Publicado em 12 de setembro de 2024 às 22:00
Morador de Pelotas, no Rio Grande do Sul, o pecuarista Tiago Klug, de 44 anos, decidiu realizar um teste no último domingo (8/9).>
Ele colocou um recipiente branco e limpo no centro do quintal de sua casa depois de ouvir alertas sobre um fenômeno conhecido como chuva preta.>
“Escolhi um lugar distante de muros ou telhados, para que a água depositada na vasilha caísse diretamente das nuvens, sem ter contato com telhados ou muros”, explica Klug.>
Ao checar o recipiente no dia seguinte, ele notou que tinha uma coloração escura incomum na água da chuva coletada.>
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"Nunca tinha visto nada parecido. Achei a coisa mais triste", diz o produtor rural à BBC News Brasil.>
Além de Pelotas, a chamada chuva preta foi observada em municípios próximos como Arroio Grande, São Lourenço do Sul, São José do Norte e na região de fronteira com o Uruguai.>
Fotos da água escura coletada por moradores foram compartilhadas nas redes sociais.>
Também ocorreu concentração de sujeira sobre casas, automóveis e instalações de infraestrutura.>
Com o avanço da chuva para o restante do território gaúcho, há expectativa de que o fenômeno se repita em outras regiões do Estado.>
A massa de ar frio proveniente da Argentina e do Uruguai, ao encontrar a fumaça de queimadas que cobre todo o Rio Grande do Sul, pode provocar mais chuva preta.>
O Estado apresenta nesta quinta-feira (12/9) uma das maiores concentrações de fumaça da América do Sul, segundo o site MetSul Meteorologia.>
Meteorologistas também dizem que a chuva preta pode ocorrer em cidades de Santa Catarina e Paraná.>
A meteorologista Estael Sias, do MetSul, explica que a chuva preta é resultado da mistura da água com a fuligem carregada pela fumaça.>
“A fuligem é constituída de nanopartículas de carbono negro produzido pela queima incompleta de combustível fóssil, material orgânico e outros”, afirma Sias.>
“Quando a queima é incompleta, as nanopartículas são levadas para a atmosfera pela fumaça.”>
A direção do vento, a 1,5 mil metros de altura, determina para onde é conduzida a fumaça, explica a meteorologista.>
“Quando há vento do norte para o sul, a fumaça é levada para a Argentina, para o Uruguai e para o sul do Brasil, como aconteceu ontem (11/9).”>
Misturadas à umidade das nuvens, as nanopartículas de carbono negro podem atuar como núcleos de condensação, em torno dos quais formam-se gotas de chuva.>
“Hoje (12/9), com a chuva avançando, a atmosfera começa um processo de limpeza dessa fumaça, do carbono negro. É o resultado da chuva limpando a atmosfera”, resume Sias.>
A meteorologista explica que o fenômeno é uma chuva contaminada, mas não necessariamente tóxica>
“Uma vez que está transportando carbono negro, tem, no máximo, o efeito de sujar as superfícies no solo”, afirma Sias.>
Segundo Gilberto Collares, professor de Engenharia Hídrica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), eventuais danos oferecidos à saúde pelo fenômeno dependem de medição adequada.>
“A chuva preta pode provocar alguns danos, mas se imagina que a fumaça tenha sido produzida pela queima de material orgânico, ou seja, de florestas e pastagens”, diz Collares.>
“Se, além desses componentes, houvesse resíduos industriais de potencial tóxico, ocorreria o que se chama de chuva ácida, potencialmente muito mais perigoso.”>
O pesquisador considera que, embora toda água da chuva que não seja límpida e cristalina inspire cuidados, na maioria das vezes, pode ser consumida após ser submetida a um processo adequado de filtragem.>
“Não se imagina que a água para consumo humano nas regiões urbanas, onde existem redes de tratamento, possa ser afetada pelo que está acontecendo”, observa.>
Um dos comportamentos a ser evitado é o pânico por causa da chuva preta, dizem especialistas.>
“A gente não pode ser tão rígido, porque a população precisa de água. Temos de reduzir o risco de pânico, de maneira responsável”, diz Collares.>
“Vivemos muito isso durante a enchente [de maio deste ano]. As pessoas vão passar por essa situação, e temos de tratá-las com acolhimento e carinho.”>
Apesar do aparente baixo potencial de dano, Collares diz que o episódio indica o quanto a população está vulnerável diante das mudanças climáticas.>
“Em Porto Alegre, autoridades recomendaram que escolas não realizem atividades ao ar livre com alunos pelo menos até domingo. São coisas com as quais a gente vai ter de conviver”, afirma.>
O Rio Grande do Sul começou a ser alcançado pela fumaça produzida pela onda de queimadas no Brasil central em meados de agosto.>
A fuligem, transportada por ventos denominados de “jatos de baixos níveis” ou, popularmente, corredores de vento, atingiu também a Argentina e o Uruguai.>
Durante vários dias, a névoa impediu que o sol brilhasse com toda a intensidade, provocando o chamado “sol vermelho”.>
Em Porto Alegre e outros municípios gaúchos, a fumaça somou-se a uma massa de ar frio e à umidade para produzir calor incomum no final do inverno, com temperaturas chegando a 36ºC.>
Em Porto Alegre, o uso de máscaras faciais, raro desde o fim da pandemia do novo coronavírus, voltou a ser observado nas ruas em razão da fumaça nos últimos dias.>
Além da recomendação às escolas, a prefeitura recomendou que pessoas com sintomas respiratórios busquem atendimento médico e que toda a população se mantenha hidratada, evite ambientes abertos e mantenha portas e janelas fechadas.>
A piora da qualidade do ar no Rio Grande do Sul levou a empresa suíça IQAir a classificar a capital gaúcha como segunda metrópole mais poluída do mundo na terça-feira (10/9), atrás apenas de São Paulo. A classificação baseia-se em imagens de satélite.>
Para Klug, além de constituir uma imagem triste, a chuva preta causa incômodo profissional.>
Ligado ao agronegócio, o consultor preocupa-se com a frequente associação entre a atividade e as queimadas que devastam o centro do país.>
“Sou da preservação e do cuidado com o ambiente. Há agropecuaristas que queimam florestas, mas também há pessoas que tocam fogo apenas por motivação criminosa.”>
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