Publicado em 20 de outubro de 2024 às 17:30
A decoração do novo estúdio da TV BRA é rosa-choque. Essa é cor favorita de dois repórteres da estação, Emily Ann Riedel - que está usando uma blusa rosa na visita da reportagem - e Petter Bjørkmo. >
"Eu até tinha cabelo rosa!", Bjørkmo conta, rindo, antes de acrescentar que teve que mudar de cor "porque eu sou um repórter - repórteres têm que ter uma aparência decente".>
Todos os repórteres da TV BRA - que significa TV Boa - são pessoas com deficiência ou autistas; a maioria tem deficiência de aprendizagem.>
Toda semana, eles fazem um programa de uma hora cobrindo notícias, entretenimento e esporte, transmitido em uma importante plataforma de streaming norueguesa, a TV2 play, bem como no aplicativo e site da TV BRA.>
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O programa é apresentado em norueguês simples e é mais lento do que os noticiários tradicionais, o que o torna muito mais fácil de acompanhar. Entre 4 mil e 5 mil pessoas assistem toda semana.>
Os 10 repórteres da estação estão espalhados pelo país, onde trabalham como correspondentes de notícias locais.>
Riedel, que tem Síndrome de Down, vive e trabalha na cidade litorânea de Stavanger. Ela teve que aprender a conter sua personalidade efusiva.>
"Eu tenho que seguir o roteiro e não falar sobre coisas pessoais — porque aqui é sobre as notícias. Quando trabalho aqui, tenho que ser muito profissional", diz ela. >
Embora esteja Riedel na estação há anos, algumas coisas ainda são novidades, como o rímel que ela usa antes de aparecer na câmera - que ela diz que pesa em suas pálpebras.>
"Não preciso disso porque sou bonita", Riedel diz com um sorriso. "Tenho beleza interior e exterior.">
"É isso mesmo", ri Camilla Kvalheim, editora-chefe da estação - e também, atualmente, maquiadora. "Mas no estúdio, com luzes pesadas, você parece mais pálida.">
Kvalheim e uma pequena equipe técnica que não têm deficiência produzem e editam todas as reportagens.>
Embora Riedel e seus colegas tenham leves dificuldades de aprendizagem - eles falam inglês bem e viajam sem ajuda - algumas coisas são um desafio.>
Os apresentadores frequentemente precisam reler uma frase muitas vezes para obter uma boa tomada.>
"Às vezes pode ser difícil dizer o que está nos teleprompter, então temos que fazer isso várias vezes", diz Kvalheim.>
Ela também precisa fornecer treinamento para sua equipe, que não estudou jornalismo na universidade antes de ingressar na estação de TV.>
No entanto, suas expectativas em relação à equipe são altas.>
"Ela diz: 'Você pode fazer isso de novo? Pode repetir o que disse? Pode olhar diretamente para a câmera?'", conta Riedel. "'Quero que você esteja perfeita — isso é muito importante.'">
"E quando ela está orgulhosa, quando terminamos, ela diz: 'Gostei dessa parte! Gostei dessa parte! É isso que quero ver! Use sua energia para ser o melhor que puder!'">
Pessoas com deficiências de aprendizagem podem ser prejudicadas por feedback excessivamente positivo, o que as impede de desenvolver suas habilidades. Isso não é um problema aqui.>
"Se vamos ser vistos pelo público, temos que ter uma aparência profissional", diz Kvalheim sem se desculpar. "Se eles vão ser respeitados como repórteres e jornalistas, precisam seguir os padrões éticos de outras organizações de notícias.">
As origens da TV BRA começaram há mais de uma década, quando Kvalheim trabalhava como professora para pessoas com deficiência de aprendizagem em uma casa de repouso em Bergen e decidiu seguir sua paixão por cinema.>
Ela descobriu que, assim que pegava uma câmera, a dinâmica entre ela e as pessoas com quem estava trabalhando mudava.>
“De repente, quando estávamos trabalhando juntos nesses filmes, éramos uma equipe, éramos um time. Não era eu acima deles — éramos iguais”, lembra Kvalheim.>
Ao descobrir que seus colaboradores criativos tinham muito a dizer sobre o mundo, ela foi encorajada a continuar o trabalho.>
Agora a televisão é uma rede nacional, com um estúdio adequado — mas Kvalheim admite que seus repórteres não recebem o mesmo que colegas de outras redes de TV. >
O canal recebe financiamento estatal e ganha dinheiro fornecendo à TV2 um programa semanal, mas o orçamento é apertado.>
A equipe, no entanto, é motivada por outras coisas além de dinheiro. >
Na Noruega, como em todos os países, pessoas com deficiência de aprendizagem enfrentam problemas que vão desde baixas taxas de emprego até acesso a suporte e moradia. >
Ser capaz de entender as notícias capacita a comunidade em geral a fazer campanha sobre essas questões.>
Uma reportagem recente de Petter Bjørkmo é um exemplo. >
Ele visitou uma mulher com deficiências de aprendizagem mais graves, que vive em um abrigo em Trondheim. >
"A cidade — o governo — quer tirar as compras dela", ele diz, referindo-se ao orçamento que ela recebe todo mês para fazer compras com ajuda de uma assistente social.>
"Eles disseram que ela tem que comprar na internet. Mas ela não consegue! Como ela não fala muito bem, é difícil para ela entrar na internet para comprar comida. Ela precisa de ajuda!">
A reportagem de Bjørkmo obteve uma "resposta entusiasmada" dos espectadores, diz Kvalheim, embora não tenha feito o governo local repensar sua posição.>
"A TV BRA é muito importante", concorda Svein Andre Hofsø, outro repórter. "Porque estamos falando sobre pessoas com deficiência e quais são nossos direitos na vida real.">
Hofsø, um correspondente em Oslo, era bem conhecido antes mesmo de entrar para a TV BRA.>
Ele interpretou o personagem principal em um filme de 2013, Detective Downs. >
Antes da última eleição parlamentar, em 2021, Hofsø teve a chance de vestir seu chapéu de detetive novamente, mas desta vez seu trabalho era interrogar vários políticos sobre suas propostas.>
Uma dessas sequências o mostra sentado em um banco do lado de fora do prédio do parlamento em Oslo, fingindo ler um jornal. >
Um político, Jonas Gahr Støre – o líder do Partido Trabalhista – passeia do lado de fora, mas atrás de um pilar, um colega do jornalista está esperando para emboscá-lo. Enquanto Hofsø observa, o homem joga uma rede sobre o desavisado Støre.>
Na próxima cena, vemos Støre em uma cadeira em um porão. >
Hofsø aponta uma lâmpada para seu rosto e mostra a ele fotos de pessoas com deficiência parecendo tristes e solitárias. "Se votarmos em você, o que você fará por nós?">
Støre então explica quais seriam suas políticas para pessoas com deficiência. E depois da eleição, ele de fato se tornou primeiro-ministro.>
Camilla Kvalheim ri quando relembra o encontro. >
“Foi muito engraçado. Toda vez que o encontramos desde então, ele diz: ‘Ah – você vai me pegar com aquele rede?!’”, conta Kvalheim.>
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No dia em que a BBC visita a TV BRA, o canal recebe também uma visita de Silje Hjemdal, uma parlamentar do Partido do Progresso, de direita.>
Uma equipe de quatro repórteres a questiona sobre tudo, de estradas a imigração, e o que ela pensa sobre os planos para o novo e luxuoso teatro nacional em Oslo.>
Kvalheim também participa, conduzindo as perguntas.>
As respostas de Hjemdal são sérias, mas também há um calor no encontro; ela é uma apoiadora de longa data da estação. >
"Muitos políticos agora sabem o que é a TV BRA, então eu diria que é um grande, grande progresso, apenas nos últimos cinco anos", ela diz.>
A TV BRA não é o único canal notícias de TV apresentado por pessoas com deficiências de aprendizagem, mas é o maior. >
Programas semelhantes, embora menores, existem na Islândia e na Dinamarca. >
Já Eslovênia, Holanda e vários outros países oferecem um serviço de "notícias fáceis" — reportagens simplificadas, embora não apresentados por pessoas com deficiência de aprendizagem.>
Para os espectadores da TV BRA, esse tipo de serviço é essencial.>
"Acho que esta emissora de TV é realmente importante para nossa comunidade", diz Anne-Britt Ekerhovd, uma fã da emissora, que tem uma deficiência de aprendizagem. >
"Eles explicam as coisas muito bem. Em notícias diferentes, como a NRK, eles explicam de forma muito difícil para entendermos. A TV BRA é muito mais fácil de entender.">
Outra fã da emissora, Espen Giertsen, concorda. "Há algo especial nisso — eles têm um jeito novo de fazer TV", afirma.>
Os repórteres da TV BRA estão muito conscientes do papel importante que têm em servir a esse público frequentemente negligenciado.>
“Se eles têm toneladas de peso sobre si, quero que eles o levantem, para poderem ser livres, para poderem se sentir aceitos”, diz Emily Ann Riedel.>
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