Publicado em 22 de janeiro de 2025 às 07:44
Quem busca "moda modesta" em qualquer rede social — Instagram, Tik Tok, Facebook, Pinterest — encontra uma infinidade de influenciadoras de moda com um estilo marcado por vestidos e saias de comprimento midi (abaixo dos joelhos), cores discretas, pouco decote, pouca pele exposta — mas tudo muito tradicionalmente feminino.>
A tendência em geral está ligada a uma forma de se vestir mais discreta para mulheres regulada pela religião, explica a consultora de moda Thais Farage. No Brasil, são influenciadoras evangélicas, mas nos EUA e na Europa também há mulheres muçulmanas ou judias ortodoxas alavancando o estilo.>
E a tendência não é nova: o termo "moda modesta" passou a ser buscado com frequência a partir de 2018, segundo o Google Trends, e desde então o interesse no tema só cresceu.>
Mas nos últimos tempos há um novo fenômeno em curso: essa estética tem passado para outros ambientes que não são necessariamente ligados à religião.>
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O estilo aparece no mundo fashion, com cada vez mais grifes abraçando a estética em campanhas publicitárias e cada vez mais marcas de fast fashion disponibilizando roupas que agradam às adeptas da "moda modesta".>
A forma de se vestir de Melania Trump na posse de Donald Trump como presidente dos EUA, na segunda (20/1), é uma ótima representação do estilo.>
"Tradicional, comportada, mas com cintura marcada, muito feminina. Repare que ela não usou calça, estava com as pernas de fora mesmo no frio de -13º em Washington", diz a consultora.>
Melania não é conhecida por ser especialmente religiosa, mas, como primeira-dama de Trump, está em uma posição perfeita para representar essa estética.>
"Até agora, Kate Middleton era o exemplo perfeito do estilo no mundo. Mas Melania Trump também pode se tornar um símbolo disso", afirma Thais Farage.>
O sucesso da "moda modesta" está intimamente ligado ao conservadorismo que tem marcado a política no Brasil e o mundo — e do qual Trump é um dos principais expoentes. >
"O mundo da moda gosta de acreditar que dita as tendências, mas, na verdade é o contrário. A moda está sendo afetada por esse comportamento que está mudando, que está se voltando para o conservadorismo", afirma Farage. "A moda é parte da cultura, ela é um reflexo do que está acontecendo na sociedade.">
Um exemplo é que o estilo de se vestir das chamadas tradwives, "esposas tradicionais", que defendem que o papel da mulher é cuidar do marido, da casa e dos filhos, também se encaixa na "moda modesta".>
No Brasil, o estilo reflete uma mudança no próprio meio evangélico. "Se antes as igrejas viam o mundo da moda como uma tentação, como algo negativo e perigoso, agora elas perceberam que esse lugar da influenciadora de moda é muito forte", afirma Farage.>
"A 'moda modesta' não é 'anti-fashion'", explica a consultora. "Ela não é contra o consumo, contra tendências, ela não está desconectada do resto do que está acontecendo no mundo. O estereótipo de roupas religiosas como feias, cafonas, sem graça, há muito tempo está ultrapassado.">
O estilo - e os valores que estão ligados a ele - também afetam outras tendências de moda que as pessoas não costumam associar a religião.>
"Estamos falando de uma cultura que valoriza muito o tradicional, que fala muito sobre elegância, há uma obsessão, especialmente no Brasil, com parecer elegante", diz Farage. "Hashtags que não são ligadas a religião, como clean beauty, old money, clássico, minimalismo, também tem muito a ver com esse estilo.">
"É um estilo no qual tudo o que é sexy não é elegante. Também rejeita tudo o que é muito colorido, muito chamativo. O sofisticado é o discreto", afirma a consultora.>
"Isso não é necessariamente ruim — por um lado é uma rejeição à ideia de mulher como objeto sexual. O perigo é que, ao opor o sensual ao elegante, é muito fácil cair em um moralismo.">
No campo progressista, também há quem adote um estilo que rejeita a sexualização da mulher. Um exemplo é a cantora Billie Eilish, que no início da carreira se vestia somente com roupas largas, confortáveis, com camisetas compridas que não marcavam o corpo.>
"A diferença é que, na 'moda modesta', não pode haver uma neutralidade de gênero ou uso de roupas consideradas masculinas. Tudo tem que ser muito feminino", afirma Thais Farage.>
Mas como um estilo que preza por não mostrar o corpo funciona em um país quente como o Brasil?>
"Existe uma frase que vi muito entre influenciadoras de moda modesta que é 'se piriguete não sente frio, a mulher modesta não sente calor'", diz Farage.>
Ou seja, diz a consulta, não é um estilo onde o conforto ou o bem-estar são a prioridade. "Estamos falando de uma moda que, se não é regulada pela religião, é regulada pelos valores conservadores. O conforto não é prioritário.">
Mostrar a pele não é o único hábito cultural brasileiro que não parece se encaixar na estética da "moda modesta".>
Maximalismo, estampas chamativas ou muito coloridas, unhas cumpridas também não fazem parte do estilo.>
"É um estilo muito marcado pelas influências europeias. De certa forma, é uma rejeição do tropical, do que se considera — ai com muitas aspas — uma 'selvageria sensual latina'.">
Adaptada ou não aos trópicos, a 'moda modesta' está cada vez mais presente e influente no Brasil. "Não é uma moda passageira", diz Farage. "É reflexo de uma mudança cultural, e mudanças culturais não acontecem de uma hora para a outra." >
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