Publicado em 20 de novembro de 2025 às 14:44
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o advogado-geral da União, Jorge Messias, a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (21/11). >
Jorge Rodrigo Araújo Messias tem 45 anos, é graduado em Direito e tem mestrado e doutorado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília. >
Ele foi indicado por Lula para substituir o ministro Luís Roberto Barroso, que se aposentou neste ano. O nome ainda tem que ser aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado e depois pelo plenário do Casa, onde precisará da maioria absoluta dos votos.>
Messias é procurador da Fazenda Nacional desde 2007 e ocupou diversos cargos em gestões petistas, como subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, secretário de regulação e supervisão da educação superior do Ministério da Educação e consultor jurídico dos ministérios da Educação e da Ciência.>
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Quando a presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment, em 2016, Jorge Messias entendeu que se tratava de uma "dolorosa derrota" de um projeto político, conforme escreveu em sua tese de doutorado.>
Ele avaliou no texto que os mandatos petistas, entre 2003 e 2016, tinham sido "um templo de planos generosos", mas cuja "fantasia logo seria desfeita". >
O trabalho, apresentado no ano passado na UnB (Universidade de Brasília), é centrado no papel da instituição por ele dirigida, a Advocacia-Geral da União (AGU). >
O título do trabalho é "O Centro do Governo e a AGU: estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global", e busca responder à pergunta como o núcleo do governo e a Advocacia-Geral da União "podem contribuir para a implementação de uma estratégia de desenvolvimento moderna, centrada não apenas na convergência econômica, mas também no enfrentamento e adaptação aos riscos globais". Veja mais detalhes aqui.>
Segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil, Messias é alguém de perfil técnico, mas que soube transitar no mundo político desde cedo.>
"Quem vive em Brasília sabe que existe um abismo gigantesco entre o mundo político e o dos concursados, mesmo trabalhando ao lado deles. Existem rituais muito particulares de cada um", diz um servidor que já trabalhou com ele.>
"O Messias faz bem esse trânsito de quem chega em Brasília pela burocracia, mas entra para o mundo da política", diz outro servidor.>
Foi em um desses cargos que Messias ganhou projeção nacional, justamente em uma situação que envolvia Lula e a ex-presidente Dilma.>
No dia 16 de março de 2016, o então juiz federal Sérgio Moro, responsável por julgar os casos da Lava Jato na primeira instância da Justiça, tornou pública a gravação de uma conversa telefônica entre Lula e a então presidente da República Dilma Rousseff.>
Dilma diz a Lula que o advogado Jorge Messias, então assessor palaciano, levaria a ele um documento para que Lula pudesse tomar posse como ministro-chefe da Casa Civil. >
Para os investigadores, tratava-se de uma manobra para dar a Lula foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF), retardando as investigações contra ele - o que Dilma e Lula sempre negaram.>
Mais tarde, o próprio Moro reconheceu que errou ao aceitar a gravação como prova, já que a conversa aconteceu fora do horário determinado pelo então juiz para a interceptação telefônica feita pela PF. >
A gravação ganhou também sua própria sequência de "memes" já que a pronúncia do nome de Messias soava como "Bessias" na voz da então presidente — nos bastidores, comentou-se que ela estaria resfriada naquele momento.>
Relembre o diálogo:>
DILMA: Alô.>
LULA: Alô.>
DILMA: LULA, deixa eu te falar uma coisa.>
LULA: Fala querida. >
DILMA: Seguinte, eu tô mandando o "BESSIAS" junto com o PAPEL pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o TERMO DE POSSE, tá?!>
LULA: "Uhum". Tá bom, tá bom.>
DILMA: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.>
LULA: Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando.>
DILMA: Tá?!>
LULA: Tá bom.>
DILMA: Tchau>
LULA: Tchau, querida.>
"Esse cargo que ele ocupava na época da ligação já era de quem está completamente inserido no mundo político. É uma demonstração pública da confiança que Lula tem nele", diz uma pessoa que tem contatos frequentes com o chefe da AGU.>
Para esta fonte, a proximidade com Lula e o PT não significa, necessariamente, que isso se traduziria em votos favoráveis ao governo no Supremo. "Ele seria um ministro que sabe jogar, tomar decisões ponderando questões políticas. A lealdade, que foi conveniente até o momento, não é necessariamente absoluta e cega.">
"Tem algo muito positivo a favor dele, que é conhecer a máquina pública", diz a professora da UNB Magda de Lima Lúcio, que foi sua orientadora no mestrado e no doutorado.>
A orientadora avalia que Messias "dá respostas rápidas" e costuma "encontrar alternativas para problemas que conseguem apaziguar o ambiente e trazer elementos relevantes para uma solução.">
"Eu caminho com Deus há quarenta anos. Foi a partir dos ensinamentos que eu tive na Bíblia, de amar ao próximo, de perdoar, de repartir o pão. Ora, Jesus com cinco pães e dois peixinhos multiplicou para a multidão e não teve desperdício.">
Assim começa um vídeo com Messias, divulgado pela Fundação Perseu Abramo, no ano passado, com o objetivo de apresentar pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores que são cristãos evangélicos. Messias é ligado à Igreja Batista.>
No dia 16/10 o presidente Lula recebeu duas lideranças evangélicas no Palácio do Planalto, o bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira, e o deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP), e posou para foto. Junto dele estava Messias.>
"Um encontro especial, de emoção e fé, compartilhado com o advogado-geral da União, Jorge Messias, e a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann", escreveu Lula em suas redes sociais.>
Lula disse que a conversa envolveu o crescimento da igreja e o acolhimento aos fiéis. "Pude reiterar a relação de respeito que tenho pela Assembleia de Deus e o relevante trabalho espiritual e social promovido pela igreja.">
Esse lado religioso é tido como uma vantagem de indicar Messias, que poderia ser visto como um aceno de Lula a uma importante parcela do eleitorado.>
No vídeo da Fundação, Messias ressalta que tem formação jurídica, mas que enxerga valores cristãos ao defender serviços públicos como saúde, educação e moradia digna. >
"O cristão verdadeiro é o primeiro a defender a família. Eu não consigo, como cristão que sou, conceber um mundo em que a gente possa ter visão de Justiça Social, combate à desigualdade, criação de oportunidade...nós vivemos em um país profundamente desigual. Entre homens e mulheres, entre raças, entre regiões do país. Não temos como praticar a fé cristã e não olhar pra tudo isso.">
Um assessor que trabalhou com Messias diz que esse lado religioso não era tão visto no dia a dia. "Não que ele esconda, mas não é algo que se destaca muito. Sabemos mais disso pelo que a imprensa vem falando.">
"Eu nunca ouvi nada a respeito nem nunca houve nenhum tipo de conversa nesse sentido. Fiquei sabendo anos depois que ele era evangélico", diz a professora da UNB Magda de Lima Lúcio, que foi orientadora de Messias no mestrado e no doutorado. "Nunca houve comentário ou decisão fundamentada nessa crença.">
Messias também aproveitou o contexto das falas sobre sua religião para sair em defesa de Lula e Dilma no vídeo da Fundação, ao dizer que são infundadas as ideias de que o PT fecharia igrejas e que tanto Lula quanto Dilma teriam ajudado a aumentar a liberdade religiosa no Brasil.>
"A grande verdade é que foi o presidente Lula que criou a lei de liberdade religiosa, garantindo o pleno acesso às muitas denominações.">
Messias também faz menção, no mesmo texto de sua tese de doutorado, a outros momentos de derrotas ao petismo, como o julgamento do mensalão.>
Embora não faça críticas diretas ao Supremo Tribunal Federal, ele argumenta em sua tese que "multiplicaram-se críticas da esquerda sobre o conservadorismo e autoritarismo do judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores e dos próprios trabalhadores e movimentos sociais".>
Diz também que "a própria prisão do ex-presidente Lula, bem como a negação do registro de sua candidatura em 2018, reforçaram as censuras.">
Para Messias, no entanto, a autoridade do STF estava sendo "solapada por movimentos sociais autoritários e por instâncias inferiores do Judiciário que, em última instância, buscavam reverter a própria ordem constitucional de 1988".>
Messias foi doador em diversas campanhas petistas pelo menos desde 2010.>
Em 2022, doou R$ 3,5 mil a Lula e R$ 2 mil à campanha para deputado federal de Paulo Teixeira, atual ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar de Lula.>
Em 2018 foram R$ 500 para Marivaldo Pereira, então candidato ao Senado pelo Distrito Federal e hoje secretário nacional de assuntos legislativos no Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP).>
Também fez doações à campanha da ex-presidente Dilma, em 2014 (R$ 500), e ao ex-governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz, em 2010 (R$ 500).>
Messias foi alvo de críticas por pagamentos que ele recebeu em honorários advocatícios, verbas que são pagas a integrantes de carreira da AGU.>
Esses valores são pagamentos que a parte vencida de um processo judicial deve fazer ao advogado da parte vencedora, como compensação pelos custos de atuação jurídica. Advogados públicos federais têm direito a receber o recurso em processos em que União, autarquias e fundações federais forem vitoriosas.>
Um levantamento feito pela BBC News Brasil nos dados do Portal de Transparência identificou cerca de R$ 1 milhão em pagamentos a Messias entre janeiro de 2023 e agosto de 2025 nesta categoria. Os valores são brutos e não consideram eventuais impostos e outros descontos.>
A AGU lançou, no mês passado, um painel que permite ver informações sobre esses pagamentos de forma facilitada.>
Segundo o site Jota, Messias disse, em um evento da AGU, que tem feito esforços para que os pagamentos sejam feitos "em linha com a moralidade e com a legalidade" e que eles são importantes para "ganhos de eficiência" da instituição.>
A AGU, em nota, diz que a constitucionalidade desses pagamentos é reconhecida pelo STF e que os honorários não são custeados com recursos da União.>
Afirmou que "não há individualização, privilégio ou discricionariedade" sobre esses pagamentos.>
"Portanto, os valores recebidos pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, no período citado, corresponde ao rateio ordinário dos honorários distribuídos a todos os membros das carreiras da AGU: advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central. Como membro da carreira de procurador da Fazenda Nacional, Jorge Messias tem, como os demais advogados públicos federais, direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.">
A instituição destacou ainda que o valor inclui também o pagamento de verbas indenizatórias (complementação de auxílio-alimentação e de auxílio-saúde) e pagamento de verbas atrasadas, a exemplo do pagamento de férias.>
Dentre os requisitos para ocupar uma cadeira no STF está que candidatos devem ter "notável saber jurídico e reputação ilibada".>
Mas o que se enquadra como notável saber jurídico — e como um indicado ao STF se encaixa ou não nessa definição? >
Embora tenha vínculos com a academia, Messias e outros nomes que foram cotados para o Supremo, como o senador Rodrigo Pacheco e o ministro do TCU Bruno Dantas, "não chegam à candidatura por sua trajetória acadêmica, como ocorreu, por exemplo, com o ministro Luís Roberto Barroso", afirma Álvaro Palma de Jorge, professor fundador da FGV Direito Rio.>
Segundo ele, o "notável saber jurídico" exigido para o cargo não deve ser confundido com títulos acadêmicos e nem tem sido adotado como critério decisivo nas nomeações.>
"O conceito de notável saber jurídico é analisado de forma discricionária pelo presidente e pelo Senado. Ambos precisam fazer esse julgamento, e não há regra objetiva. Há ministros que são doutores e outros que não são. Vinculação acadêmica e publicações não são critérios definitivos para se reconhecer o saber jurídico.">
Jorge avalia que os atuais cotados "passam facilmente no teste" em razão das funções que exercem.>
O professor discorda da ideia de que as indicações visam favorecer o governo na Corte.>
"O nome precisa da indicação do presidente, mas também da aprovação do Senado. Isso já impõe um constrangimento à escolha. Um nome que não tenha adesão do Senado nem adianta indicar, porque não será aprovado.">
Ele lembra o episódio em que o ex-presidente Jair Bolsonaro cogitou nomear o filho, Eduardo Bolsonaro, para a embaixada do Brasil em Washington — cargo que também dependia da aprovação do Senado.>
"O nome não foi nem levado adiante porque o presidente recebeu, de imediato, o feedback institucional de que não seria aprovado.">
Para o professor, o mesmo princípio vale para o Supremo.>
"Não é qualquer escolha que é palatável. O critério usado pelo presidente precisa ter adesão do Senado, sob risco de a indicação não prosperar.">
Jorge reconhece que a proximidade pessoal do indicado tem sido apontada como um critério de Lula.>
"Tem sido muito comentada essa história da proximidade. O presidente Lula teve uma experiência pessoal. Foi preso, apresentou seguidos recursos, entre eles um habeas corpus que acabou no Supremo. E ministros de quem se esperava proximidade simplesmente aplicaram a jurisprudência da Corte contra os interesses do presidente.">
Ele pondera que essa busca por afinidade é natural.>
"Naturalmente o presidente tenta indicar alguém que tem uma visão de mundo mais próxima à dele", diz.>
E conclui que a independência tende a prevalecer depois da nomeação.>
"Há muitos exemplos de ministros do Supremo que tomam decisões contrárias aos interesses do presidente que os indicou. E é bom que isso aconteça. Ministro do Supremo não é empregado do presidente da República; recebe um conjunto de prerrogativas justamente para poder julgar de forma independente. No momento da campanha, seja qual for o critério, o candidato segue um script.">
"Mas depois que senta na cadeira, enfrenta outros constrangimentos institucionais e passa a conviver com seus pares.">
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