Publicado em 23 de maio de 2024 às 07:08
O Rio Grande do Sul vem sofrendo com uma série de fenômenos climáticos adversos.>
Além das fortes chuvas, que já deixaram ao menos 162 mortos e mais de 580 mil desalojados, o Estado enfrentou estiagem, ciclones extratropicais e tornados de um ano para cá. >
São tantos eventos meteorológicos em tão pouco tempo que às vezes fica difícil acompanhá-los e entender suas causas e particularidades. >
Para ajudar o leitor, a BBC preparou um glossário dos principais fenômenos.>
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O Estado que hoje enfrenta as maiores enchentes de sua história sofria com a estiagem há um ano. >
A estiagem é um período longo sem chuvas ou com poucas precipitações. >
Em março de 2023, 356 municípios gaúchos tinham decretado situação de emergência por conta da falta de chuvas. >
O cenário era tão grave que o governo federal liberou R$ 430 milhões para uma série de ações emergenciais.>
O primeiro é caracterizado pelo aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico em sua porção equatorial.>
É uma grande "língua" de águas mais quentes que o normal que começa na costa da América do Sul e se estende por um vasto trecho oceano adentro. >
A La Niña é o fenômeno oposto: as águas superficiais da porção equatorial do Oceano Pacífico ficam mais frias do que o normal.>
Em maior ou menor grau, essas mudanças da temperatura do mar influenciam a circulação atmosférica de diversas regiões do planeta, impactando seus regimes de temperatura e precipitações. >
No caso do Rio Grande do Sul, o impacto é evidente: em regra, o Estado tem chuva abaixo do normal em anos de La Niña e chuvas acima do normal quando o El Niño se estabelece.>
As tragédias que o Estado tem enfrentado deixam muito claros os impactos dos fenômenos. >
A estiagem que castigava o Estado até o começo do ano passado era, em grande medida, resultado de quase três anos seguidos de La Niña. Depois, ao longo de 2023, o El Niño se formou e o cenário se inverteu.>
Embora o El Niño esteja em seus últimos momentos no Oceano Pacífico, o fenômeno continuou influenciando a atmosfera agora em maio. Tanto que a tragédia do Rio Grande do Sul tem, como afirma a Metsul, as "impressões digitais" do El Niño. >
Uma reportagem do instituto de meteorologia gaúcho explicou que, muitas vezes, o fenômeno causa um período de chuva excessiva justamente no outono do ano seguinte ao seu início.>
Ao mesmo tempo em que o Rio Grande do Sul fica debaixo d'água, o Sudeste e o Centro-Oeste do país sofrem com temperaturas altíssimas para o mês de maio. >
Até o dia 15, as temperaturas máximas na cidade de São Paulo estavam por volta de 7 graus acima do normal. Uma sequência de dias com temperaturas de trinta graus ou mais no meio do outono é absolutamente excepcional e fez os paulistanos sentirem que estão em janeiro ou fevereiro.>
Mas o que isso tem a ver com as chuvas no Rio Grande do Sul? >
Pode-se dizer que tudo. O calor persistente no centro do país é causado por uma forte área de alta pressão atmosférica. >
É uma espécie de "domo" que inibe a formação de chuvas, impede as frentes frias de avançarem e deixa grande parte da umidade bloqueada no Rio Grande do Sul.>
Essa situação levou à formação de diversos fenômenos que causaram a chuva abundante no Rio Grande do Sul. >
"Ao longo deste período de bloqueio, tivemos uma área de convecção em formato de 'V', uma frente fria e uma área de baixa pressão", diz Estael Sias, meteorologista da Metsul. >
"O Rio Grande do Sul ficou espremido entre o ar quente do centro do país e o ar polar que não consegue subir. Essa zona de contraste fica produzindo sucessivos fenômenos que despejam água sobre o Estado", explica a meteorologista.>
Outro fenômeno muito importante relacionado ao bloqueio é o Jato de Baixos Níveis, ou JBN. Trata-se de um corredor de vento que leva o ar quente do norte da América do Sul para as latitudes mais altas como as do Rio Grande do Sul. >
Como o calor serve de "combustível" para tempestades, é comum que as regiões sob a influência do jato sofram com tempo severo. >
O problema é que esse jato costuma ondular, o que não vem acontecendo: tem ficado praticamente parado sobre o Estado gaúcho.>
"O JBN é um veículo de transporte de umidade e ar quente. Ele contribui para a formação de ciclones, frentes frias e o tipo de instabilidade que enfrentamos", diz Estael. >
"Instabilidades que dão origem a tornados também têm conexão com o fenômeno. Para o Rio Grande do Sul, o JBN geralmente está relacionado com eventos extremos", explica a meteorologista. >
"Quando uma frente fria consegue avançar, o vento sul passa a predominar. Tem geada, frio e o JBN acaba se dissipando.">
Outro fenômeno que aparece com frequência no noticiário é o ciclone extratropical. >
Comuns na costa brasileira, em especial na da região Sul, os ciclones extratropicais são áreas de baixa pressão atmosférica que formam nuvens carregadas.>
Seus ventos, no Hemisfério Sul, giram no sentido horário. Podem causar muita chuva e vento forte, mas não têm o mesmo potencial destrutivo dos furacões.>
Em linhas gerais, o fenômeno é formado pelo contraste entre o ar quente e o ar frio. Esse contraste leva a uma mudança da pressão atmosférica. >
Quando o índice está muito baixo, a umidade que está na superfície vai para a atmosfera e forma grandes nuvens.>
Não é à toa que o Estado gaúcho é tão afetado pelos ciclones extratropicais. O Rio Grande do Sul se encontra justamente em uma zona geográfica de transição, com encontros frequentes de sistemas polares com tropicais.>
Mesmo assim, a recorrência do fenômeno foi surpreendente em 2023. Diversos deles se formaram ao longo do ano. >
O mais significativo, em junho, deixou um rastro de destruição: de acordo com a Metsul, pelo menos 15 pessoas morreram e 4,3 mil pessoas ficaram desalojadas. >
O nordeste do Estado, incluindo a Grande Porto Alegre, foi a região mais afetada, com volumes de chuva que chegaram a 350 mm em poucas horas.>
Muito menos frequente na costa brasileira, o ciclone subtropical difere do extratropical pela temperatura de seu centro: enquanto a do primeiro é mais quente que a da atmosfera ao seu redor, a do ciclone extratropical é mais fria. >
Outra diferença é que o fenômeno não está associado às frentes frias, como ocorre com os extratropicais. >
O ar em seu interior também se movimenta no sentido horário. Por ser um fenômeno anômalo e atípico, costuma receber um nome quando sua formação é confirmada. >
A última vez que isso aconteceu foi em fevereiro deste ano, quando o ciclone subtropical Akará passou, sem causar danos, ao largo do litoral do Sul e Sudeste do Brasil.>
O que o Akará teve de mais interessante foi o fato de que, por um breve período, ele se tornou uma tempestade tropical, quando há vento sustentado de 63 km/h a 118 km/h. É o estágio que antecede o do furacão.>
Outro fenômeno relativamente comum no Rio Grande do Sul é o tornado. O mais recente foi registrado na zona rural da cidade de Gentil, no norte do Estado. >
Aqui, novamente a posição geográfica do Estado, com suas constantes interações entre massas de ar quente e massas de ar frio, favorece a ocorrência do fenômeno.>
Você muito provavelmente já viu imagens de um tornado: é aquele "funil" que se forma em nuvens carregadas e desce até tocar o solo. Pode ter um alto potencial destrutivo a depender de sua intensidade, que vai de 0 a 5 na escala Fujita. >
Os mais fortes chegam a ter ventos de 400 quilômetros por hora. Os tornados, porém, duram pouco tempo, em regra alguns minutos, e afetam uma área relativamente pequena, normalmente de alguns poucos quarteirões ou quilômetros.>
"Os tornados fazem parte da nossa climatologia", diz Estael. "Tem uma estatística que diz que a cada 100 tempestades no estado, uma tem potencial de virar tornado. Então, não tem a frequência dos Estados Unidos, por exemplo, mas não é algo anormal.">
Apesar de o inverno de 2023 ter sido fraco, com temperaturas acima do média, o Rio Grande do Sul registrou alguns eventos de geada. Mas o que fugiu do padrão mesmo foram as geadas ocorridas em pleno mês de dezembro. >
No dia 27, diversas localidades do Estado e de Santa Catarina amanheceram com temperaturas abaixo de 5°C. >
A geada se forma quando há o congelamento do orvalho. Ou seja, nada tem a ver com precipitação: a geada não "cai" de nuvens, e sim se forma sobre a superfície.>
Do ponto de vista da climatologia, a geada em dezembro foi "bizarra", segundo Estael. >
"Mas essa [bizarra] é uma palavra que temos usado bastante quando falamos de fenômenos climáticos nestes últimos meses", alerta Estael. >
"Lembro de uma palestra em que nós da Metsul mencionamos que, ano passado, todos os oceanos estavam mais quentes que o normal e isso nos levava a um terreno desconhecido para prevermos eventos extremos. Não imaginávamos o que viria nos próximos meses como consequência do aquecimento dos oceanos"”, diz a meteorologista. >
"Acho que isso é parte da resposta sobre o porquê de tantos eventos extremos. A atmosfera tenta buscar um equilíbrio, quantos fenômenos extremos ela vai ter que gerar para conseguir isso?">
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