há áreas em que o progresso não é apenas visível, mas tem sido sustentado ao longo do tempo, de acordo com a jornalista Mariko Oi.>
"Tóquio reelegeu recentemente Yuriko Koike, que se tornou a primeira mulher governadora em 2016, para um terceiro mandato. Enquanto ela agradecia seus apoiadores, me lembrei de como foi importante quando ela foi eleita pela primeira vez.">
"Mas desta vez, parece que os eleitores e a imprensa já estavam acostumados a ter uma governadora e uma candidata mulher", completou a jornalista.>
"Esta eleição para governador foi um bom exemplo: não ouvi falar muito sobre candidatas mulheres. Foi mais sobre indivíduos. Então, acho que isso é uma coisa boa. Além disso, temos mais prefeitas nos 23 distritos de Tóquio", afirmou Elisa Kamiya, vereadora de Setagaya, que faz parte de Tóquio.>
"Está acontecendo bem lentamente, mas acho que está mudando, e está indo em uma boa direção.">
"Precisamos ter muito cuidado com a forma como falamos com nossas filhas para que elas tenham a mente aberta, e possam escolher o trabalho que quiserem. Quando minha filha crescer, espero que a sociedade seja mais flexível, e ela possa escolher qualquer trabalho que queira fazer", acrescentou.>
Oi espera algo semelhante: "Minha esperança é que, quando minhas filhas, que hoje têm 9 e 3 anos, crescerem, não haja sequer necessidade de políticas como a womenomics".>
*Este artigo foi adaptado a partir de uma edição do programa Business Daily, da BBC. Se quiser ouvir o programa completo (em inglês), clique aqui.>
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