Publicado em 27 de julho de 2024 às 13:55
Alguma vez você já abriu sua geladeira e sentiu uma onda de ansiedade?>
Talvez você tenha enfrentado dificuldade para encontrar algo para comer, em meio a um amontoado de geleias, picles, laticínios e embalagens de condimentos pela metade. Ou pode ter se sentido atordoado com tantos restos de refeições embalados em papel-alumínio, sem saber qual deve comer primeiro.>
Talvez você tenha até encontrado um pote esquecido há muito tempo, com conteúdo tão estragado que você simplesmente jogou tudo no lixo de uma vez.>
Se alguma destas situações parece familiar, você não está sozinho.>
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"Muitas vezes, os alimentos se deterioram, causando desperdício, porque você se esquece deles no refrigerador e os encontra estragados mais tarde", segundo o pesquisador de gestão de resíduos Kohei Watanabe, da Universidade Teikyo de Tóquio, no Japão.>
O desperdício doméstico de alimentos é um problema global de proporções alarmantes. No Reino Unido, cerca de 60% de todo o desperdício de alimentos ocorre nas residências. Nos Estados Unidos, este percentual é de 40 a 50%.>
No Japão, as estatísticas são similares. Em 2021, cerca de 47% dos 5,2 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados no país vieram das cozinhas particulares.>
São vários os motivos que levam a esse enorme desperdício doméstico. Mas existem alguns culpados comuns em todos os locais e nas mais diversas culturas.>
Alguns deles são a "perda" de alimentos dentro da geladeira; interpretação errada do significado das datas dos alimentos; a compra por impulso e a falta de planejamento durante as compras no supermercado; e a falta de consciência em geral sobre a necessidade de reduzir o desperdício de alimentos.>
Virtualmente todos os países estão cientes destes problemas e muitos deles tentam resolvê-los. Mas, no Japão, a pressão para encontrar soluções é muito maior.>
O país importa cerca de dois terços da sua comida. E este fator multiplica os custos econômicos e ambientais do desperdício de produtos alimentícios.>
"O Japão é um país que não é autossuficiente no abastecimento de alimentos", confirma a pesquisadora de gestão de resíduos Tomoko Okayama, da Universidade Taisho, em Tóquio. "Importar mais alimentos do que precisamos e jogar fora grande parte deles não é uma boa ideia.">
Okayama e Watanabe são dois dos principais pesquisadores sobre resíduos alimentares do Japão. Eles estudam as causas que levam produtos comestíveis a irem parar no cesto de lixo e tentam usar suas conclusões para criar intervenções baseadas em evidências científicas.>
Seu mais recente projeto aplica técnicas de arrumação da geladeira, para combater uma das principais causas do desperdício: a tão temida geladeira desorganizada.>
"Se pudermos ajudar as pessoas a administrar sua geladeira, podemos fazer com que elas não esqueçam que existe comida dentro dela", afirma Okayama.>
Em 2018, Okayama realizou uma pesquisa entre mais de 500 moradores de Tóquio. A intenção era estudar por que eles descartavam alimentos.>
Como era previsível, os participantes acreditavam, muitas vezes, que produtos frescos haviam estragado ou que alimentos processados não tinham mais sabor agradável. E, às vezes, eles tinham sido simplesmente esquecidos.>
Mas a pesquisa identificou uma séria fonte de confusão que também causa desperdício: muitas pessoas jogavam alimentos fora na data marcada como "melhor consumo".>
As datas de validade e de "melhor consumo" não são a mesma coisa. E nenhuma delas significa, necessariamente, que o produto não pode mais ser consumido – especialmente no caso de alimentos fermentados, segundo Watanabe.>
"Os alimentos realmente estragam em algum momento e seu consumo não será seguro", explica ele. "Por isso, precisamos garantir seu consumo antes que isso aconteça. Mas alguns produtos, como alimentos fermentados, adquirem melhor sabor com a maturidade.">
No Japão e em diversos outros países, a expressão "melhor consumir até" indica a data até a qual o produto está no pico do sabor. Já a data de validade indica o prazo em que o fabricante garante o consumo seguro do produto.>
Mas os consumidores de todo o mundo costumam confundir as duas datas. E, mesmo se um alimento passar da sua data de validade, Watanabe ressalta que os fabricantes são conservadores nas suas estimativas.>
Em vez de simplesmente jogar os alimentos fora, apenas porque eles atingiram a data de "melhor consumo" indicada no rótulo, ele sugere que as pessoas usem literalmente os seus sentidos para certos produtos de baixo risco, como condimentos, produtos frescos, alimentos assados e produtos fermentados, como iogurte e queijo.>
"Cheire, olhe para ele", orienta o pesquisador. "A maior parte dos alimentos fica boa [para consumo] por um período bastante longo depois da validade.">
Okayama e Watanabe perceberam que uma estratégia multidisciplinar de educação comunitária e técnicas práticas de arrumação da geladeira pode ajudar a reduzir o desperdício.>
Eles encontraram parceiros governamentais dispostos a testar a sua técnica na região de Arakawa, no norte de Tóquio. O local já vinha investindo na redução do desperdício de alimentos.>
Desde 2008, o Departamento de Limpeza e Meio Ambiente de Arakawa vinha promovendo um projeto chamado "Operação Arakawa Mottainai" – uma expressão comum no Japão que indica o pesar pelo desperdício.>
Eles haviam tentado diversas estratégias de mudança de comportamento ao longo dos anos, mas tinham dificuldade para avaliar sua eficácia, segundo a chefe do departamento, Yukiko Miyazaki.>
A equipe se instalou em dois complexos de apartamentos em Arakawa, um para a intervenção experimental e o outro como controle.>
Inicialmente, Watanabe e Okayama passaram vários dias examinando cerca de uma tonelada de lixo dos apartamentos. Eles separaram, pesaram e registraram todos os alimentos jogados fora.>
Os pesquisadores encontraram restos de alimentos misturados com frutas e legumes inteiros, pacotes fechados de macarrão, pão, lanches, carnes, molhos, tofu, peixe, bebidas e bolinhos de arroz.>
Belas caixas de biscoitos, chocolates e outros doces intocados ou quase inteiros eram outro tipo comum de produto. Eles indicavam, segundo Okayama, que teriam sido "recebidos de presente, mas ninguém os queria".>
A equipe também observou especialmente a grande quantidade de alimentos fermentados encontrados no lixo, especialmente iogurte. Para Watanabe, isso demonstra falta de conhecimento sobre a deterioração do produto.>
"Os alimentos fermentados ainda estão vivos e, por isso, não estragam com tanta facilidade", explica ele.>
Okayama e Watanabe então realizaram reuniões voluntárias com moradores em um complexo de apartamentos chamado Sky Heights, para falar sobre o projeto.>
Eles deram uma pequena palestra sobre o desperdício de alimentos, falaram sobre as datas de melhor consumo e apresentaram um conjunto de intervenções iniciais – métodos destinados a orientar sutilmente as pessoas a fazerem escolhas positivas de comportamento, sem grandes compromissos.>
As orientações incluíram técnicas de organização inteligente da geladeira, que qualquer pessoa pode tentar adotar para reduzir o desperdício.>
Para os moradores iniciantes, Watanabe e Okayama forneceram uma fita brilhante, com listras vermelhas e brancas. Ela serviria para destacar uma seção do refrigerador, reservada aos alimentos com vencimento próximo, ou para marcar diretamente os produtos que precisam ser consumidos rapidamente, para chamar a atenção.>
Eles também distribuíram bandejas plásticas transparentes sem tampa, para deixar os alimentos que irão estragar em breve mais visíveis e facilmente acessíveis.>
Os pesquisadores também forneceram adesivos ilustrando duas pessoas com as mãos juntas, com a seguinte mensagem: "Não posso comer você. Peço desculpas.">
Eles incentivaram os participantes a colocar um desses adesivos em cada produto alimentício que fossem jogar fora, reservando um momento para internalizar aquela mensagem. Okayama acredita que "a observação é muito importante".>
Duas semanas depois da reunião com os moradores do Sky Heights, os pesquisadores realizaram outra análise de seleção de resíduos. Os resultados foram encorajadores.>
Eles encontraram uma redução de 10% do desperdício de alimentos na área experimental e um aumento de 10% na área de controle. Combinando as descobertas, Watanabe interpreta que a intervenção realmente trouxe uma redução de 20% do desperdício de alimentos.>
Os pesquisadores suspeitam que o aumento da área controle pode ser explicado, em parte, porque o estudo foi realizado em dezembro, mês do hot pot no Japão – um prato que, quase inevitavelmente, gera resíduos.>
Nas pesquisas de acompanhamento com os moradores do Sky Heights, 77% deles declararam terem usado a bandeja plástica, 18% usaram os adesivos e 13% usaram a fita.>
Mas a simples palestra sobre desperdício de alimentos, trazendo o tema para a mente das pessoas, também parece ter sido um fator significativo para a mudança.>
Em março, Watanabe e Okayama apresentaram seus resultados aos 14 moradores do Sky Heights. Durante a reunião, uma moradora – Noriko Nozaki, de 78 anos – declarou que a campanha fez com que ela tomasse conhecimento de "coisas nas quais você normalmente não pensa".>
Ela acabou usando sua bandeja plástica para armazenar latas de cerveja e não alimentos com vencimento próximo. Mas Nozaki conta que, agora, consegue relacionar o desperdício de alimentos na sua cozinha aos grandes problemas mundiais, como as mudanças climáticas e a escassez de recursos.>
"O simples fato de ter algo pequeno na sua mente pode trazer um grande efeito sobre a redução do desperdício", ela conta.>
Hiroko Sasaki tem 82 anos. Sua criação no pós-guerra trouxe o compromisso de nunca desperdiçar comida ao longo da vida.>
Ela conta que ficou com "muita raiva" quando viu as fotos de todos os produtos alimentícios encontrados por Watanabe e Okayama no lixo do complexo de apartamentos.>
"Mas só ficar com raiva não irá resolver o problema", declarou ela. "Por isso, é bom falar sobre a questão e incentivar os outros a fazerem mais.">
Watanabe e Okayama não sabem dizer até que ponto suas conclusões em Arakawa podem ser aplicadas em outros locais do Japão e no exterior.>
Mas eles estão realizando um novo experimento, que reproduz o estudo em 520 residências na cidade de Nagai, na prefeitura de Yamagata. Este estudo poderá incentivar os governos locais do Japão a testar programas similares nas suas comunidades.>
"O custo não é grande", destaca Watanabe. "Se as autoridades locais gostarem da ideia, elas podem aplicá-la em escala com bastante facilidade.">
Miyazaki e seus colegas já pensam em formas de atingir mais moradores de Arakawa, como campanhas de informação e ensinando às crianças sobre o desperdício de alimentos.>
"Nosso desafio é como fazer com que mais residências coloquem as medidas iniciais em prática", explica ela. "Gostaríamos de ajudar a incentivar o espírito do mottainai.">
Mas as pessoas não precisam esperar que os representantes dos governos tomem a iniciativa. Qualquer pessoa pode usar bandejas plásticas, fitas e adesivos, em qualquer lugar do mundo.>
Elas podem também questionar quando um alimento realmente deve ser descartado, segundo Okayama.>
"Jogar comida fora só porque passou da data de melhor consumo é um desperdício de recursos – e também do seu dinheiro.">
Como reduzir o desperdício na geladeira>
* Rachel Nuwer é escritora e jornalista freelancer especializada em ciências, de Nova York, nos Estados Unidos. Sua reportagem no Japão recebeu subvenção do Abe Fellowship Program, administrado pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais, e da Fundação Japão em Nova York.>
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.>
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