Publicado em 30 de maio de 2023 às 07:46
Em 2015, quando tinha apenas 24 anos, a técnica em segurança do trabalho Jocilene Emanuele Medina procurou um pronto-atendimento em Pains, em Minas Gerais, onde mora, ao ter um episódio de vômito, vertigem e desequilíbrio.>
Após passar por consulta médica e fazer alguns exames, ela foi encaminhada para um otorrinolaringologista onde recebeu o diagnóstico de labirintite.>
Mesmo seguindo o tratamento indicado, Manu, como é mais conhecida, conta que os sintomas não melhoravam e ela passou a perder a visão do lado esquerdo. >
Preocupada, ela procurou um oftalmologista. "O médico notou que eu estava com uma inflamação no nervo óptico e decidiu pela minha internação imediata. Fiquei assustada, não imaginava a gravidade do meu caso", diz.>
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Nos 15 dias de internação, mesmo com diversos exames realizados, os médicos ainda não haviam fechado um diagnóstico sobre o que estava acontecendo com Manu. >
Foi só depois de um ano e meio de investigação que o diagnóstico de esclerose múltipla chegou. >
"Fiquei sem chão ao receber a notícia. Acho que a fase inicial do diagnóstico é a mais difícil para o paciente. Ter 'fácil' acesso à informação na internet, por exemplo, nos desespera ainda mais", afirma Manu.>
A esclerose múltipla é uma doença neurológica, crônica e autoimune, em que as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, causando lesões no cérebro e na medula.>
O dia 30 de maio é considerado o Dia Mundial da Esclerose Múltipla - uma data eleita com o objetivo de levar informações sobre a doença à sociedade. >
A ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla) estima que cerca de 40 mil brasileiros possuem a doença, que atinge geralmente pessoas jovens com idade média entre 20 e 40 anos, sendo mais comum entre as mulheres e pessoas da raça branca.>
A causa da doença, assim como por que ela é mais comum em mulheres jovens, ainda são questões em aberto para a ciência.>
Há, no entanto, algumas pistas de por que este grupo representa a maioria dos diagnósticos.>
Uma das teorias é que as flutuações dos hormônios sexuais durante os anos reprodutivos poderiam influenciar a resposta imunológica e aumentar o risco de desenvolver a doença.>
Estudos sugerem que outro fator é o um componente genético - genes específicos seriam responsáveis, em parte, pela suscetibilidade das mulheres à esclerose múltipla.>
Além disso, a resposta imunológica geralmente mais forte nas mulheres pode contribuir para uma maior atividade inflamatória no sistema nervoso central, o que aumenta o risco de desenvolvimento da doença.>
É importante destacar que a esclerose múltipla não é um tipo de demência, como muitas pessoas erroneamente pensam. >
Segundo o neurologista e coordenador médico do Centro de Excelência em Esclerose Múltipla do Einstein, Rodrigo Thomaz, a palavra "esclerose" refere-se ao "endurecimento" que ocorre no cérebro e na medula espinhal dos pacientes com o quadro.>
"É possível observar a formação de pequenas placas com cicatrizes endurecidas ao toque.">
A esclerose múltipla tem como principal característica a perda neurológica. Nas pessoas que têm a doença, as células imunológicas invertem o seu papel - em vez de protegerem o sistema de defesa, passam a atacá-lo, produzindo inflamações. >
Essas inflamações afetam a bainha de mielina – uma espécie de capa protetora que reveste os neurônios responsáveis por levar os impulsos do sistema nervoso central para o corpo e vice-versa, fazendo com que as funções coordenadas pelo cérebro fiquem comprometidas. >
Além dos fatores específicos que relacionam as mulheres à doença, pessoas com predisposição genética para doenças autoimunes e que são expostas a fatores ambientais como infecções virais, tabagismo, obesidade e níveis reduzidos de vitamina D, também são consideradas como grupos de maior risco para desenvolver o quadro.>
"A redução do risco de desenvolver a esclerose múltipla é questionável, uma vez que a doença tem componente genético que aumenta o risco de alteração no funcionamento do sistema imunológico. No entanto, o controle dos fatores ambientais pode, sim, interferir nas chances de apresentação da doença", diz Claudia Vasconcelos, coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia. >
"Os sintomas e sinais da esclerose podem ser transitórios, durar poucos minutos e desaparecer, fazendo com que o paciente não dê muita importância a esses sinais. Por isso, ao ter qualquer sinal, por menor que seja, é indicado que se busque um neurologista para ser investigada a causa daquele sinal", explica Alex Machado Baêta, neurologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.>
Visando tornar a esclerose múltipla mais conhecida, Manu usa as redes sociais para falar abertamente sobre os desafios que os pacientes com esclerose múltipla enfrentam no dia a dia.>
"A falta de informações leva a um preconceito indireto. Por não ser uma doença visível, a sociedade não enxerga minhas necessidades. Às vezes, devido à fraqueza e fadiga, preciso usar fila preferencial, e as pessoas não veem com bons olhos. Quando sabem o motivo recebo olhares de dúvida ou piedade. Precisamos falar mais sobre a doença", acrescenta.>
A esclerose múltipla não tem cura. >
Os tratamentos oferecidos buscam estabilizar e interromper a atividade inflamatória ao longo dos anos para que o paciente tenha uma melhora na qualidade de vida. >
Segundo a Organização Mundial de Saúde, atualmente, cerca de 20 medicamentos aprovados por agência reguladora, com reconhecimento científico para o tratamento, estão disponíveis. A maioria deles existem no Brasil e estão disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde), dentro do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar.>
Além do tratamento medicamentoso, segundo os especialistas, é importante que seja realizado uma neuroreabilitação prevenindo complicações como as deformidades ósseas nos pacientes. >
“São medicamentos que regulam as reações do sistema imunológico que está voltado ao ataque, sendo, portanto, considerados imunossupressores. Além do tratamento específico para controlar a doença, são utilizados medicamentos e técnicas para alívio e manejo de sintomas. Na ocasião dos surtos, são usados procedimentos, como pulsoterapia com corticoesteroides ou, em casos agressivos, a plasmaférese terapêutica (processo que remove e substitui o plasma sanguíneo do paciente)”, explica Thomaz.>
“Atualmente, se vivencia uma verdadeira revolução no tratamento e no prognóstico da doença, com risco muito menor de sequelas e progressão degenerativa. O objetivo atual é evitar ao máximo que o cérebro e a medula espinhal sejam “invadidos” pela doença, reduzindo o risco futuro para a pessoa com EM”, acrescenta o neurologista e coordenador médico do Centro de Excelência em Esclerose Múltipla do Einstein.>
No caso de Manu, o tratamento inclui acompanhamento com reumatologista para alívio de sintomas articulares e musculoesqueléticos, reposição de vitamina D e foco na saúde mental, com acompanhamento com psicólogo e remédios - prescritos por um médico - para o controle da ansiedade. >
“Também tento vigiar minha alimentação evitando alimentos inflamatórios, faço atividade física de baixo impacto como natação e hidroginástica”, diz. >
“A esclerose múltipla é como uma parceira de dança que estou sempre vigiando para que ela não pise em meu pé. Conviver com a doença é uma caixa de surpresas, cada dia é um novo desafio e nunca sei com qual sintoma vou acordar.”>
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